AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

Chee Shimizu: nem todo o dj seleciona eletrónica

4 Julho, 2018 - 12:39

No último dia de junho, Chee Shimizu esteve na Openbox, no Porto, para uma sessão de escolhas musicais. A Cabine esteve lá para o ouvir e para fazer algumas perguntas.

Chegar à Openbox, no Porto, é chegar a um espaço calmo e convidativo. O terraço, em plena Rua de Miguel Bombarda, é servido por mesas, natureza e um jardim nas traseiras do bar, local ideal para receber aquilo que Chee Shimizu tem para oferecer.

O evento, uma listening session, foi organizado pela Aventuras em Movimento, numa série chamada Japanesque. Desta vez, era o japonês Chee Shimizu, dono da loja de discos Organic Music, o responsável por deleitar o público com uma vasta seleção musical. Mas nada disto significa que as sonoridades que se escutaram eram necessariamente japonesas.

A organização tem uma relação próxima com o Japão, e esta é a segunda vez que trazem Chee Shimizu até ao Porto – a primeira foi em 2012. O colecionador nipónico está atualmente em digressão europeia, tendo passado por Suíça, Israel, Reino Unido e Espanha antes de chegar a Portugal.

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Segundo Miguel Guedes, organizador do evento e responsável pela Aventuras em Movimento, o grande objetivo é a divulgação de música e o conforto ao público. Não apenas no que diz respeito ao espaço, mas também do próprio sistema de som. “Hoje, fica-se com os ouvidos feridos ao sair à noite”, diz-nos.

Estes eventos procuram ser uma “sessão de audição” para pessoas que querem fugir ao “techno ou house”, daí os esforços que são feitos. O japonês presenteou-nos, entre as 15h e as 21h, com um vasto leque de música: de brasileira (Gal Costa com Tenda) o espanhol (Joan Bibiloni em Sa Fosca), a passar por temas mais antigos e outros mais recentes (Thundercat com Them Changes).

Foram seis horas de excelentes escolhas, muitas vezes de músicas desconhecidas – pelo menos para nós. O sistema de som vintage e de alta-fidelidade com aplicação a válvulas da ex-União Soviética, incluindo umas Kenwood de modelo KL, acompanhava-nos à medida que líamos nomes portugueses como Lena D’Água ou Ban no livro Obscure Sound de Shimizu. Pelo final da sessão, o público já estava completamente enfeitiçado pelas escolhas. Quando Forever in My Life de Prince começou a girar pelas 18h30, notou-se uma clara movimentação: todos queriam dançar diante do japonês.

Chee Shimizu é um dos mais respeitados diggers e conhecedores de música do seu país, e tem uma forte ligação com projetos como a Red Light Records ou a Music From Memory, além da sua Japanism. Já reeditou bandas japonesas como Aragon, além de ser responsável por um programa mensal na NTS London.

Lê abaixo a nossa conversa com Chee Shimizu, realizada no bar da Openbox. À mesa estávamos nós, o Miguel Guedes da organização, o japonês e a sua mulher Kanako.

Como tens aproveitado Portugal até à data?
Lembro-me um pouco da última vez que cá vim. Foi há quase sete anos quando o Miguel [organizador] me convidou. Gosto imenso. Tanto a natureza como a cidade [Porto] são muito boas – a cidade velha é linda –, assim como a comida.

O quão diferente é da tua terra natal?
Nasci em Tóquio, mas mudei-me muito novo para a terra do meu pai, Nagano, uma zona muito mais montanhosa. Quando fiz 18 anos, voltei para Tóquio. Quando eu era novo, tinha muita energia e queria fazer coisas, por isso não achava muito interessante esse lado do campo. Sempre fui a Tóquio, e sempre quis estar lá. Nas férias de verão, ia lá para comprar discos, por exemplo. Mas, hoje em dia, já gosto muito mais desse lado do campo.

