AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

A Thousand Details: “A ATD dá imensa liberdade artística”

13 Março, 2020 - 15:25

Com os olhos postos na sua nova editora, e não só, o portuense A Thousand Details fala sobre passado, presente e futuro nesta entrevista.

Gustavo Lima anda a produzir música e a tocar há muito tempo. Já fez minimal com o projeto Dope Kids, assinou música ambient com o alias Solar Debris, foi um dos fundadores da editora Reaktivate, entre tantas outras aventuras na eletrónica. Agora, as atenções do portuense estão viradas para o projeto A Thousand Details, assim como para a recém-criada editora ATD.

Ao longo de uma hora – e outras duas em off the record – A Thousand Details, que conta com passagens em labels como Materia, Northallsen, Olympian e Quartz Rec no currículo, sentou-se connosco num bar na cidade do Porto para contar muito acerca do seu percurso e de outros tópicos, como é caso do panorama atual de techno em Portugal.

O que sentes ao tocar lá fora, tendo em conta o panorama português, que, se calhar, é um bocado restrito a nível de oportunidades – não sei, qual é a tua visão?
Vou ser honesto: eu adoraria, e teria muito mais gosto em poder tocar mais por cá e divulgar muito mais a cena nacional, junto das pessoas, pois acho que há um caminho enorme para fazer. Muita gente ainda tem aquele cisma na cabeça de “é música de pastilhados” e a maioria prefere géneros mais comerciais ou onde há mais “variedade” em todos os aspetos. Lá fora tens uma cena já bem montada, com muito mais investimento e público recetivo. Isso obviamente que te melhora as condições em todos os aspetos e te faz sentir mais aconchegado talvez.

Achas que é culpa, digamos assim, do público ou de quem está por trás da cena? Ou dos dois, se calhar.
Eu não diria que seja culpa.

Culpa num sentido mais lato…
Sim, num sentido mais lato. Primeiro, acho que parte um bocadinho da parte dos promotores ou de quem faz festas. Há muita gente aí a tentar e a fazer bom trabalho, e esse pessoal é de louvar. Só que a verdade é esta: o público és tu quem o ensina. O promotor, que faz a festa, o clube ou o DJ que está a atuar naquela noite é que vai instruir o público. Claro que se o público não estiver recetivo, é mais complicado o pôr a gostar do que está a ouvir, mas acho que parte primeiro de quem tem hipótese de organizar e quem vai fazer a festa. É tudo uma questão de educação e de desmistificar as festas de techno. É como qualquer outra festa, há pessoal tranquilo, há pessoal mais fora, mas ninguém te chateia. Estás na tua, estás com os teus amigos… Se não arranjares problemas, ninguém te arranja a ti também. Se calhar mais depressa tens problemas num clube de reggaeton porque está tudo atrás de uma rapariga, enquanto num clube de techno está tudo ali a curtir a sua e o som.

Estas questões alguma vez te tiraram a motivação ou, pelo contrário, motivaram-te ainda mais para ter um papel nessa educação que falas?
Em 14 anos nesta brincadeira, os desafios sempre me deram mais força para continuar. Estive algo desmotivado entre 2013 e fim de 2014. Precisava de fazer um reset, ver o que se passava à minha volta e ver o que podia fazer disto. Mas, em suma, é uma força.

Nesse período em que paraste, paraste por completo ou, se calhar, ainda te fechavas no estúdio?
Estive cerca de nove meses afastado do estúdio, em que seriamente equacionei deixar de fazer música – pensei “não vou a lado nenhum com isto”. É normal, acho que qualquer produtor ou qualquer pessoa que esteja a fazer trabalho artístico, seja música ou pintura, etc., chega a um ponto em que dúvida se é aquilo que deve fazer ou não. Na altura também trabalhava, uma pessoa acaba por deixar um pouco para trás a música e focar no trabalho. Mas acabei por passar por isso e seguir em frente.

