AUTOR

Rui Castro

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Entrevista

Riot: “Já faço drum’n’bass há tantos anos que já dei montes de voltas diferentes”

29 Março, 2019 - 12:15

Passado e presente na produção, criação artística e até culinária foram alguns dos motes para a conversa que tivemos com Riot, a propósito do lançamento de Speedball EP.

Rui Pité é maioritariamente conhecido pelo trabalho que desenvolveu como membro dos Buraka Som Sistema, grupo que esteve nos primórdios de uma sonoridade que se viria a catalogar como “o som de Lisboa”, cruzando ritmos africanos do kuduro com a eletrónica da cultura rave. Esta constante procura por algo diferente, que, conjugado com a mescla de influências musicais do grupo, levou à criação do zouk bass, um subgénero totalmente inovador que funde o zouk das Antilhas ao kizomba de África.

E foi aqui que todo o background de Riot na cena bass entrou em jogo. O produtor e músico de Lisboa tem uma longa história associada à bass music em Portugal. Pertenceu ao mais antigo coletivo nacional de jungle/drum’n’bass, os Cooltrain Crew, e foi o fundador da primeira editora portuguesa dedicada a este género, a Faster Music. Após colaborações com Mikal na Metalheadz, e vários EPs a solo em editoras como a Enchufada ou a Skalator Music, Riot regressa uma vez mais às origens para editar Speedball pela editora portuense Counterpoint. Um EP inteiramente dedicado ao drum’n’bass, com três faixas de setas apontadas à pista.

Lê a entrevista abaixo.

Rui Castro: Como é que descreves a tua sonoridade, para quem não te conhece?
Riot: Eu tenho algum problema com subgéneros, não consigo promover-me como um artista de neuro, de liquid ou de outra coisa. Eu passo de tudo nos meus sets, e aquilo que me atraiu para o drum and bass em primeiro lugar foi precisamente a variedade de sons que os djs passavam na altura, desde o mais pesado ao mais leve. Em termos de produção, acho que tento sempre ver influências techno ou um pouco mais neuro, mas sempre experimental. Apesar de ter alguns temas mega simples, gosto sempre de ter dois ou três temas mais fora da caixa. Gosto de me sentir multifacetado e multigéneros.

Agregas muitas das tuas influências e aplicas naquilo que fazes, certo?
É isso. Uma das coisas que faço quando começo a produzir uma faixa é abrir sample packs e cenas que nada têm a ver com dnb.

A propósito disso, qual é o método de produção que usas em estúdio? o
Vivo muito do sampling. O sampling e o resampling continua a fazer muito sentido no dnb. Acho que foi o Friction quem meteu um post há pouco tempo no Twitter a dizer algo do tipo “desculpem mas dnb sem sampling não dá”. Eu percebo o que ele quis dizer e acho que há artistas que, não descurando o imenso talento que têm, mas o som deles soa muito digital, limpo demais, uma cena que para os cotas como nós faz um bocado de impressão. Mas acho que isso tem a ver com a idade e com a experiência de vida diferente. Não é para melhor ou pior, é apenas diferente. Uma das coisas que aprendi logo foi que um mau sample vai ser sempre um mau sample, não consegues pô-lo bonito. E isso é uma das coisas em que as pessoas perdem muito tempo. Começo muito por sampling, trabalho com o QBass 10, e abro sempre o meu preset, o meu template pronto para começar a produzir. E trabalho muito com addictive drums. Portanto, começo pelos drums, quase sempre, depois procuro um sample que me inspire e vou por aí.

A partir daí deixas o flow correr?
Sim, e nunca consigo fazer aquilo que quero. Se vou a pensar em fazer uma faixa mega calma, sai uma faixa mega hardcore. E vice-versa. Como trabalho muito com sampling, às vezes basta trocar o sample de um lado para o outro e o groove fica mais fixe. Se assim for, é por ai que vou. Borrifo logo na ideia inicial.

E tinhas algum conceito previamente idealizado para este EP, o Speedball, ou esta sonoridade de influências sci-fi/futuristas surgiu naturalmente?
Não, a questão é que cada artista tem uma visão própria do seu trabalho. Às vezes não encaixa na visão que as pessoas que estão de fora têm. Mas uma das coisas que mais me inspira é a ficção científica. Aliás, muitas vezes sou mais inspirado por filmes do que propriamente por músicas. Este EP tem faixas com alguns samples de filmes de ficção científica… provavelmente até as fiz a ver uma série ou um filme qualquer (risos). Tenho sempre uma TV ao lado enquanto estou a produzir, porque sou muito inspirado por imagens. A estética e o visual influenciam-me muito. Então é mais por aí, identifico-me com qualquer trabalho gráfico que tenha a ver com isso. Nesse sentido, se calhar a minha música tem um pouco disso também. Pelo menos é a minha visão da coisa.

