AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

DJ Vibe: “Falar de mim é um pouco estranho, deixo essa leitura para as pessoas”

28 Agosto, 2024 - 10:41

“Frequências” é o primeiro álbum a solo de DJ Vibe, que nesta entrevista nos leva desde a produção e lançamento do disco até ao passado e futuro da carreira de 42 anos.

Tocou em público pela primeira vez com 15 anos. Esteve no núcleo da cena rave do país. Passou por alguns dos mais aclamados clubes por cá e no mundo. Editou música reconhecida em pistas de todos os cantos. DJ Vibe é figura incontornável da música de dança em Portugal e, cerca de três décadas após pôr os primeiros trabalhos de produção cá fora, lançou o álbum de estreia este ano.

Apesar de “Frequências” só chegar em 2024, o currículo de Tó Pereira em matéria de edições tem muito para mostrar – e não só como DJ Vibe. Por lá, contam-se aventuras como rádio, a dupla Underground Sound of Lisbon, do famoso tema So Get Up, remixes para nomes como Celeda, os pseudónimos Meco e Antos, a editora Kaos ou os volumes da bem-sucedida série de mixes Global Grooves. E está longe de parar, até porque “a motivação é diária”, conta nesta conversa.

Será redundante dissecar uma carreira que já foi tão falada por cá. Olhemos antes para as palavras do próprio e para o álbum “Frequências”, descrito como “uma viagem imersiva com diferentes moods que se pode ouvir em qualquer momento ou circunstância” nesta entrevista.

Para já, o disco está disponível em exclusivo em vinil, mas há versão digital com surpresas a caminho. Para ouvir Tó Pereira na cabine, este sábado há “The Annual Dj Vibe Beach Party” no Castelo Beach Club, em Albufeira.

Tens tido alguns eventos de apresentação. Tanto o lado de tocar, claro, como as conversas em espaços como Lux Frágil, em Lisboa, e Fnac, no Porto. Queria começar por perguntar como é que têm sido estes últimos tempos, desde o lançamento do disco à receção.
Fiz também uma apresentação na Madeira, na Estalagem Ponte do Sol. Pelas vendas, a receção posso dizer que é muito boa e positiva. A parte também toda da conversa foi muito interessante porque, na verdade, quis poder falar e dizer às pessoas um pouco da história por trás do disco.

Também terá sido uma espécie de reunião com amigos.
Sim. Também familiares, com algumas pessoas que têm acompanhado o meu percurso. Portanto, para mim, foi um momento inédito ao fim destes anos de trabalho porque não reuni só colegas de profissão, como amigos e família. Foi muito gratificante.

Como é que se decide compor um álbum de estreia volvidos tantos anos envolvido em produção – e também DJing, claro? Como é que se chega a essa decisão?
A paragem que nós tivemos [durante a pandemia de covid-19] ajudou bastante porque tive mais tempo para poder dedicar-me à produção e a gravar. Ou seja, eu tive um período de mais de 10 anos sem estar em contacto com máquinas e a fazer produção. Tinha ido para o Porto durante um período por causa da discoteca [Indústria] e só depois, em 2013, quando volto a Lisboa, é que começo outra vez a entrar em contacto com as máquinas. Depois, houve todo um processo ainda de adaptação porque, entretanto, acontece muita coisa em 10 anos, obviamente.

Portanto, depois desse período de regresso, comecei a gravar umas coisas. Em 2020, quando ficámos em lockdown, comecei a dedicar-me um bocadinho mais à produção e começa tudo a partir daí, mais a fundo. Até aos dias de hoje, basicamente.

Então incluis o EP “Da Lapa” nessa fase de regresso?
Sim, mas o “Da Lapa” é de 2013. É por aí e só sai mais tarde, mas é gravado nessa altura. Aliás, uma das músicas do álbum, a Pulse me now, é também dessa altura, de 2014. Mas lá está, só incluí no álbum pois tinha ali aquela faixa que achei que podia também sentido incluir.