E estamos aqui a falar do teu estúdio… Diria que é dos teus sítios favoritos para estar, não?
[risos] Sem dúvida.

Tens passado muito tempo lá?
Desde 2006, com o meu projeto Dope Kids, em que eu e os meus amigos Tomás Gamboa e Ivo Polonia fazíamos minimal. Desde aí quase nunca parei e hoje em dia, desde dezembro 2019, muito mais, uma vez que, por motivos de força maior, só estou a fazer música a tempo inteiro.

Tu não és tanto do software, diria eu…
Não, uso as duas coisas. Se me perguntarem a percentagem de um e outro, diria 70-30. Até porque há muita coisa boa no digital, e muita coisa boa no analógico. Uma pessoa não pode ser hipócrita ao ponto de dizer “só uso analógico”. Se fosse assim, gravava para uma fita, não para o computador. Uso as duas coisas.

Mas basicamente um dos meus grandes sonhos foi mesmo esse. Em fins de 2013 e inícios de 2014, quando surgiu a hipótese de comprar hardware por mim próprio, e em que tive também a sorte de ter uma mãe que ajudou em algumas coisas para eu minimizar o meu investimento, não pensei duas vezes. Foi o facto de começar a comprar hardware que me voltou a dar uma pica brutal de fazer música. Uma pessoa pensa que é quase igual – olha para o software e vê que é uma réplica de uma máquina – mas não, a dinâmica muda toda. Em 2014, portanto, tive de voltar às bases. Tive de voltar a reaprender tudo o que sabia até então para voltar a fazer música que achasse que tivesse qualidade, ou que fosse boa. Hoje em dia, sempre que posso, estou lá enfiado. É um vício. Um vício saudável.

No Technotronic, no programa Física e Química, a Patrícia Amaral referiu algo como seres um dos maiores aficionados por sintetizadores modulares do país. Consideras-te um daqueles viciados em comprar módulos ou nem por isso?
[risos] Numa espécie de Alcoólicos Anónimos ou Modular Anónimos. É um universo bastante complexo e vasto, todo o módulo é diferente de outro módulo. Pode ter a mesma função, mas o resultado difere. No início, sim, foi o descalabro. Hoje em dia tenho uma caixa que acho que já é bem grande, mas cheguei a ter o dobro. Pensei “estou maluco, nem uso metade do que está aqui, não pode ser assim”. E aquela coisa do “less is more” é realidade.

Aficionado… Não sei dizer. Gosto muito daquilo? Gosto. Tenho uma paixão por aquilo? Sim. Passo ali imenso tempo? Passo. Mas acho que é como outra coisa qualquer. Como cá em Portugal não tens lojas que vendam modular, acabas, muitas vezes, por comprar para experimentar. Às vezes sai muito bem, outras vezes pensas “isto é uma porcaria descomunal”. Mas, em Portugal, já vês muita gente com modular, há cada vez mais interesse. Mas sim, é uma das minhas maiores paixões, sem dúvida.

O universo dos sintetizadores modulares é “uma das maiores paixões” de Gustavo Lima

Estavas a falar de estar atento às novidades – é algo que fazes? Vais atualizando o teu estúdio com novo material? O que é que compraste mais recentemente, por exemplo?
Mais recentemente comprei um Arturia MicroFreak, que é um sintetizador mais low budget, um Model:Cycles e um Moog DFAM. Mas até te digo mais, adquiri pois vendi outro material e reinvesti, só dá para ser desta forma hoje em dia.

Vou estando atento… Alguém que está a criar música, que está à procura de um som, que está à procura de inovar, de ter um som diferente, está sempre à procura de o que é que vem aí. É a tua palete. É a mesma coisa com um pintor, que vai comprar várias tintas para fazer misturas e encontrar uma cor espetacular para a visão dele – o VST ou o hardware acaba por ser a mesma coisa.