Achas que isso influenciou os teus gostos pessoais?
Talvez. Tóquio é cheio de movimento e de gente. Se fores apanhar o comboio de manhã, está cheio – isso é Tóquio. Mas gosto da vida em Tóquio, posso estar lá e sentir as mesmas vibrações da natureza: basta ouvir a música ideal.

Pois, realmente tenho a ideia de que Tóquio não só está cheio de movimento, mas também de tecnologia. Como é que o teu interesse se mantém pela procura do que é mais antigo e raro?
Sou dj há cerca de 25 anos. No início, era dj de techno, então eu gostava muito de techno e outro tipo de música eletrónica. Mais tarde, andei a aventurar-me pelo house, disco, italo disco… Acho que foi há cerca de 12 anos que o dono do Shelter me convidou para tocar lá numa sexta à noite. Disse-me para tocar o que eu quisesse, não só dance music. Levei discos progressivos, música de meditação, jazz… Bem, levei o que eu gosto. Ele tinha um sistema de som Hi-Fi espetacular, e foi uma experiência incrível. A minha visão mudou completamente nesse momento. Foi aí que comecei a comprar outros discos, mais naturais… Continuei a ouvir, e ainda ouço, muita música eletrónica, mas esse momento abriu-me completamente a mente.

O dono do Shelter disse para selecionares o que quisesses… Como foi a reação do público?
Bem, estavam só umas cinco ou seis pessoas (risos). As pessoas estavam sentadas num sofá em frente ao sistema de som. Apenas a ouvir. Uma escuta super profunda. Eu próprio me cheguei a sentar no sofá para ouvir. Depois disso, perguntei ao dono se podia continuar a fazer este tipo de festas. Foi aí que comecei, há uns 11 anos. Continuo a tocar lá, duas vezes por mês.

Miguel Guedes: E há mais pessoas a ir?
Às vezes sim, outras não. Perguntei ao proprietário se ele se importava que eu continuasse apesar de às vezes não aparecer muita gente, e ele respondeu-me que, como gosta do que eu faço e da música que escolho, íamos continuar a fazê-lo. Esta cena de pessoas que vêm apenas “ouvir” em Tóquio é muito pequena, mas isso não é impedimento.

Mas a cena clubbing é muito forte, não é?
Sim, sim, muito forte. É claro que às vezes toco em clubes grandes, e claro que escolho algumas coisas mais dançáveis, mas o meu interesse está em sessões profundas de escuta. Há excelentes casas para o fazer e que têm as condições necessárias, não é só o Shelter que as oferece. Agora há djs mais novos – não tão novos, mas para mim são porque têm à volta de 30 e 35 anos – que me têm “seguido” e estão a entrar nisto do “listening dj”. Em Tóquio – não só em Tóquio, no Japão também – há muitos djs que estão a entrar nisto.

MG: Porque há por lá muitas casas que permitem isso, não?
Sim, especialmente em Tóquio, apesar de alguns espaços serem pequenos. Mas podemos tocar o que quisermos lá.

Como é que vês o interesse deste lado do mundo por outro tipo de sonoridades? É, e tem sido, comum ir à procura do que é novo, dos grandes nomes que vão aos grandes festivais… Mas mais recentemente, tem mudado um pouco…
Sim. Desta vez, aqui na Europa, já atuei em quatro sítios antes do Porto: Suiça, Tel Aviv, Londres e Barcelona. Também sou dj, claro, mas o meu foco são as “listening parties”. Os organizadores sabem disso e sempre foi muito difícil fazer este tipo de festas, mas agora tem sido mais fácil. Em Londres, por exemplo, no Giant Steps, alguém me convidou para ir tocar a um restaurante no ano passado. Fui lá passar música, mas custou-me um pouco porque toda as pessoas estavam a falar alto. Tive de aumentar o volume, e, no fim, o dono disse-me que seria melhor fazer algo mais “deep” da próxima. Preparou um sistema de som melhor, e tive a ajuda material feito à mão, como o mixer ou o sistema de som…

… essa é uma das tuas grandes preocupações? A qualidade do som, do equipamento…
Sim, para mim isso é muito importante quando escolho música.

