AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

Sian Baker: “Todos os que vêm à Portal têm uma história, por isso quero continuar”

13 Novembro, 2018 - 19:28

Sentámo-nos com Sian Baker no final de setembro para conversar sobre a portuense Portal Radio – e outros temas.

Numa esplanada perto da Praça dos Leões, estivemos à conversa com a fundadora da Portal Radio, projeto baseado na Rua de Cedofeita, na cidade do Porto. No último verão, Sian Baker decidiu, com a ajuda do namorado Dan Sheffield, começar aquilo que consideram ser também uma plataforma colaborativa dedicada à música eletrónica.

Já têm outros planos para o futuro, no entanto, planos que têm o Porto como cidade de fundo. Por entre cafés e sumos de laranja, a conversa com a britânica foi relaxada – afinal, estávamos numa esplanada e ainda havia sol por essa altura – e sem compromisso, chegando ao ponto de continuar em off the record.

Da chegada ao Porto até às inspirações portuguesas, Sian Baker apresenta-nos o caminho para o Portal nesta entrevista.

Antes de tudo, quero saber mais sobre ti. Como é que vieste aqui parar [ao Porto]?
A minha tia mora nas Astúrias, em Espanha, então fui de carro desde Inglaterra até lá, com todas as minhas coisas na mala. Até então, nunca tinha vindo ao Porto, mas como gostava muito de Portugal vim visitar a cidade – desde então, em 2016, não saí. Eu queria viver num sítio onde pudesse caminhar até um club, que é o que tenho feito ultimamente. Também senti a necessidade de criar algo, mas demorei dois anos até compreender tudo à minha volta e pôr em prática… É tudo um pouco diferente.

Então és de Inglaterra, certo?
Sim, perto de Londres.

Uma cidade especialmente grande quando comparada com o Porto, não?
Sim, mas eu gosto do facto do Porto ser mais “compacto”, e de trazer consigo um sentimento mais autêntico. As festas em Londres andam muito à volta do dinheiro, não há verdadeira paixão; se for preciso, andam com 5 mil libras na mão, arranjam o espaço mais aparatoso, os melhores djs… sentia ali um mundo falso.

Talvez essa tenha sido uma das razões que te fez criar um projeto noutra cidade?
Há uma razão por ter saído. Eu andava a tocar em Londres, mas não sentia que pudesse ser eu. As pessoas pediam-me para tocar isto ou aquilo, e eu não gosto disso. Em Portugal, senti aquela cultura de “ser quem tu és”; não em todo lado, mas percebes? Aquele sentimento underground próprio, algo que já não existe em Londres – estou a ser um bocado cínica, mas é assim que me sinto.

Qual foi a primeira grande diferença que viste na noite, por exemplo?
Olha, por exemplo, aqui pode-se fumar na pista se quiseres [risos]. Diz muito acerca do vosso ethos, vocês são muito mais relaxados e liberais acerca de toda a cena. Já em Londres dizem-te para agir ou vestir desta ou daquela forma; e aqui senti tudo muito mais real.

Tenho ideia de que em Inglaterra a noite acaba muito cedo, pelo menos na óptica de alguém de fora…
Sim. Vocês não têm tantas leis relativas às horas de fecho ou segurança. Nós, no Reino Unido, temos uma cultura de vigilância muito maior, o que claramente influencia as nossas saídas. Os portugueses são muito mais relaxados, mesmo a beber, algo que fazem com calma em vez de se apressarem. E claro, vão para a noite mais tarde, algo que também me atrai. Parece que, assim, as coisas andam a um passo mais natural. E com isto não quero dizer que há menos energia, porque até acho que há mais. Acho que isto contribui para uma cultura de noite mais saudável, e podes sentir que, comparando com o Reino Unido, a noite portuguesa não é tão agressiva.

Mas e então aqui, em Portugal, como é que surgiu a ideia de fundar a Portal Radio?
Acho que estava a ouvir a Red Light Radio, e andava a notar este tipo de coisas na internet, e pensei que não existia por aqui. Além disso, pareceu ser uma boa ideia para conhecer mais pessoas, especialmente porque não sou portuguesa e porque tenho tendência para ficar em casa com o meu namorado – além de que não falo nos clubs; não é para falar pois não? Então achei que esta era uma boa ideia – até para criar uma network, por assim dizer.

Andava à procura de um espaço, mas não encontrava nada que se adequasse. Daí encontrei uma pequena loja em Cedofeita, e achei que era um local bom para criar uma pequena comunidade por lá. Apesar de não termos a última tecnologia, temos por lá os equipamentos necessários para fazer acontecer.