Estás a dizer que isto é também um regressar às máquinas. Como é que se deu todo o processo de produção? Envolve muito computador, muitas máquinas? Consegues resumir?
Eu trabalho música eletrónica, portanto é tudo máquinas. Neste projeto, é tudo basicamente por computador e, obviamente, toco algumas coisas. Não sou propriamente músico de pauta, mas foi tudo gravado. Não há captação acústica, não há instrumentos acústicos, é tudo eletrónico.

Consegues dar exemplos de algumas máquinas?
Juno, Clavia Nord Lead e depois muitos plugins também. Muitas coisas da Native. Enfim, é tudo uma livraria interna. E alguns samples.

Olhando para o disco, é um disco repleto de influências. Podemos olhar para o house de Chicago, há ali uma faixa com toques dub e tudo. Como descreves o disco em matéria de sonoridade?
Olha, sou eu. É como no DJing, não tenho propriamente um género específico. Gosto imenso de poder jogar com diferentes subgéneros quando estou a tocar e eu acho que isso também se reflete aqui neste disco. Há vários géneros de música eletrónica no álbum. Quis criar uma viagem imersiva com diferentes moods que podes ouvir em qualquer momento ou circunstância, no dia a dia.

Realmente tens isso que referiste em relação a Chicago, tens depois umas coisas mais deep, umas inspirações mais pop – para mim, por incrível que pareça, mas vem um bocado também daí. É um despertar constante para coisas novas e querer também experimentar algo de diferente.

E aí, como podes reparar no Runway e no Experiência Imersiva, são faixas quase do mesmo género porque elas foram feitas praticamente no mesmo período. O Pulse me now foi um som gravado em 2014, mas não é por ser Chicago, não foi pensado para ter essa sonoridade, podia ter ido para outro lado. É claro que, a dada altura, a música começa a ganhar uma forma – um género – e depois podes não ter isso como o teu guia. Mas nota-se que é uma influência daí.

Normalmente gosto de ir explorando, gosto de ir experimentando. Às vezes, tudo começa pela compra de um plugin. Começas a experimentar, começas a tirar ali umas ideais novas e pensas: OK, isto é porreiro, vou gravar, fica em áudio logo, fica ali a gravar, depois vais usar mais à frente para outros trabalhos.

E é esse o meu processo. Gosto sempre de estar do lado criativo. Mas, ao mesmo tempo, tenho de estar constantemente à procura de música para os gigs, não posso deixar isso de lado quando estou a produzir. Portanto, é essa a minha vida. E, nesse aspeto, posso dizer que sou um privilegiado porque faço o que gosto – apesar de não estar visível, é um trabalho permanente.

Acabas por ser inspirado por tudo o que te rodeia. E nesse sentido até gostava de olhar para a tua história com o António Cunha, também para recordar alguns dos nossos leitores que podem não saber, e até eu próprio sabê-la melhor: houve ali uma altura em que ele te influenciou a começar a olhar mais para este lado da produção. Consegues recordar esse momento?
O António Cunha influenciou-me a criar a editora Kaos, não na produção. Ele teve, obviamente, uma grande parte em todo este movimento, este início desta indústria em Portugal. Naquela altura, foi ele que realmente veio ter comigo para iniciarmos a Kaos. E eu lembro-me perfeitamente de lhe dizer que não tinha tempo para estar numa editora, com os gigs. Ele disse-me que não era para estar lá, era para fazer A&R, ver as músicas que recebia e perceber se dava depois para licenciar.

Foi também nessa altura que tínhamos o So Get Up a editar e que impulsionou o arranque da editora. E eu lembro-me de estar muito mais no DJing na altura do que propriamente na produção. Aliás, nem tinha quase equipamento. Só depois, mais tarde, em 95-96, é que comecei a adquirir equipamento e comecei a querer fazer música. E fiz o I’ll Take You, fiz umas remisturas para Celeda e outras.

Mas realmente havia sempre a vontade dele a puxar-me para fazer músicas ou remisturas para a editora. E sim, foi uma pessoa que teve muito importância em todo este movimento de edições e editoras. Abriu portas a muita gente.

