AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

Com o seu alter-ego, RIVAthewizard pode ser “ainda mais genuíno”

30 Julho, 2020 - 12:10

Estivemos à conversa com RIVAthewizard para saber mais sobre si e sobre o contexto do álbum de estreia “Loucura Censura”.

Quando conhecemos RIVAthewizard no ano passado, com o EP de estreia “A Cobra, A Flor, e O Vento”, já era possível ouvir um universo bem próprio. Agora, Rui Paiva lançou o primeiro álbum deste seu projeto, “Loucura Censura”, disco que comprova uma inspiração diversificada e oblíqua do portuense. O resultado é um trabalho de eletrónica pop excêntrica, viciante e singular.

“Loucura Censura”, editado este mês pela Chinfrim Discos, apresenta-se claro e descomprometido, mas é muito mais do que isso. Neste álbum, RIVAthewizard alia uma esfera sonora – que bebe tanto de synthpop como de techno – a uma componente poética – nas letras, Rui fala sobre temas como política e liberdade sexual.

Mas Rui Paiva não se fica por aqui. Tem formação em composição e música clássica, já assinou lançamentos em nome próprio e, atualmente, dedica muito do seu tempo ao trabalho nos Boom Studios, de Pedro Abrunhosa, onde atua como técnico.

Lê abaixo a nossa conversa com o músico, que fala sobre tópicos como o seu passado, o disco “Loucura Censura” e a importância de ter um alter-ego.

A tua música – diz-me se estiver errado – parece beber de várias influências, se calhar tão díspares quanto eletrónica francesa, música portuguesa… Por isso pergunto: quem é que é o Rui enquanto consumidor de música? E que influências se veem refletidas neste teu projeto?
Estás absolutamente certo, são muitas coisas em conjunto a acontecer ao mesmo tempo aí. A minha formação é música clássica. Estudei conservatório, estudei Composição na ESMAE, uma cena muito clássica. Também tenho muito uma cena de teatro musical, trabalhei como teclista e como compositor em teatro musical durante alguns anos. Mas depois também, como estás a dizer, eletrónica francesa obviamente – Daft Punk, Justice foram as minhas bandas de eletrónica quando estava a crescer. Justice mesmo, Kavinsky, obviamente…

Mas ao mesmo tempo não só nesta onda mais atual… Eu na altura, quando ainda estava na escola, era muito aquele gajo que dizia “a música antiga é que é boa, os Pink Floyd é que são bons”. Ouvia muitas coisas, como Jean-Michel Jarre, Vangelis… Portanto, a nível de sintetizadores, vou muito beber à cena – Giorgio Moroder também – dos progressivos dos anos 70 e 80. E depois tenho também uma cena muito mais pop e moderna, que vai buscar Charli XCX, Arca, a própria cena de rave e de techno.

Assim de memória, tens pelo menos o tema com o Steve, que tem um lado rave. Também é algo que te inspirou, esse mundo das raves?
O Steve é um grande amigo meu há muitos anos. A minha relação com o Steve… Nós fomo-nos acompanhando a crescer musicalmente. O Steve foi acompanhando quando eu comecei a fazer música mais no sentido profissional da coisa, entretanto também acompanhei o Steve quando ele começou a produzir, e conheço todo os trabalhos dele. Ele está sempre a pedir-me opinião e eu a ele, e gosto muito da cena porque obviamente eu tenho muito o lado de me ir divertir, de ir às festas de música eletrónica, essas coisas todas. E o Steve é um gajo que pega muito nessa estética e fá-lo e produz muito, muito bem. O gajo produz e mistura muito bem.

Entretanto, como eu quis fazer uma música nessa onda do repetitivo, dessa cena da eletrónica muito celular, muito repetitiva, lancei-lhe o desafio e fiz esta música com ele. Temos videoclip também, estou muito contente com o resultado, o feedback foi muito positivo, e acho que o Steve também, tanto que quis participar no resto do álbum. Foi ele que misturou o álbum todo.

Tu próprio referiste há pouco que tens uma formação mais clássica pela ESMAE. Se não me engano, tens também outras experiências enquanto músico. De que forma é que isto influencia ou influenciou aquilo que o RIVAthewizard representa? Sentes-te limitado ou, por outro lado, mais livre?
Limitado sentia-me ao início porque a minha formação clássica, aquilo que me fez foi formatar-me muito para querer fazer as coisas todas de um ponto de vista tecnicamente super elaborado, bem feito e isso tudo. Depois, quando comecei a interessar-me mais, especialmente pela música eletrónica do contexto de dança, de raves, de festa e assim, comecei mais a usar aquilo que aprendi no clássico não como forma de compor, digamos, mas como forma de analisar outros estilos de música. Ou seja, aquilo que eu aprendi na ESMAE de teoria foi aquilo que me permitiu ouvir Charli XCX e perceber “ah, ela aqui faz esta melodia, aqui faz esta harmonia”. O mesmo aconteceu com Arca e muitas outras coisas. E é nesse aspeto que eu acho que a minha formação clássica teve grande influência. Mas obviamente, como tu disseste e muito bem, é um conjunto de muitas influências e de muitas, acima de tudo, posturas estéticas em relação àquilo que são coisas diferentes de música, que, em conjunto, cada uma contribui da sua forma.