“Assim como o bombo é rei no kuduro, no house e afins, no dnb a tarola é rainha”, conta-nos Riot.

E como é que surgiu esta colaboração com a Counterpoint?
‘Opá’, em Portugal, conhecendo minimamente as labels que existem, a Counterpoint está lá em cima. Lá em cima porque está literalmente lá em cima, no norte (risos). Mas também está lá em cima no topo das melhores labels em Portugal.

Também não há muitas, pelo menos no dnb…
Mas também não é preciso porque somos um país pequeno e estar a dividir em 30000 labels ia ser um bocado contraproducente. Isso aconteceu com os coletivos e com as festas. Num país de 11 milhões, que fazemos música mega alternativa, é muito complicado estar a dividir o mal pelas aldeias. Acho que o pessoal devia era de se juntar mais.

Concordo. Muitas vezes há uma batalha de egos que não leva a lado nenhum…
Não, só se perde. Relativamente à Counterpoint, o Martim (fundador e CEO) fez-me o convite e eu aceitei logo de início, até porque era algo que queria fazer já há algum tempo. Já tinha até falado com o Mikal sobre isso porque ele achou piada a uma label do Porto ter falado com ele e de terem trabalhado juntos. Eu como trabalho com ele, foi engraçado. Fechamos assim um ciclo e quem sabe até editamos uma malha ou outra de Riot e Mikal por aí.

Seria uma boa ideia! E em que medida é que este trabalho difere dos anteriores?
Este é possivelmente o mais neuro de todos até agora. Foge um bocado ao deep da Counterpoint, mas tem um quê de experimentação da minha parte que até então não tinha explorado. No EP que lancei pela Skalator Music dei muitos props às influências que tenho do Photek, Break e coisas do género, e aqui fui por outro lado. Fui mesmo tentar não pensar em artistas, tentar não pensar em géneros e por isso é que o Speedball saiu como saiu. Estava à procura de um tema que fosse um pouco diferente dos beats que tenho andado a passar, e foi o Speedball que serviu de base ao resto do EP.

De facto, ao ouvir o EP, denota-se uma onda mais corrida, mais roller do que estamos a ouvir da tua parte. E, tirando no single, não tem assim tantas influências do zouk bass…
Sim, é para começar a habituar o pessoal (risos). Já faço dnb há tantos anos que já dei montes de voltas diferentes, mas sinto que agora estou a encontrar um caminho que consigo dizer que estas 5/6 faixas são muito diferentes, mas têm todas o meu cunho. Acho que é difícil fazer isso no dnb com personalidade. Há artistas que conseguem fazer isso muito rapidamente, mas soa tudo muito igual. Parece que abriram todos o mesmo projeto e só usaram o som do baixo.

Hoje em dia também sinto muito isso, ouço bastantes faixas distintas de dnb e muitas delas parece que foram feitas pelo mesmo artista. O que é estranho.
‘Epá’, sabes porquê? Um gajo encontra uma tarola e pensa “esta tarola soa bem e então não vou mexer”. Eu não consigo fazer isso.

Exato. Por exemplo, houve aí uma altura em que parecia que todos usam a “tarola à Mefjus”, e era quase tudo igual…
‘Epá’, não consigo. Aliás, para mim, assim como bombo é rei no kuduro, no house e afins, no d’n’b a tarola é rainha. E quem estiver limitado a uma tarola durante 6 músicas, vai tudo soar ao mesmo. Não tem a mesma personalidade, na minha opinião. Nem me inspira tanto, enquanto baterista isso nem sequer me vai puxar. A tarola à Mefjus achei piada quando apareceu exatamente por ser novo e fresco. Agora pronto, siga para bingo.

