AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Reportagem

Um parque de alegria e amor chamado Elétrico

1 Agosto, 2019 - 12:45

Voltámos ao Elétrico durante três dias para ser felizes. Muito felizes.

No fim de semana passado, o Parque da Pasteleira, no Porto, voltou a receber o Elétrico para a sua segunda edição. Um festival para amantes de eletrónica, para famílias e crianças, para apaixonados pelo bem-estar e suas atividades. Mais ainda, neste evento há lugar para o empreendedorismo, no palco Press Start, e para a arte, com uma feira e uma interessante galeria de mupis. Mas vamos à música.

Primeiro de João Dinis e depois de Diana Oliveira, os sets de abertura de sexta-feira evidenciaram o que muitos já sabiam: o Elétrico é um festival eclético. Os djs portugueses, sob um intenso sol, abriram caminho para Janus Rasmussen dos Kiasmos da melhor maneira, oferecendo hip-hop, breaks, house e outros géneros aos ouvintes, que, por essa altura, ainda estavam a aproveitar as atividades, o vasto espaço verde e os bancos, sofás ou espreguiçadeiras disponíveis pelo recinto. Quando o islandês subiu à cabine, construída em forma de elétrico, já a pista estava mais composta. Rasmussen trouxe muita melodia aliada a um lado mais deep e minimal, com um dj set que faria, acima de tudo, fechar os olhos, com vista a manter atenção na viagem do autor de Vín, álbum pelo qual também passou durante a sua hora de espetáculo no Parque da Pasteleira.

Levon Vincent, por sua vez, regressou aos anos 90 com faixas como The Final Frontier de Logic ou um remix de Strings Of Life. Com o nova-iorquino a recorrer a, entre outros pormenores, uma voz que exclamava que os Estados Unidos estão sob uma “martial law“, foi difícil não ficar apaixonado pela história que escreveu durante as duas horas de set. Mas a verdadeira história de amor chegaria depois. Os Inner City, com uma formação composta por Kevin Saunderson, o seu filho Dantiez e a vocalista Steffanie Christi’an, tocaram, com a ajuda de samplers ou teclados, a mais recente Need Your Love e hits como Big Fun e a irresistível Good Life. Um concerto inesquecível e repleto de alma no qual, pouco antes de terminar, tivemos direito a um pequeno discurso do pioneiro Kevin Saunderson, que referiu o techno como a prenda de Detroit para o mundo – uma prenda para nos fazer dançar e unir. Antes de a noite terminar, no entanto, ainda houve lugar para o alemão Marcel Dettmann nos brindar com um pujante set, bem ao seu estilo, e com faixas como Give It Up de Planetary Assault Systems.

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No sábado, a música começou cedo com Vasco Valente e Tiago Carvalho em formato back-to-back, momento que antecedeu Magazino, que, infelizmente, não contaria com a companhia do francês D’Julz para um b2b. O veterano português, com uma camisola da lisboeta Discotexas, levou a sua energia contagiante até o Porto, onde nos deleitou com a sua excelente seleção, que incluiu, entre outras, Lunchbox Music do mais recente trabalho de Gene On Earth. Um set difícil de suceder, não fosse Maayan Nidam a responsável por isso. Durante uma hora, a residente do Club der Visionaere esteve a cargo de um live act, do qual se destacam as aliciantes sonoridades minimal e techno típicas da alemã.

Já Petre Inspirescu, que começou o seu profundo set por volta das 19h, trouxe o lado minimal a que ele e os seus compatriotas da [a:rpia:r] nos têm habituado – como Rhadoo na primeira edição. Com um notável toque na mistura, o romeno serviu o jantar da melhor maneira, dando, entretanto, lugar aos franceses Apollonia, autênticos diggers que souberam jogar na perfeição com o facto de Kerri Chandler ser o próximo a conduzir o Elétrico. E como seria expectável, o americano foi um dos destaques de todo o festival. Chandler guiou-nos pelo melhor house, por míticas vozes negras – como da música Another Star de Stevie Wonder (possivelmente o remix de Knee Deep) ou A Deeper Love de Aretha Franklin – e até por uma verdadeira jam em Rain, música que contou com a voz do dj e produtor e, inclusivamente, com Carlos Lázaro, da dupla aveirense Lazer Mike, a acompanhar no teclado. Foram duas horas tão extraordinárias que, à saída, ouvimos um dos presentes a perguntar: “depois de um craque destes, o que é que eu vou ouvir?”. Felizmente, assim como na sexta-feira, a festa continuava no Plano B e Industria Club.

Além das atividades de bem-estar, domingo arrancou com back-to-backs de Maria Gambina com Helena Guedes e de João Tenreiro com Leo Cruz. Pelo terceiro dia consecutivo, o sol era mais do que convidativo, tanto para suar na pista como para aproveitar as sombras do recinto. Sentados, voltámos a contemplar a construção de uma obra de arte, feita a partir de lixo, ali bem perto da pista – afinal, a sustentabilidade foi o tema desta edição. E isto, claro, enquanto ouvíamos boa música, como a tocada por Matthew Herbert, britânico que teve tempo suficiente para explorar diferentes sonoridades ao longo do seu set, algo transversal a todas as atuações do festival.

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Depois de Herbert, chegou a vez de Theo Parrish nos mostrar todo o seu esplendor ao longo de três horas. Por vezes pouco ortodoxo, mas sempre atento e com uma seleção muito especial, o veterano não deu tempo para pensar naquilo que se estava a passar – o que se estava a passar era amor, muito amor, sentimento que se via ao olhar para o sorriso estampado no rosto de Parrish. Pelo final desse set, Moodymann andava perto do palco a oferecer vodka ao público, mas não era preciso álcool para ficar deslumbrado com aquilo que se viria a passar no Parque da Pasteleira. Kenny Dixon Jr. mostrou-nos tudo, desde hip-hop a techno, a passar pelo pós-punk dos Crash Course In Science em Jump Over Barrels. De vinil em vinil, o homem de Detroit passou de Tus Mentiras de Ray Barretto para Washing Machine de Mr. Fingers, tocou faixas tão distintas quanto This Time Baby de Jackie Moore, Full Clip de Gang Starr, Taxi Talk de Nina Kraviz ou BTSU de Jai Paul, fez os corações vibrar com a reconhecível Pick Up de DJ Koze e, no fundo, misturou um vasto e invejável leque de músicas. De chorar por mais.

Sobre o set de encerramento de Rui Vargas, não há muitas palavras. Em 2018, o experiente lisboeta já havia mostrado o quão bem sabe agarrar estes momentos – assim como o Elétrico tinha também demonstrado o seu potencial e encantamento no ano passado – e foi talvez por isso que a organização escolheu o português como o responsável pela última hora. No final de contas, esta edição serviu como prova da excelência e seriedade do trabalho feito pelos intervenientes do festival. O Elétrico tem muitas pernas para andar. Tem pernas para se tornar num festival de referência a nível europeu.


Fotografias por André Teixeira

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