Agora voltando ao álbum: como é que foi o processo criativo?
Foram muitas músicas escritas em muitos contextos diferentes. Aquelas mais de eletrónica tímbrica, como a Lágrima ou a Quero Brincar Contigo, foram muito naquela coisa típica da eletrónica, de produzir às três da manhã, sozinho no quarto a fazer essa procura. Depois, por exemplo a Fuckboy, lembro-me que estava numa viagem, a fazer Porto-Lisboa no autocarro, e estava a falar com alguém sobre liberdade sexual e sobre ser ‘fuckboy’. O refrão surgiu-me na cabeça, na altura também estava a ouvir muito reggaeton, acho que se nota [risos]. Mas, no fundo, as músicas foram muito… Cada música foi um momento a nível de escrita. Depois simplesmente fui percebendo que havia muitas coisas que eram comuns, ou compatíveis, entre músicas, ao ponto de eu conseguir escrever letras que fizessem parte do álbum.

Tocaste na Fuckboy e já falaste sobre o Steve, por isso aproveito para perguntar como é que surgiu esta colaboração com o Matheus Paraízo.
O Matheus foi um pouco como com o Steve. Ele é um grande amigo meu já de há muitos anos e com quem já tinha trabalhado noutros projetos, já tinha feito alguma produção e teclados para um EP do Matheus há uns anos. Já estávamos há imenso tempo a dizer “temos de fazer uma música juntos”. Entretanto, como essa música foi indo ter a muitas coisas que eu sabia que ele gostava, reggaeton, R&B, a própria questão da temática, de falar sobre liberdade sexual, que são coisas que, como ele é meu amigo, sei que temos ambos interesse em explorar essas partes.

Por acaso eu estava em Lisboa, já não sei a fazer o quê, e disse: “tenho aqui uma ideia, queres ir fazer alguma coisa?”. Fui a casa dele, mostrei-lhe a ideia, mostrei a base instrumental, e ele gostou muito e disse: “quero escrever sobre isto”. Depois fizemos tudo à distância – eu aqui no Porto, ele em Lisboa a gravar sozinho e a mandar-me os ficheiros para eu avaliar e dar input. Foi muito assim, mas esta música já estava escrita, pelo menos a base, há já bastante tempo. Depois comecei a trabalhar com ele à distância durante a pandemia.

Num álbum com “várias camadas”, RIVAthewizard pensa que a “questão de honestidade” é “comum no disco todo”

Tocaste na mensagem da Fuckboy, mas pergunto-te se consegues dizer, ou se tens, uma grande mensagem para passar neste disco.
Sim e não. Não é propriamente uma grande mensagem porque o disco tem várias camadas. Tem uma camada política, tem uma camada de ativismo, tem uma camada pessoal, mas aquilo que eu acho que é comum no disco todo, pensando também no universo que criei entre a palavra loucura e a palavra censura, é uma questão de honestidade acima de tudo. Tanto a nível político como a nível de ativismo – no meu caso de ativismo LGBT, da própria saúde mental e tudo mais – acho que aquilo que quero passar é: as coisas resolvem-se com honestidade e com genuinidade. E se nós formos honestos e genuínos com aquilo que sentimos, com aquilo que queremos dizer e com aquilo que queremos fazer e mudar, isso é a única forma de nós construirmos alguma coisa boa. A mensagem do álbum é um bocado essa: em relação a tudo nas nossas vidas, temos coisas que nos fazem sentir diferentes ou desviantes – aquilo que se calhar as outras pessoas nos fazem acreditar que é por causa delas que nós somos loucos, loucos no sentido de sermos desviantes. Nós próprios tentamos censurar porque sentimos que é uma coisa diferente, de fora, que nos faz sentir diferentes. Mas se formos honestos e sinceros com a forma como lidamos com isso, nós vamos conseguir fazer coisas melhores, não só para nós, mas também para as coisas que nos interessam, seja politicamente, pessoalmente, interpessoalmente, o que for.