Eu posso estar enganado porque eu quase não era nascido nessa altura, mas teve também um impacto na própria cultura rave e na organização dessas festas.
Sim, ele começou em paralelo a criar festas e basicamente através da Kaos. Portanto, ele não só criou realmente a parte discográfica, mas também a parte de eventos. Foi uma das primeiras pessoas a fazer as primeiras raves em Portugal.

E o “Frequências” também tem um tema dedicado ao saudoso Magazino. Qual o impacto dele na tua vida? De que forma te marcou? Porque ele no fundo também inspirou muitas pessoas, principalmente nos últimos dias de vida dele, pessoas que não eram ligadas à música eletrónica, como por meio das presenças que teve na televisão.
O Costa, ou Magas, como lhe costumava chamar também, nós só nos encontrávamos nos gigs, basicamente. A vida foi quase toda assim, quando ele tocava no mesmo sítio onde eu tocava, ou vice-versa, lá nos encontrávamos, podíamos estar ali um pouco à conversa juntos e pouco mais.

Como te disse, tive um período aí no Porto e andava sempre de um lado para o outro e não parava. Ao voltar a viver a Lisboa, fui morar para perto de casa dele. Quando ele soube que eu estava ali, telefonava-me e dizia para ir lá a casa ou para ir beber um copo. Sempre a querer que estivéssemos juntos, que é algo, para mim… Quase ninguém fazia isso. Ele era das poucas pessoas a fazê-lo. Chegámos a sair e a estar juntos algumas vezes.

Depois, quando ele anunciou a doença, de alguma forma, fiz eu esse papel, manter o contacto e dar-lhe apoio. Além disso, pu-lo em contacto com o meu irmão, que tem uma clínica de medicina alternativa onde ele fazia alguns tratamentos. Portanto, andámos aqui um bocadinho mais próximos. Sem esquecer que ele teve alguma influência para eu entrar na agência Match Attack, onde ele também estava representado. Era um ser humano extraordinário. Sempre na boa, sem filtros.

Nós nunca fizemos nada de estúdio e não houve oportunidade. Nunca se falou nisso, lá está. Mas pronto, foi a minha maneira de o homenagear e de lhe agradecer também pela atenção que ele teve nos últimos tempos. Aliás, nada é por acaso. Quando recebo a triste notícia, nessa mesma altura estava trabalhar esta música e foi por isso que dei o nome Magas. Depois falei com o Moullinex para “abrilhantar” a parte melódica.

E eu sei que esta pergunta pode ser chata – e não precisas de responder se não quiseres. Mas de que forma é que vês o teu papel naquilo que foi o desenvolvimento da música em Portugal?
Falar de mim é um pouco estranho, deixo essa leitura para as pessoas. Claro que há uma geração mais recente que não deve estar tão a par, mas a maior parte das pessoas sabe o meu percurso.

Obviamente reconheço o papel que tive e que tenho na música eletrónica e na noite em Portugal. O que posso dizer, e sem qualquer arrogância, é que fui o primeiro DJ a internacionalizar-se no país. E talvez o único a ter uma música em número 1 no top da Billboard Dance Chart, nos Estados Unidos da América. Com 42 anos de carreira, continuo a fazer o que faço com a mesma vontade desde o inicio.

Em vez de falar de ti, vamos olhar para os outros. Ao longo da vida – ainda recentemente, curiosamente, estiveste com o Todd Terry e tudo – estiveste com imensas pessoas da música de dança. Como é conviver com elas? Certamente foi uma aprendizagem com algumas, suponho.
Sim, claro, aprendemos uns com os outros. O que é mágico é que cada um de nós, de países diferentes, temos um estilo próprio, uma forma única de trabalhar, técnicas distintas, e compartilhamos as músicas que descobrimos. Ou simplesmente falamos sobre a música atual e o que está a acontecer hoje em dia. É assim que aprendemos e compartilhamos. Trata-se de expandir o nosso conhecimento.