Estás a falar de networking. É daí que vem o nome Portal?
Sim, acho que é uma espécie de portal para outro mundo. Um mundo que talvez não conheço.

Para já tens vindo a convidar alguns djs para tocar no espaço. É esse o objetivo do projeto a curto prazo?
Sim, para já o objetivo é conhecer. Eu sou amigo do – conheces o Pedro Centeno da Parva?

Hmm… Acho que não… A Parva não é uma nova editora que anda por aí?
Lançam música, mas também é um evento bem underground. Eles operam um pouco afastados do habitual. Por exemplo, o último evento foi na cave de uma joalharia. Com eles, estou a pensar em abrir um espaço, perto da Rua do Bonjardim. Quero continuar a fazer o que estou a fazer, mas também expandir. Conheci muitas boas pessoas que me têm vindo a apoiar, incluindo a dizer-me que preferem estar na Portal do que nas Galerias de Paris, por exemplo.

Bem, é verdade que não há assim tanta opção no Porto…
Também senti um pouco disso ao conversar com as pessoas. Mas sim, quero expandir. Bandas, artistas, enfim. E aliás, na verdade, não teria conhecido metade das pessoas que conheço sem este projeto. Um verdadeiro portal.

Então, para já, dedicar-se-ão às streams?
Sim, mas também já fizemos a primeira revista. Um dia achei que tinha muita coisa para tornar isso possível, e como sou designer gráfico… Com a ajuda do meu companheiro, claro. Todos os que vêm à Portal têm uma história, como no caso do Gabi von Dub, por isso quero continuar.

A revista está em inglês, correto?
Sim.

Talvez queiras fazê-la chegar a pessoal de fora para dar a conhecer mais acerca da cena portuguesa ou…?
Nem por isso. Está em inglês porque fui que a escrevi, e não só tinha ficado mais caro traduzir, como o próprio tamanho de páginas teria aumentado. Entretanto falei com amigos portugueses, e eles disseram para não me preocupar. No início do projeto ainda comecei a escrever em português no Facebook, por exemplo, mas os meus amigos disseram que o melhor era eu não o fazer [risos]. Mas fica a saber que estou a aprender a língua.

Quando é que a rádio começou?
Em junho, creio.

E a revista? Agosto?
Meados de setembro, sim.

Para mim é curioso como em tão pouco tempo já fizeste mais do que muitos locais pelo país, neste caso para a expansão da cultura no Porto. O que te motiva a fazer isto?
Por um lado é trabalho, mas por outro não é. O meu namorado às vezes cansa-se e pergunta-me algo como “podemos não abrir este fim-de-semana?”, mas normalmente a minha resposta é que já temos os convidados definidos [risos]. Ele vê como um trabalho, mas também acaba por ter uma personalidade um pouco diferente da minha.

Eu simplesmente amo fazer isto. É só umas duas horas à sexta e sábado, e as pessoas acabam por ficar por lá a beber um copo. É um pequeno sítio onde dá para curtir e ouvir música. Não vejo como um trabalho, mas antes como uma paixão que infelizmente me custa dinheiro – recentemente, por exemplo, as colunas rebentaram, duas Technics estragaram-se, imprimi as revistas…

E como é o processo de convidar djs para essas noites?
No início, eu pensava “meu deus, não conheço ninguém e não tenho confiança suficiente”, então mandei umas mensagens. Acho que o Gabi [von Dub] foi o primeiro, ele foi muito prestável e fez a cena dele. Depois disso, a palavra espalhou-se e as pessoas ficaram interessadas, então agora são elas que mandam mensagem a mim. Mas no início, esforçava-me mais nesse aspeto. Mas sim, normalmente contacto as pessoas pelo Facebook, ouço aquilo que fazem… Acho que é assim que funciona.

Há algum critério de seleção que tenhas em conta?
Eu sei do que gosto, mas não quero que isto seja feito a partir do meu gosto. Há alguma seleção, mas tento expandir um pouco. Para ser sincera, é provável que não convide alguém que toque algo muito upbeat house ou disco… por isso sim, sou um pouco seletiva, mas nunca expulsei ninguém por achar que a música é uma merda [risos].

E tu, enquanto dj? Como começou essa aventura?
Comecei em Londres, Inglaterra, há muitos anos atrás com alguns amigos por casa. Cheguei a fazer algumas gigs por lá, mas não estava a gostar muito, não me sentia parte de algo especial. Quando vim para Portugal, não toquei em lado nenhum até criar a Portal, e foi aí que comecei a conhecer novas pessoas. Daí toquei com a Parva, no Gare, e no Café Au Lait, onde tenho uma residência a começar lá às terças… Acabou por abrir-me as portas nesse sentido, porque eu não muito boa a promover-me. Não gosto de dizer às pessoas que sou dj – não suporto isso – por isso prefiro que as pessoas me apanhem a fazê-lo e depois me digam alguma coisa.