Fala-me um bocadinho do teu 2019. Talvez os lançamentos na Quartz e na Olympian tenham chamado mais a atenção, mas como é que vês esse ano?
Sem dúvida que acho que 2019 foi um ano de breakthrough. Acima de tudo, primeiro é muito trabalho. O pessoal pode achar que não, que pode ser sorte… É a combinação de dois fatores no meio disto tudo: é trabalhar muito e alguma, pouca sorte. Desfalquei-me a trabalhar – e era uma coisa complicada, trabalhar ao mesmo tempo e estar a fazer música, e viver em conjunto com uma pessoa e tudo, não é nada fácil. Primeiro, a minha namorada é uma pessoa espetacular porque compreende perfeitamente o meu objetivo e sabe o quanto isso é importante para mim, portanto também me dá espaço para fazer as coisas. Para mim é o primeiro ponto e é o mais fundamental.

Depois, obviamente é organização. Tentava sempre todos os dias, nem que fosse uma hora, uma hora e meia, fazer alguma coisa. E acho que foi o culminar destes anos todos que o permitiu. Foi preparado em 2018, a maior parte das coisas começaram nesse ano, isto na música anda tudo muito devagarinho. E tive sorte de conhecer pessoas que parecem inacessíveis como tudo, o caso do Paul Ritch, o caso do Marco Bailey, pessoas que tu olhas e pensas que não querem saber. O não é sempre garantido, por isso pensei “vou mandar uma demo e logo se vê o que a casa gasta”. Fui seguindo alguns feedbacks das promos também para me guiar e acabou por correr bem. Esforcei-me para fazer uma coisa boa e diferente, que tivesse o meu cunho pessoal, e obviamente que abriu portas. Portanto, 2019 foi, para mim, sem dúvida, o ano em que rebentei a bolha. Comecei a notar que tinha mais olhos em cima, e obviamente isso também me obriga a ser muito mais trabalhador, e a procurar mais qualidade e não tanta quantidade, como é óbvio. E agora vem a parte mais complicada – porque abrir algumas portas, faz-se, agora manter as portas abertas e subir os patamares, é a parte que vem aí e que é mais complicada.

Achas que esses releases te vão ajudar a abrir mais portas e divulgar mais trabalhos?
Sim, claro que sim. É o que eu digo sempre: o não é sempre garantido. E às vezes é muito complicado digerir isso quando estás com a pica toda e no início da carreira… Mas começo a perceber que realmente sim, eu passei por isso e hoje em dia percebo que não sou uma incógnita, o pessoal já conhece o meu nome, o que ajuda. E claro que também tens de ser um bocadinho inteligente e pegar nisso, capitalizar um bocado o teu trabalho. Se estiveres em casa fechado, a fazer som, mandas uma demo uma vez por ano… Não podes estar à espera de que te arranjem gigs ou que vás a algum lado, isso é óbvio. E muitas vezes, há aquela coisa de “ah, será que o meu som presta, será que o meu som não presta?”. Eu sou aquele género de artista, ou produtor, que tudo aquilo que eu faço, para mim não presta. Não sei se é por ouvir aquilo muitas vezes seguidas ou não, mas uso muitos os amigos e o pessoal à minha volta para ter feedback válido e ganhar confiança. E especialmente feedback genuíno – se estiver mal, que digam que está mal, vindo das pessoas amigas no meio, que, realmente respeito e que me respeitam, e que são humildes comigo e que sabem dizer as coisas. Olhar um bocadinho para o que se passa à volta, ver o feedback dos promos, tudo isso junto… Deu para perceber que, realmente, tenho de seguir com isto para a frente, tenho de levar isto para outro patamar e trabalhar nisso. Como tudo, há sempre um bocadinho de fator sorte. Quem é que sabia que eu iria estar com o Marco Bailey em Madrid e, assim, abrir a porta da Materia? O fator sorte existe, claro que sim, mas é o teu trabalho que dita as coisas, não é só a sorte. 95% é o teu trabalho, 5% é o que chamas de sorte.