Além de ser autodidata, aprendi muito lá fora, quando viajava. Lembro-me, por exemplo, de 1996: viajava para Nova Iorque para gravar em estúdio na Broadway com Danny Tenaglia, assistir a uma sessão do Angel Moraes ou gravar em Washington com Deep Dish. São momentos que marcam, são momentos de aprendizagem. Estava no núcleo da música de dança. Mas continuo a aprender todos os dias.

Também te tens juntado a malta mais nova. Há uns tempos lançaste com os David From Scotland, que por acaso são daqui de perto. Também já estiveste com o Fragoso e tudo. É malta mais nova, mas acredito também que te dê alguma força e mais vontade ao estar com elas. Como são esses momentos?
A partilha, o diálogo e o trabalho em conjunto, independentemente da idade, criam uma dinâmica positiva. A colaboração promove uma “troca” intergeracional que reforça a inspiração mútua. As duas gerações têm as suas diferentes sensibilidades e influências culturais, trabalhar em conjunto cria uma música mais diversificada. Falámos anteriormente de aprendizagem e este é também um exemplo.

Este tipo de intercâmbio permite que as gerações se compreendam melhor e se enriqueçam mutuamente com um clima de respeito e inspiração mútuos. E todos nós precisamos disto no nosso sector para apoiar a coesão cultural. A idade não importa, a criatividade sim.

Durante a pandemia, fiz vários streamings dedicados, entre outros, à música eletrónica portuguesa, e passei a pesquisar e interessar-me mais pelo que estava acontecer no nosso país em termos de produção e sobretudo pela nova geração. A partir daí, descobri novos talentos, tocava as músicas deles, era uma forma para mim de os apoiar e para os mostrar ao público.

Foi aí que descobri o álbum dos David From Scotland. Gostei imenso porque achei completamente fora da caixa, então usei uma música deles num dos streamings que fiz. Fiquei curioso para saber quem eram, e mais tarde falamos e surgiu a ideia de fazer uma remistura. Estive com eles uma só vez aí no Porto. A comunicação foi, na maior parte do tempo, à distância, por telefone.

Com o Fragoso também tem sido à distância. Além disso, estamos neste momento a trabalhar aqui num segundo single. Quando não estamos na mesma cidade, torna-se mais difícil e, às vezes, é a sincronização das agendas.

Fizeste esta série de vídeos, mas suponho que seja comum para ti estar atento àquilo que vai sendo feito por cá.
Sim, e ainda mais durante o período em que estávamos em casa pois tinha mais tempo. Na verdade, vocês foram um dos canais onde descobri algumas novidades. Vocês estão realmente presentes no terreno e é daí que essas descobertas surgem. São lugares menos óbvios, mais discretos. Não digo que sejam escondidos, mas menos evidentes, visíveis.

Com menos atenção por parte da imprensa.
Sim, exatamente. É ótimo descobrir coisas novas e às vezes somos realmente surpreendidos. No entanto, há um problema: a maior parte do que vemos e lemos nos meios de comunicação — seja na TV, rádio ou imprensa escrita — é sobre artistas estrangeiros e nacionais, mas música comercial. E, por vezes, há talento português no meio, mas não sabemos que o são. Há muitas pessoas que estão a tentar fazer algo novo, e outras que já são muito boas e deveriam estar num nível superior, mas não estão. Não sei exatamente porquê, mas percebo e vejo essa falta de reconhecimento e visibilidade.

Talvez seja porque a música eletrónica ainda não é realmente valorizada no nosso país, infelizmente. Não a veem como música, nem como uma forma de criatividade sensorial. E, quando se trata de DJs, é ainda menos reconhecida… Lamento mesmo… sobretudo com a nossa história.

Voltando ao “Frequências”: foi lançado pela tua nova V-Records, não é? Como é que se deu isso e quais são os planos para esse selo?
Tudo começou quando estou pronto e quero lançar o disco. E o que é que eu faço? Procurei editoras e distribuidoras em Portugal que pudessem estar interessadas no meu primeiro álbum próprio. A conclusão? A SONY Music. Entrei em contacto, enviei e-mails para solicitar uma reunião, mas nunca obtive resposta. Até hoje.