Como foi essa experiência de tocar para portugueses?
Muito bom. Sim…

No Gare, por exemplo…
Sim… Fiquei espantada com o entusiasmo das pessoas… Os portugueses expressam-me muito pela voz, não? [risos]

Sim, muito. Acaba por ser algo que nós fazemos… [risos]
Eu amei. Foi tipo a melhor noite da minha vida, estavam todos aos berros e a animar a festa… Na altura, algo me disse que foi por isto que eu esperei [risos]. Quando acabei [no Gare], as pessoas vieram falar comigo. Espero continuar a fazer coisas do género. Ajuda a dar-me a conhecer de uma forma natural e não através da minha página – que não tenho – ou algo. Não gosto que as coisas não sejam naturais.

E ouvir os djs portugueses na Portal, por exemplo, influenciou-te de algum modo?
Sem dúvida. Aprendi muito sobre djing e tudo. Fiquei mais confiante para explorar coisas diferentes – porque toco mais electro, techno e house – e tenho vindo a experimentar outros géneros. Vi o Pedro a fazer isso… E um dos meus favoritos é o Afonso Esperança.

Backbone, certo?
Sim, ele tornou-se um grande amigo meu, admiro-o mesmo, inclusivamente começou o Spectrum Festival.

Tenho a ideia de que estiveste envolvida na organização do festival?
Na organização não, mas toquei lá. Ele veio à Portal porque estive pela Vicious Cast, em Fafe. Depois de o conhecer, eu e o meu namorado Dan conhecemo-lo e convidou-me para tocar no Spectrum – do qual escrevi uma reportagem na revista da Portal [risos].

Como foi o Spectrum?
Foi bonito. De repente olhei à volta e pensei “oh meu deus, isto está composto”. Era uma espécie de reunião familiar, uma grande família. Estava lá tudo para o mesmo. Todos queriam fazer parte daquilo. O Afonso fez um excelente trabalho; é uma inspiração para mim. Tem a visão de fazer coisas fora do comum – e muito bem.

Isso de ser uma espécie de família é interessante. É algo que gostarias de ver na Portal?
Sim. Sinto que quando as pessoas às vezes vêm até lá – como o Gabi, fico cheia de orgulho ao ver que ele se sente bem lá, até porque me sinto inspirado pelo que ele faz. E o Pedro da Parva também vem quase todos os fins de semana. Penso que somos grupo de pessoas que poderia fazer mais…

Mas basicamente és só tu e o teu namorado a tratar da Portal, certo?
Sim, eu trato mais da comunicação e ele da parte técnica. Há algumas mudanças que podemos fazer na stream, por exemplo: o problema é que o ambiente quase parece um bar, escuro, o que é bom para as pessoas mas mau para a stream.

De qualquer forma, acho que nos temos focado mais na marca – não quero dizer marca, mas marca – e creio que tem de haver mais balanço nas prioridades.

E planos para o futuro?
Temos algo separado da rádio, que também se vai chamar Portal, mas é um espaço onde vamos ter live acts e djs [o mesmo espaço na Rua do Bonjardim que Sian mais falou atrás]. Mas não é um club. Vai ser uma associação sem fins lucrativos onde vamos ter comida – Jonathan, um amigo que nos vai ajudar, é chef. Basicamente sou eu, o Dan, o Pedro da Parva, e o Jonathan que vamos ter esse espaço, onde vamos programar eventos. Eu achava que antes de começar a rádio não o conseguiria fazer, mas agora acredito. Já consigo falar com as pessoas. Quero aprender português, mas dura algum tempo…

Algumas pessoas já me perguntaram o porquê de eu continuar com o streaming e a rádio e não tornar a Portal num espaço, mas não. O ponto é mesmo esse. Por isso também quero manter a associação afastada da rádio.

Atualmente a Portal é semanal…?
Sextas e sábados os shows são durante duas horas. Às vezes também fazemos ao domingo, que é o melhor dia para a stream graças à luz do dia – até penso “wow, deveria ser sempre assim” [risos] – e é muito bom para relaxar. Às quartas fazemos o Portal presents, onde falamos um pouco. Quero fazer programas mais típicos de rádio e não só sets, sempre com foco na cena portuguesa.


Passo a passo, certo?
Sim!

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