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Reportagem

Lisb-On Jardim Sonoro: O melhor da vida é dançar e sorrir

11 Setembro, 2019 - 17:55

Durante três dias de sol e calor, o Parque Eduardo VII recebeu milhares de “jardineiros” que fizeram questão de dançar em mais uma edição do Lisb-On.

Desde 2016 que “a festa mais cool da capital” marca a agenda dos portugueses que querem ouvir house e techno, passando pelo disco, soul ou funk, e deixar-se envolver pelo verde de um dos jardins mais icónicos de Lisboa, localizado no coração da cidade que desagua no rio Tejo.

Apesar de o primeiro dia começar com a atuação de Alcides às 16h, só conseguimos chegar ao palco principal do Lisb-On por volta das 18h, quando Moodymann já estava a dar ao público os primeiros registos musicais. Produtor completo e enorme animal de palco, Kenneth Dixon Jr. tem a qualidade de ser um dos DJs mais ecléticos da atualidade, feito que poucos conseguem alcançar.

O público foi aderindo à panóplia musical do DJ, que ia retribuindo o carinho com sorrisos escondidos atrás da mítica máscara de renda negra. A boa disposição de Moodymann traduziu-se no soul e funk de Bobby Wommack a Fleetwood Mac remisturados com house music, deixando-nos com aquela sensação de que iria ser uma boa noite. No fim, despediu-se do público com os shots de vodka que partilhou com aqueles que faziam parte da linha da frente.

Entre a ida ao bar para encher o copo, ouvimos novos sons vindos do palco. Era a vez dos irmãos Lawrence e Lenny nos encherem as medidas com as batidas de Octave One, projeto criado em 1989. Considerados como elementos da segunda geração de artistas de techno de Detroit, não é de espantar que sigam as pegadas de Derrick May, Juan Atkins ou Robert Hood. Aliás, o primeiro single da banda foi lançado na editora de May em 1990.

As músicas de Octave One deambulam pelo techno criado em cima do palco, no momento, graças a dezenas de sintetizadores e máquinas de beats que ocupam grande parte do palco ladeado por flores. A qualidade e talento dos irmãos a remisturar temas e a dar novas roupagens a músicas de outros ícones é inegável ao ponto de colocar grande parte do público a dançar, numa viagem que passou rapidamente para a festa que se espera com o calibre deste live act. Um dos pontos altos deste primeiro dia.

Uma, duas, três. Foi a conta que Deus fez e, mais importante, o que o Lisb-On nos deu em termos de Detroit. Para encerrar a vibe da Motor City, tivemos o mítico Carl Craig. Perante uma multidão bem composta, o produtor trouxe na bagagem tudo aquilo que o marcou ao longo destes vários anos de carreira. Ouvimos New Order, Juan Atkins, Michael Mayer ou DJ Koze e dançámos sem parar um segundo. Afinal, estávamos perante um pioneiro do techno que nos deu uma combinação sonora quase próxima do ideal para um começo de noite.

Ainda tirámos alguns minutos a Carl Craig para espreitar Idjut Boys no Carlsberg Hillside Stage. Com o azar de estarem a tocar ao mesmo tempo que o DJ de Detroit, ainda sofrerem com a fortes batidas que saíam do palco principal, capazes de abafar grande parte do som à volta. Mesmo assim, Dan Tyler e Conrad McDonnell deram energia ao público presente com um set embutido de dub e groove disco, inspirado pelo LP Versions, lançado em 2015.

À mesma hora, na Treehouse, tocava Spacetravel, DJ natural de Itália, que cativava o público presente com eletrónica minimal, futurista, por vezes demasiado futurista tal eram as poucas pessoas que realmente dançavam num dos palcos mais incríveis deste Lisb-On.

Se o festival ganhou uma nova energia, muito se deve ao palco Treehouse, localizado logo à entrada do evento e que contou com a melhor decoração de palco, trabalho de luzes e envolvência no seu geral de todo este Lisb-On. Esta foi uma aposta vencedora por parte da organização.

De volta ao Main Stage, encarámos de frente o esplendor germânico de Marcel Dettmann, DJ e produtor com mais de vinte anos de carreira e uma presença habitual no nosso país, com um dos melhores sets que já ouvimos da sua parte. Daí, ainda tivemos energia para ir ao Ministerium Club para a primeira after-party do Lisb-On com a Vértice, que contou com a energia musical de Gear, Ferro e Tiago Fragateiro, numa casa quase cheia de corpos dançantes.

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O segundo dia do festival começou com a intensidade de Ten City, banda marcante na cena deep house. Apesar de o nome não ser tão conhecido em Portugal, conseguiram trazer para o Parque Eduardo VII a energia que os marcou durante o final da década de 80. A combinação de instrumentos ao vivo e a vibe de club music colocou o público a dançar, mesmo perante o forte calor que se fazia sentir.

Às 19h subiram ao palco os Masters at Work e a festa ganhou uma nova energia. Os nova-iorquinos Little Louie Vega e Kenny “Dope” Gonzales aproveitaram o slot da melhor maneira possível, passando por uma variedade de estilos como música latina, caribenha, house, numa das melhores atuações que vimos neste festival. O nome diz tudo: estávamos perante mestres na sua arte, especialmente no que toca a remisturas, tendo aproveitado clássicos de Erick Morillo ou Kerri Chandler para colocar um sorriso na cara do público que cada vez mais enchia o palco principal do festival.

Difícil foi sair do Main Stage, mas mesmo assim fomos ver o live act de DMX Krew à Treehouse. Ainda com pouca gente, a atuação de Edward Upton – fundador da Breakin’ Records e da Fresh Up Records – conseguiu cativar os presentes com a mistura de electro e breakbeat.