Obviamente, dou algum tempo para ter um feedback, até porque numa das alturas o A&R não estava cá, estava num meeting internacional. Quando veio, já estava de férias ou estava doente, ou já não podia. Às tantas percebi também que já não valia a pena continuar insistir.

Senti uma forma de desvalorização, e sem ter qualquer curiosidade ou tempo para reunir e ouvir falar sobre o projeto, que é algo diferente do que podem pensar de mim. Como vês, mesmo com 42 anos de carreira e com o meu percurso, não é fácil no nosso país. Pergunto: um preconceito? Falta de curiosidade?

Voltando ao assunto, isso fez com que o disco tivesse algum atraso na edição porque queria mesmo começar o lançamento com um vinil. Para não perder mais tempo, dei-lhe um nome para lançar o projeto. O objetivo é oficializar a editora. Há outros projetos e à partida é para ficar.

Apesar do facto de as pessoas poderem agora descarregar e fazer as suas próprias playlists, eu queria desafiar esse hábito de consumir música de forma individual e fragmentada. Para o meu primeiro álbum, decidi lançar primeiro uma versão em disco, como se fazia antigamente, para criar um efeito surpresa e permitir que as pessoas descobrissem as músicas sem conhecê-las todas de antemão. O objetivo foi valorizar o trabalho de produção e incentivar o público a retomar o hábito de apreciar o álbum como um todo, dedicar tempo para entender a história do princípio ao fim, assim como se faz ao comprar um livro ou apreciar uma obra de arte. A música e os álbuns merecem ser apreciados como tal. Um álbum é como um cenário, cria-se uma história, uma viagem.

Mas em breve vai sair no digital e com surpresas. Versões também mais de club e uma ou outra versão que também não está no álbum.

Tocaste nos problemas do país. Como olhas para a nossa cena de música hoje em dia, se calhar até comparando com outros anos?
Vejo uma grande oferta musical, o que pode estar relacionado com o aumento do número de pessoas envolvidas no setor em comparação com quando comecei.

Em relação às festas ou eventos, são muitos. Sem falar de festivais, que não eram tão comuns, mas depois da pandemia tornaram-se uma forma de curtir a música. Já não é tanto como antes, ir a discotecas. No entanto, nem todos os eventos estão lotados devidos à vasta oferta existente. Além disso, há um fenómeno crescente de artistas ou promotores estrangeiros a realizar coisas por aqui e podem prejudicar os próprios locais. No norte, isso não é tão evidente, mas, em Lisboa e arredores, há uma grande movimentação.

Pois, festivais internacionais e tudo.
Sim, mas muitas vezes não se trata apenas de festivais, mas sim de eventos pontuais e grandes produções. É um nível diferente. Muitas dessas iniciativas são realizadas por estrangeiros, e talvez poderíamos estar mais envolvidos nesse tipo de evento ou ver mais DJs portugueses. É o mínimo! Muitas coisas estão a ser feitas por eles e isso pode deixar a nossa cena um pouco atrás. Indiretamente, estamos a desvalorizar o nosso talento.

Mas se olhasses para o passado, início do milénio talvez, alguma coisa de que tenhas saudade nesse sentido?
Talvez os telemóveis sejam parte da questão [risos]. Brincadeiras à parte, na época não havia telemóveis na pista e isso era interessante. Eu sou um pouco suspeito pois gosto de fazer com que as pessoas aproveitem o momento, sem me preocupar tanto com grandes cenários para vídeos. Sou old school e prefiro manter as coisas o mais abstratas possível, com tudo focado no que sai das colunas.

Não me posso queixar muito, mas vejo que hoje em dia há um lado mais comercial a ganhar destaque. É uma nova maneira de estar, uma nova maneira de sair.

O público precisa entender que, quando tocamos, não se trata apenas de passar músicas uma atrás da outra sem motivo. Um set evolui, cria uma jornada durante a nossa apresentação e há um sentido em todo o encadeamento das músicas.