Mais ou menos neste seguimento, e até tendo em conta 2019, quem é a malta que te anda a surpreender?
Muito honestamente, vejo – e não é por ser português – a malta portuguesa – e felizmente somos todos amigos, algo que nunca vi em Portugal até há bem pouco tempo – neste ano de 2020, Temudo, Nørbak, VIL, stndrd, a dar cartas, até diria no panorama mundial. Nós nunca tivemos portuguese techno, como lhe queiras chamar, como UK techno, Napoli techno, o que quer que seja, nunca tivemos isso. É a primeira vez que genuinamente vejo pessoas unidas, sem estarem com filmes de competições. Está tudo a trabalhar para o mesmo. É bom ver que tens grandes artistas a seguir os portugueses – hoje em dia mais o Temudo e o Nørbak, acho que são os dois que estão a ter maior lance neste momento e a levar a bandeira.

Depois tens alguma malta estrangeira que também vou seguindo, o PWCCA, Endplate, Divide, Vertical Spectrum, Dykkon, Kastil, Fixon, Giordano, Irazu e os velhotes sempre bons Steve Bicknell, Luke Slater (juntamente também com LSD), Svreca, Reeko, Domenico Crisci, Pfirter…

Já agora pergunto, por estarmos a falar só de aspetos positivos: há alguma coisa que apontes como negativa na cena? Muita gente refere as redes, também tens o DVS1 a falar dos festivais e os problemas que trazem… Tens algum ponto negativo a referir?
Como tudo, existem pontos negativos e positivos a referir. Não podes ter algo 100% positivo – tem de haver sempre uma parte pior, é o balanço das coisas. As redes, ya, mudaram a vida de muita gente. Eu sou do tempo que nem internet havia nas casas, e quando apareceu a internet nem havia redes sociais, tinhas o IRC, alguns sites tipo comunidade. Eu não acho que seja mau – acho é que as pessoas devem saber usar e filtrar a informação que está lá.

Eu vejo outras coisas mais negativas do que propriamente as redes. Acho muito mais negativo as pessoas se fecharem a sete chaves, não quererem partilhar, não quererem dar a mão a ajudar ao próximo para evoluírem, do que propriamente as redes. As redes valem o que valem – queres estar lá, estás, não queres estar, não estás. Claro que hoje em dia é algo importante, eu próprio tive de me educar, a perder uma hora que fosse nas redes. O mundo da música já não é como antigamente, infelizmente já não é. Quando cresci nesse mundo da música, as redes valiam o que valiam. Tinhas o Myspace, que era uma verdadeira ferramenta, conheci muita gente, partilhei muita música e era focado para aquilo, sem distrações. Vejo coisas piores, sinceramente, em mesquinhices, pessoal que é fechado e que genuinamente prefere não ajudar e pôr alguém para um canto. Não sei se é pela minha maneira de ser, que sempre ajudei toda a gente no que podia, mas acho que não custa, se tens um bocadinho de alguma coisa ou de informação com que podes ajudar o próximo, que se está a tentar esforçar, alguém que seja genuinamente humilde ao ponto de dizer que quer ajuda e que procura ajuda – não alguém que se quer aproveitar de ti, acho que é bem mais enriquecedor, tanto para ti como indivíduo, como para o panorama onde te inseres.

Este ano, A Thousand Details passa por editoras como Edit Select e Analog Section

Voltemo-nos para ti e os teus planos. Posso mesmo perguntar se já tens algumas coisas alinhadas para este ano, se são muitos planos, se são poucos…
São alguns planos, principalmente a criação da minha nova editora a ATD – em grande parte, muito empurrado por amigos, principalmente o Nørbak, o Diogo [stndrd] e o João [Temudo]. Uma plataforma só para mim. A ideia é muito simples: só lançar as minhas músicas, só material original, e ser tudo feito em Portugal. Desde a música, o mastering e o artwork. O artwork é feito por uma rapariga de Amarante, Patrícia Azevedo [Verme], o mastering é feito pelo Temudo, na Tema Mastering. Daí vem a ideia de ser “100% Made in Portugal”. Em todas as minhas releases vem lá, garantidamente, na descrição, o nome da Patrícia e do Temudo, como Tema Mastering, e que é “100% Made in Portugal”. Porque se nós próprios não metermos o nosso país no lugar, quem é que vai meter? Os de fora? A verdade é essa.