Referiste o lado político. Se não me engano, numa música dizes algo como “o facho não nos vencerá”. Isso é alguma mensagem, ou crítica aliás, à atual conjuntura política?
É dirigido ao atual panorama político por ser uma coisa que estou a escrever agora para ser ouvido agora – agora e não só. Aquilo que são algumas das minhas revoltas políticas, que manifesto no álbum, são coisas que eu quero manifestar por serem coisas que são sustentáveis. Não estou a falar especificamente de um fascismo que esteja a aparecer agora na assembleia com certos e determinados partidos e com certos e determinados deputados, é mais uma questão de, como tu falaste e muito bem no início, eu vou buscar muito à música portuguesa, especificamente à música portuguesa de intervenção. E uma das coisas que eu acho lindíssima na capacidade que a música tem é fazer passar mensagens. Se olhares para Portugal antes do 25 de abril, os últimos anos antes do 25 de abril, resistência mais concreta de “vamos fazer coisas e vamos lutar contra”, muita da capacidade de passar essa mensagem pela população foi através de canções de intervenção, com ‘n’ artistas, desde o Fausto, imensos gajos que toda a gente conhece da música portuguesa. Isso alicia-me na medida em que é essa mensagem que causa um efeito positivo ou um efeito de “vamos pensar sobre as coisas e agir sobre elas”. Nessa última parte da Loucura Censura, é mesmo uma espécie de ensaio sobre aquilo que eu sinto que existe por parte de uma determinada força de poder, que sempre exerceu sobre a população através de muitos mecanismos, seja económicos ou sociais, mas que nós temos capacidade de nos unirmos e dizer “não, o facho não nos vencerá; não, o império não nos vai vender”. São pequenas frases que eu acho que têm a capacidade de semear uma ideia de luta política nas pessoas. Não é dirigido a ninguém em particular, é mais uma cena de continuar uma tradição que temos em Portugal, que é usar a música para fazer semear ideias boas.

Qual é a sensação de lançar um álbum sem perspetivas de o apresentar ao público?
Obviamente que, com a pandemia, tive vários concertos cancelados. Tive, como todos os artistas, a possibilidade de fazer concertos presenciais e de ter aquele feedback pessoal, de estar ali a ver as pessoas a cantar, ver as pessoas a dançar e, no caso da minha música, também lutar um bocado e dizerem coisas como “o facho não nos vencerá”. Não é que me entristeça porque sou uma pessoa que lida com a realidade de uma forma muito pragmática – nós enquanto humanidade passamos por muitas pandemias e sempre superamos. Não acho que seja uma fatalidade não conseguirmos fazer concertos porque temos outros métodos – temos coisas online, temos gravações de concertos que podemos fazer e disponibilizar no Instagram e YouTube, por isso não está perdido nesse aspeto. Aquilo que se calhar gostaria de poder fazer é apresentar ao vivo e ter esse feedback presencial das pessoas, mas, não podendo fazer isso, adapto-me. Por exemplo, fiz recentemente um pequeno concerto para a Marcha LGBT do Porto, no Instagram deles, também com a participação do Pedro Abrunhosa e em que apresentei também algumas músicas do álbum. E planeio fazer mais algumas dessas intervenções digitais e online. Acho que é uma mudança de paradigma que temos de aceitar e continuar a trabalhar sobre ela, e não tanto numa de “gostava tanto de estar a fazer concertos”. ‘Pá’, gostava, mas quando houver possibilidade e quando for seguro, fá-lo-emos. Até lá, não vale a pena estarmos a chorar por coisas que não podemos alterar.

Para finalizar: por que razão sentiste necessidade de criar o projeto RIVAthewizard?
Em primeiro lugar, por uma questão de diferenciação estética porque aquilo que eu lançava antes ia muito buscar ao lado rock da minha música, muitas influências de Ornatos Violeta, Muse, Mão Morta, e estava cada vez mais a interessar-me pela eletrónica. Sentia que era uma coisa tão diferente na génese que merecia um outro outlet criativo. E mesmo na própria imagem, sinto que se criar uma espécie de misticismo em relação aquilo que eu sou, também tenho, se calhar, um bocado a ganhar porque as pessoas associam não só a um gajo que produz, mas “ah, é uma personagem, veste-se de determinada forma, canta de determinada forma, com os efeitos e o auto-tune”. Acho que isso dá-me algo: para além de, a nível profissional, sentir que possa ser bom porque cria uma imagem que as pessoas podem depender, no fundo, para mim, também é uma espécie de proteção para não me sentir tão exposto a escrever sobre as coisas que escrevo. No fundo, o facto de eu ter um alter-ego enquanto RIVAthewizard protege-me para ser ainda mais genuíno e desfiltrado nas coisas que faço porque sinto que as pessoas estão a ouvir a personagem que criei e não a mim diretamente enquanto produtor. É uma espécie de proteção.

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