Mas é também difícil devido às pressões das redes sociais pois precisamos mostrar ou ser mostrados pelo trabalho que fazemos…

Também não és apocalíptico nesse sentido. Eu nasci em 93 e por isso, como é óbvio, não apanhei muito do que foram os anos 90 e o início do milénio, mas mesmo a nível de sonoridade também fomos vendo algumas alterações.
Sim. Apareceram sonoridades muito interessantes. Estamos aqui também num ciclo de revival dos anos 90 outra vez. São fases, como na moda, apesar de haver algumas modas que vão ficando até mais tempo. Agora temos o hard techno, há aí um movimento dos 140 para cima. Há mercado e, desde que haja gente para tudo e a malta se divirta, isso é que é importante.

Olhando também para trás, falaste há pouco da altura em que viveste aqui no Porto. Há algum momento ou clube que recordes com um especial carinho? Ou alguma altura, talvez?
Há sempre. Não posso destacar um. Por acaso, tenho bons momentos em vários clubes. Então nos anos 90, no Porto, houve vários, de vários géneros, para vários tipos de público, e todos eles com coisas boas. Há Vaticano, Pacha, Voices, Maré Alta, Indústria Cerveira, Rocks e Swing, que foi a primeira discoteca onde toquei no Porto, estávamos em 1987. Todos me marcaram.

É fixe ver que não te importas com a mudança.
Sim. Não pode ser o contrário, não dá para parar. Eu gosto de ver, gosto desse desafio. É isso também que me faz estar sempre curioso e desperto para continuar. Na parte da produção, então, é algo incrível.

E mesmo enquanto DJ, também tens de estar atento a tudo.
Claro, continuo a ouvir todos os dias uma variedade de músicas e a tentar entender as tendências. No entanto, as opções musicais são outra conversa… Mas, obviamente, estou ciente do que está acontecer. Nesse sentido, também gosto de ver o que está surgir de novo. É interessante ver jovens de 20 anos a criar músicas com abordagens inovadoras, desde o set-up até à produção, utilizar fórmulas diferentes. Isso pode levar a bons resultados às vezes, e outras vezes nem tanto. É fascinante acompanhar esse movimento e as novas fórmulas de fazer música.

E até para ti, por exemplo, a nível de produção, quais são as diferenças ou mudanças que vês, por exemplo, dos tempos de Underground Sound of Lisbon para hoje? Olhando mesmo para a produção e para a maquinaria, coisas que tens e que antes não tinhas, talvez.
É completamente diferente. Tu hoje consegues manusear tudo ao milímetro. É incrível. As ferramentas que tens, o power que elas te dão. É desafiante porque depois começas também a tratar de sound design. Eu gosto muito disso. Gosto da programação, mas gosto também da mistura de sonoridades, criar vários ambientes, ou criar ambientes com essas misturas de sonoridades.

Eu lembro-me de, na altura dos Underground Sound of Lisbon, chegarmos a um período em que entre as 17h e 18h tínhamos de parar de gravar porque havia uma oscilação de eletricidade na rua, onde o Rui da Silva vivia, que dava cabo do sincronismo do MIDI. E o MIDI, como sabes, sincronizava tudo o que era maquinaria com o computador. Logo, se perdíamos o sincronismo, não dava. Naquela altura, estávamos ali e pensávamos: olha, temos de parar porque a malta chegou a casa, está tudo a fazer o jantar. Começavam as oscilações elétricas e tínhamos de parar. Hoje, isso não existe. Hoje é um mundo completamente novo, como novos materiais, novas condições.

Vocês no ano passado voltaram aos palcos como LX-90. Como foi esse regresso? Como se deu tudo?
Isso foi uma maluqueira, no bom sentido da palavra. O Paulo Gonçalves vem a Lisboa – ele vive em Londres – e falou com a banda. Entretanto, eles tinham feito uma música e ele depois veio ter comigo e disse-me que estava a pensar em juntar os LX outra vez, fazer músicas novas e que gostava de me convidar. Na altura, fiquei um bocadinho reticente. Mas fui ouvir a música, fiz uma remistura, e quis perceber o que era em concreto para se fazer.