Dizem que levaste o italo disco, por exemplo, até ao Japão. O que trazes até à Europa?
Trouxe alguns discos de Londres. Tenho a minha loja e a maior parte dos discos são para trocar, e então peguei nuns 15 discos japoneses para trocar com amigos de outras lojas. Por isso troquei por coisas novas, e é grande parte disso que vou mostrar.

És conhecido pela Japanism, pela tua loja Organic Music… Como têm sido os últimos tempos?
Hoje em dia é muito difícil encontrar os discos certos ao preço certo. Comecei a minha loja há cerca de 10 anos. Tenho uma boa relação de trocas na Europa, como na Alemanha ou na Holanda, e têm o mesmo sentimento do que eu no que diz respeito a trading. Vamos muito à procura. Na Alemanha, por exemplo, encontra-se muito boa música que nunca conheci. Coisas como fusion dos anos 80 e outro tipo de música eletrónica por 5, 6€. É como um paraíso para nós. Simplesmente ponho o disco a tocar e, se é bom, fico com ele. Com o meu amigo da Red Light Records e da Music From Memory, se calhar conheces…

Sim, tens estado com ele?
Sim, [o Tako Reyenga] é um velho amigo. Começou a loja e a editora para tentar levar boa música às pessoas. As pessoas começaram a mostrar interesse por estas músicas do mundo, então também vão à procura. Muitas pessoas já sabem o que é bom, e por isso agora é muito difícil encontrar este tipo de música. Por isso, procuro sempre música diferente. Acredito que seja necessário ter uma mente aberta, mesmo que se trate de música pop.

Então pegas num disco, ouves, e se gostares compras?
Sim, só quero conhecer boa música. Não quero saber de géneros.

Já fizeste digging por Portugal?
Desta vez, não, mas da última vez sim.

Estás a par de boa música portuguesa?
Sim, o Miguel Guedes trouxe-me um grande disco. No meu livro Obscure Sound tem alguma música portuguesa. Tem lá um guitarrista que gostei muito.

E em Portugal, usaste o mesmo processo de que falaste há pouco? Ouvir e, se despertar interesse, comprar?
Sim.

Que memórias tens destas músicas? Talvez as guitarras?
Sim, sim. Lembro-me muito bem do trabalho do guitarrista que tem uma capa do Porto [Rui Veloso – Fora de Moda (1983)]. É um dos meus discos portugueses favoritos. E já estive na mesma paisagem que aparece na capa.

Não quero gastar mais do teu tempo. Para finalizar: parece que, hoje em dia, os djs só procuram os grandes hits, os mixes poderosos e cheios de efeitos. O que é para ti esta arte?
Eu ainda faço esse lado “mais dj” de vez em quando, e ainda gosto de fazer as pessoas dançar. Mas, nestes casos, quero ouvir a música do início ao fim. Ouço as vibes que se fazem sentir e quero criar uma história. Claro que no “beat-mixing” também acontece, mas sinto que isto é mais freestyle. Se estou a acabar um disco e quero ouvir uma voz de mulher, escolho um disco com uma.

É isso que te inspira?
Sim, mas… há tantas coisas… acho que fui influenciado por imensas coisas… Por exemplo, ainda gosto de música mais club e do público de mãos no ar. Até esses djs me inspiram enquanto um. Especialmente quando conheci um dj em Itália, Daniele Baldelli. É uma lenda italiana. Começou a tocar nos anos 70 e ainda o faz. É música de dança, mas ele toca qualquer tipo de música. Brinca com os pitches e é muito criativo. Foi uma inspiração para mim porque percebi que também podia fazer esse tipo de djing. Posso tocar o que eu quiser.

Até fui comprar discos mais de dança, mas há tantos LPs com sete ou oito faixas que certas vezes não têm beat. E se eu os quiser tocar numa listening session, posso. Estas sessões podem ser difíceis de compreender no início, todas as pessoas ficam paradas a ouvir… Mas é algo muito aberto, dá para falar, beber… e dançar.


Fotografia por André Teixeira

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