Também em certa parte, fiz isto porquê? Após muitas conversas filosóficas com o Nørbak, e tendo em conta o panorama atual da música eletrónica e do techno, cada vez mais é difícil lançar em editoras. Antigamente, em 2007, lançar música era bastante mais fácil, não havia tanta gente a fazer música, havia mais abertura das editoras. Hoje em dia são cem cães a um osso, em bom português. Às vezes até tens bons trabalhos, tens material de topo, mas as editoras grandes são também um negócio, e querem garantir que estão a trabalhar nos próximos anos. Portanto, também percebo que às vezes haja uma preocupação no investimento e não aceitem nomes menos conhecidos. Mas a ATD dá também imensa liberdade artística.

Não produziste sempre techno, certo?
Comecei a fazer som minimal techno, mas rapidamente fui para as origens. Mas ainda hoje em dia faço bastante ambient, drone, e música mais a apelar a banda-sonora.

Achas que tua label vai abrir portas para uma maior liberdade criativa?
Vai, vai. E digo-te porquê. Começa com o meu primeiro projeto de label em 2012, a Reaktivate. A editora surgiu entre amigos, malta que já nem está muito ligada ao techno, a não ser o Pedro Coelho (Cindy), que ainda está um bocado ligado à música, e a ideia era lançar trabalhos de pessoas que não têm hipótese de os lançar. Inicialmente éramos cinco, Tomás Gamboa, Ivo Polónia, Simão Janela, Pedro Coelho e eu, e mais tarde passámos a seis com o Nuno Mendonça, o Kinetic. Na altura, estávamos com uma estética muito mais techno mental, atmosférico. A editora começou como uma brincadeira e acabámos a fazer releases em vinil, em CD, a divulgar música sem ter géneros vincados.

E construímos uma coisa fenomenal: uma editora portuguesa, que o pessoal sabia que era portuguesa, e de lá saíram nomes internacionais que hoje em dia têm peso, como o Refracted, a Milena Kriegs, o Mod21, e principalmente um nome que muita gente pode não saber, mas a música que impulsionou o Stanislav Tolkachev saiu na Reaktivate. Um remix para o nosso primeiro vinil que foi parar às mãos do Pangaea, que estava a compilar um Fabriclive. Isto tudo porque a nossa premissa era “faz o som que tu quiseres, não há qualquer restrição, faz o que achares que tens de fazer”. Mas até muitos artistas – por exemplo, o Ness, o Gianluca Meloni, metade dos Modern Heads com o Dino Sabatini – genuinamente tiveram interesse por pedirmos para fazer diferente do seu habitual. Aí percebi logo: a liberdade artística é uma arma poderosíssima.

Aliando esta nostalgia, chamemos-lhe assim, da Reaktivate à criação desta label, será que isso te motiva ainda mais – ainda mais do que aquela motivação que já falámos?
Motiva, claro que sim. Motiva porque… É assim, a Reaktivate foi um projeto que me deu uma pica do caraças fazer, foi contra tudo e contra todos. Nunca sonhei ter uma editora, lançar um vinil – aliás, dois, um deles até foi 100% português, que era eu e os Sturqen, pessoal aqui do Porto, mais na eletrónica experimental, com remixes de Orphx e Casual Violence, uma coisa brutal – e isso deu-me uma pica descomunal. Mas como tudo aquilo que é bom tem um fim – não é que a Reaktivate esteja morta ou fechada, não – simplesmente preferi deixar estar como está e ser relembrada por aquilo que fez de bom. Não quer dizer que daqui a uns anos não volte a pegar nela, por que não, mas, para já, prefiro que esteja em repouso. Toda essa experiência, todo esse know-how que adquiri, todos os bons e os maus momentos, principalmente os maus, que me permitiram aprender muito sobre o meio, sobre como as coisas funcionam, o que fazer ou não fazer, isso é experiência. Quando tens a experiência e um projeto novo em mãos, que acaba por ser mais desafiante porque só podes contar contigo mesmo, só isso já é um desafio. E ganhas mais pica porque sabes como hás de fazer direito. Em vez de estar a jogar em “hard”, estás a jogar em “nightmare mode”.