Pelas 21h começou a maratona liderada por Solomun e Dixon, dois nomes incontornáveis da cena house de Ibiza, muito marcada pelas camadas sonoras, que ora percorriam as melodias mais intensas e outras vezes os sons minimais. É certo que por esta hora o Main Stage era o palco que mais gente atraía, muito mais que na noite anterior, mas também foi o palco no qual a música se tornou mais monótona conforme a noite seguia o seu curso.

Apesar de serem dois nomes fortes, a verdade é que o set apresentado por Dixon e Solomun acabou por nos parecer demasiado repetitivo e longo. Por cada momento mais efusivo, ouvimos outros tantos menos energéticos, marcados por uma constante subida e descida do som que saía das colunas do Main Stage. A adesão foi muita mas a energia descia consideravelmente.

Por isso decidimos partir para o Carlsberg Hillside Stage ver Young Marco. Um dos nomes mais conhecidos da música underground de Amsterdão, trouxe consigo a virtuosidade de misturar vários estilos num só set, passando com facilidade e mestria entre faixas de techno pulsante, hip-hop, disco, provando que os DJs podem ser uma caixa de surpresas sem ficarem restritos a um só estilo musical.

Pela mesma hora atuava na Treehouse o inglês Craig Richards, pelo que enchemos novamente o copo com cerveja e seguimos caminho. O DJ, que ganhou enorme reconhecimento graças à sua residência no mítico Fabric, teve o público aos seus pés durante grande parte da atuação, tendo mesmo conquistado muitos dos que queriam algo mais intenso do que estava a acontecer no Main Stage. A experiência de anos atrás dos gira-discos ficou evidente nas mudanças rítmicas que fez, sempre com uma tranquilidade de quem tem tanto talento como energia para dar e vender.

Por fim, voltámos ao Ministerium Club, desta vez para uma Aresta a cargo de André Costa e de um incrível B2B de Kaesar e Driven, com uma atuação dos dois DJs portugueses que deveria ter sido gravada e mostrada a todos os amantes de música eletrónica. Fenomenal.

E finalmente chegámos ao terceiro e último dia de Lisb-On. Assumimos que o cansaço já se fazia sentir e as pernas já não se mexiam com o mesmo vigor que antes. É complicado continuar a subir e descer o festival com o mesmo fulgor, algo latente na maior parte das pessoas que fizeram questão de se deslocar ao Parque Eduardo VII pelo terceiro dia consecutivo.

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Também foi evidente que este último dia estava mais virado para as famílias, com muitas crianças a correrem pelo verde que marca o festival, enquanto os pais conversavam alegremente sentados. O ambiente mais descontraído tomou conta do espaço, especialmente enquanto Tó Pereira, aka DJ Vibe, nos dava um set mais contido que o habitual.

Acompanhado por Jamie Principle em várias músicas que marcam a sua carreira de três décadas, o set construído pelo DJ nacional ficou envolto na house de Chicago, sem nunca conseguir passar para além do que podemos considerar como descontraído. Serviu o seu propósito digamos. Fica o momento alto de Your Love, um clássico da música house, entoado por quase todos os presentes.

Aos poucos e poucos, fomos vendo o relvado do palco principal a encher, graças à atuação da irlandesa Róisín Murphy, que iria atuar às 19h45. Até lá, ainda tivemos tempo de dançar um bom bocado ao som de Markus Nikolai, que deixou uma energia hipnótica no ar, quase como se tivesse a abrir as hostilidades para o que viria a suceder no palco principal pouco tempo depois.

O que dizer de Róisín Murphy? Começamos pelo óbvio: foi o momento alto da edição deste ano do Lisb-On. Uma atuação fenomenal de uma artista que continua tão talentosa agora como na época dos incríveis Moloko. Entre a sua voz – perfeita como sempre! -, a performance visual e a perfeição sonora dos músicos que a acompanharam, Róisín provou que existe espaço no Lisb-On para concertos deste género, capazes de cativar o público ao mesmo tempo que fogem ao habitual DJ set. Sem ofender obviamente.

Se cada música da irlandesa tem uma energia própria, também isso se traduz visualmente com a cantora a trocar de roupa entre as faixas. Da saia esverdeada fez um colete. Do colete um laço. Trocou de chapéu, luvas, se calhar até de sapatos mas isso não conseguimos confirmar. Um verdadeiro camaleão em cima do palco.

Com o lançamento do single Incapable já este ano, Róisín mostrou-nos que está inclinada a criar música que nos ponham a dançar e foi isso mesmo que fez durante a performance. Não ficaram de fora as conhecidas You Know Me Better, House of Glass e Overpowered mas foi com as faixas de Moloko que o público português se rendeu definitivamente à cantora irlandesa. Numa fantástica remistura, saída do final da poderosa Exploitation ouvimos a mítica Sing it Back, um marco musical de uma geração que viu os Moloko tornarem-se numa das maiores bandas de eletrónica mais pop dos anos 2000. E claro, como não cantar e dançar de coração cheio ao som de Foverer More? É impossível.

Para encerrar a edição deste ano do Lisb-On tivemos de fazer uma escolha. Ficávamos para o disco de Horse Meat Disco ou seguíamos para o minimal de Zip? A cabeça já pesa, tal como o corpo. Decisão difícil, mas optámos por Zip e acreditamos que fizemos a melhor escolha. O cofundador da editora Perlon deu um espetáculo muito cativante, considerando que estávamos a pouco tempo do fim do festival. Através de melodias instáveis, agitação sonora e ritmos idiossincráticos, sentimos que fechámos com chave de ouro este Lisb-On.

Agora é altura de descansar. E ir ouvir um pouco mais de Róisín Murphy.


Fotografias por Ricardo Jorge

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