Entretanto, surge a situação de podermos tocar no Super Bock Super Rock. Portanto, toda aquela ideia inicial de fazer música nova passou um bocadinho para plano secundário porque havia esta possibilidade de tocar no Super Bock. E assim foi. Posso dizer que foi super nostálgico.

Na altura, esta experiência de entrar numa banda durante um ano foi muito interessante, uma mais valia no meu percurso, gravar aqui em Lisboa, com engenheiro e produtor inglês. Foi muito bom. Voltar agora, passado mais de 20 anos, com toda esta tecnologia, o mais difícil foi realmente reunir a livraria de samples que estava no disco para poder refazer tudo. Fizemos algumas músicas também, demos um ajuste, uns arranjos novos para o concerto. Fizemos o concerto, correu-nos muito bem, foi muito fixe, curtimos todos.

Fiquei com pena de não termos tido mais gente; foi um slot complicado, muito tarde à noite, devia ter sido ao final do dia para o género de estilo de música da banda. Também enfrentamos um problema com o som pois o palco da frente estava virado de frente para o nosso, o que causou um conflito de áudio e um ruído constante do lado de lá, o que foi um pouco irritante para nós. Até a Róisín Murphy, que atuou antes de nós, decidiu atrasar a entrada e esperar que o artista acabasse no outro palco… Talvez para quem estava na frente não tenha sido tão perceptível, mas para nós foi um problema. Fora isso, foi uma experiência ótima. Não sei se haverá mais edições dos LX, vamos ver.

Por agora, foi só aquele momento.
Sim, acho difícil. Cada um está com projetos paralelos. O Paulo mora em Londres, o que complica um pouco a questão das agendas. Já não temos 20 anos para brincar às bandas. Precisamos estar mais focados e ter um estilo de vida diferente, com rotinas distintas. Pode ser que aconteça, pode ser que não, não sei.

Talvez algumas pessoas não saibam, mas há uns tempos também tiveste um projeto chamado ANTOS. Tens trabalhado noutras coisas além de Vibe?
Para relembrar, em 2020, criei esse alter-ego ANTOS. Uma nova e outra abordagem com um novo universo, um novo ritmo de indie, deep dance, estilo psicadélico. Este novo projeto começou com um primeiro EP “Salve”, na Do Not Sit On the Furniture, do Dj Behrouz, surgiram mais e, entre outros, o EP com o Magupi na Ohxala Records. Como ANTOS, o trabalho continua, sim, e tenho um single novo a caminho, mas, como sempre, é preciso focar numa coisa de cada vez.

Tenho outro outro projeto, mas não vou entrar em muitos detalhes por enquanto… É um novo projeto, pode dar uma outra conversa daqui a uns meses. É algo completamente diferente do que fiz até hoje, algo que nunca foi feito antes. Já trabalhei em algo semelhante, mas nada como este.

Obrigado por esta conversa. Queria perguntar, em jeito de conclusão, tendo em conta DJ Vibe e o “Frequências”, se há alguns planos alinhados para os próximos tempos.
Daqui a uns dias vai acontecer a nova edição da festa “The Annual DJ Vibe Beach Party”, no Algarve, uma tradição que existe há mais de 10 anos. Antigamente era no Caniço, mas agora é na Praia do Castelo, em Albufeira.

Enquanto DJ Vibe, estou sempre gravar e, como mencionei, em breve teremos a parte dois do álbum em versão digital, com músicas exclusivas. Também estou envolvido em algumas colaborações, mas ainda não têm data de lançamento definida.

Agora vou fazer uma pausa de estúdio para descansar um bocadinho, não gosto de estar a sentir-me muito intenso. Tenho de estar completamente à vontade e tranquilo para produzir. Os últimos meses foram a mil.

Mas a nível de motivação sentes-te sempre motivado.
Sim, a questão da motivação é diária. Às vezes estou relaxado e algo desperta uma ideia; então, corro para o estúdio sem perceber e já estou a criar algo.

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