Alguma novidade a caminho que possas revelar?
Posso, algumas, outras estão nos segredos dos deuses. Um EP na Edit Select em abril, um 12” na Analog Section, do espanhol Sarf, em maio, e outro na Concerns. E por fim um EP na Hayes que sai em março. A Hayes também tem feito grande trabalho, tem um mindset muito parecido ao que tinha na Reaktivate, dar voz a artistas novos, também muitos artistas portugueses.

Notou-se naquela compilação mais recente. Fresko, por exemplo, conheci através dessa compilação…
Sim. É a malta nova. O que digo sempre é que há a minha fornada – Re:Axis, Thinkfreak e eu na altura nos Dope Kids, quem quiser procurar que vá procurar, deixo aí o desafio para encontrar os meus aliases antigos – há a fornada do Temudo, do VIL, Nørbak, stndrd, e os novos artistas como o Fresko, CCSD, Qwëzall, Vince, etc., que são o futuro próspero. E estou a gostar de ver a Hayes a fazer um trabalho que tanto pega e dá apoio ao nacional, o que para mim é fundamental quase, mas também dá hipótese a pessoal estrangeiro que está a crescer, como é caso daquele EP que fizeram do Jörg Rodriguez, que é um tipo mexicano fenomenal, cinco estrelas. Deram-lhe hipótese – por que não? Creio que a visão deles é um bocado parecida com a minha: nada te dá mais prazer do que teres lançado um tipo pela primeira vez, e o gajo passado um ano ou dois está a lançar em grandes editoras. Pensar “eu escolhi este gajo, eu apostei nele” dá uma sensação brutal de missão cumprida.

No fundo, e em jeito de conclusão, tudo isto é a tua paixão, não é?
Sem dúvida alguma. Para perceberes como isto é a minha paixão, no 12º ano, aquela altura que é fantástica para todos os jovens, em que acho que ninguém sabe o que quer fazer o resto da vida honestamente – há malta que sabe – a minha primeira ideia foi ir para Engenharia Informática. Mas por uma questão de… talvez pela educação que tive em casa, a minha mãe sempre me disse “tu fazes o que quiseres, desde que estejas bem para contigo mesmo, com aquilo que escolheres. Se quiseres ser trolha ou médico, é contigo, faz aquilo que tiveres de fazer, prefiro que faças algo que genuinamente venhas a gostar de ter feito do que depois te arrependas de ter perdido tempo naquilo. Mas vais viver de acordo com isso”. E eu no 12º ano, prontinho para ir para Engenharia Informática, antes dos exames pensei “não quero ir para a FEUP e vou para Som e Imagem, na Católica” – porquê? Por causa do Som. E lá fui eu após um ano sabático. “Vou para Som e Imagem, quero mesmo tirar um curso ligado ao som” e assim o fiz. Se trabalhei na área do som no dia a dia tipo TV ou gravação em estúdio? Não, nunca trabalhei. Se é possível? É, e estou a tentar fazê-lo a 100% por amor e por acreditar. E, lá está, uma paixão não tem que te impedir de fazê-la o resto da vida, podes ter uma paixão para o resto da vida perfeitamente, mas também podes ter alguns sacrifícios que permitam que essa paixão continue.

Imagens cedidas pelo artista (fotografia de destaque por Diogo Gordinho Lima, restantes por Duarte Morais)

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