Dizias há pouco que já estas na cena bass em Portugal há muitos anos. Quais é que são as principais diferenças entre esses tempos em que começaste e atualmente?
Eu comecei a produzir há muitos anos. Estamos a falar de 1997, e depois coisas que não me envergonhassem, por volta de 1998, 1999. E então nessa altura reparei que como vinha do background de músico de garagem, que é uma coisa que já não existe muito hoje em dia, aprendi a montar uma bateria, a ligar os amplificadores, aprendes como funciona tudo e a escola é diferente. Agora, quando começas a produzir no quarto, se calhar falta aí alguma escola que tens de ir buscar a outro lado. E vais. Só que na altura não havia YouTube, então o bedroom producer espetava um bocado lixado porque tinha de aprender da pior maneira, ou seja, tinha de tentar procurar informação a partir do quarto dele. Conseguia avançar mas muito devagar. Então o que eu reparei, desses tempos para os atuais, é que atualmente tens muito melhores produtores em Portugal do que tinhas na altura. Tens pessoas a conseguir editar lá fora com uma qualidade igualzinha a qualquer neozelandês, finlandês, espanhol, etc. Antigamente enviavam-me demos que eu nem sabia o que devia de dizer às pessoas. Porque tu ouvias e pensavas “’epá’, falta-te tanto para conseguires”. Percebes? Mas não queria estar a deitar abaixo porque queria que ele continuasse para haver mais pessoas a produzir.

Mas isso acontecia porque vocês não tinham tantos recursos como atualmente?
Sim, e isto pode ser um cliché mas a Internet veio mudar a vida de toda a gente, em todos os campos. Tens pelo menos duas gerações de putos que nem lhes passa pela cabeça não ir ao YouTube saber como se faz uma enchilada, ou uma tarola à Mefjus. No meu tempo não havia “Como fazer”, era ler livros. (risos) Lembro-me que na altura o Branko foi tirar um curso à SAE em Madrid, e mandava-me fotocópias de cenas tipo equalização e compressão de uma tarola base, captação de microfones, etc. Tinha um livrinho azul com as fotocopias, e aquilo era tipo a nossa bíblia. Estamos a falar de uma coisa académica. Isso foi ouro. Hoje em dia encontras isso até no Instagram.

Pois, antigamente, quem quisesse ser produtor, tinha mesmo de se esforçar, e ir à procura da informação. Hoje em dia estas em casa, sentado no PC, consegues encontrar tudo e aprendes a produzir muito mais rapidamente e com maior qualidade.
Sim, sem dúvida. E não vejo que isso seja mau, é otimo aliás! Conheço alguns velhos do restelo que dizem “ah pois com a papinha toda feita e tal”. ‘Epá’, não é assim que funciona.

Pois, provavelmente na altura, se tivessem os mesmos recursos, fariam o mesmo…
‘Epá’, sim. Uma vez, quando estive com os Buraka no fabric, encontrei o Thijs dos Noisia e aproveitei para lhe pedir umas dicas. E então estávamos a falar sobre os samples e ele disse “eu até te podia dar a minha pasta inteira de samples”. Mais tarde percebi o que ele quis dizer e concordei, ao ponto de dar os meus também. Não são os samples, é aquilo que consegues fazer com eles. Isto porque já vi pessoas a pegarem na minha pasta de samples e a fazerem as coisas mais atrozes. Antigamente eu guardava os samples com unhas e dentes, não dava a ninguém, era o meu tesouro. Mas hoje em dia já não é assim, vais à net e há samplepacks, presets para o massive… arranjas tudo. Por isso é que não me chateia nada que haja 400 produtores novos. Antes pelo contrário, isso é o que faz a cena crescer. Agora, desses 400 eu tenho noção que 100 vão ficar aí um tempinho; desses 100, 20 duram um bocadinho mais, e depois ficam três que pegam nas cenas e põem o cunho original deles.

Para terminar, tenho uma questão nada relacionada. Se não tivesses enveredado pela música, o que é que te imaginavas a fazer?
‘Opá’, provavelmente tinha um restaurante, ou qualquer coisa ligada à comida. Adoro cozinhar, que é uma coisa que tenho em comum com todos os Buraka. Todos os homens Buraka cozinham mais do que as mulheres em casa. É coincidência, mas é verdade (risos). Mas é porque gostamos mesmo. Felizmente a minha mulher também cozinha bem, mas é uma cena que eu gosto mesmo de fazer.

Portanto, provavelmente seria cozinheiro, dono de um restaurante ou algo do género. Ou então noutra arte qualquer, tipo teatro ou cinema. Fui ator amador dos 6 aos 18, por isso também era uma possibilidade. Tudo aquilo que eu possa criar e consumir a seguir (risos).


Direitos de imagem reservados (fotografias retiradas do Facebook do artista)

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