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Entrevista, Lançamento

FOQUE sobre “Ato Isolado”: “É o meu trabalho mais visceral e pessoal”

21 Janeiro, 2021 - 13:55

Quisemos saber mais sobre o último lançamento de FOQUE, um longa-duração sob forma de manifesto que chegou até nós no passado dia 8.

Se está claro que os tempos que correm são difíceis, com mais força se faz sentir a falta de condições para aquilo que seria uma vida minimamente digna ou estável. Vivemos constantemente à procura e à espera do primeiro dia do resto das nossas vidas. E é precisamente esse o pano de fundo de “Ato Isolado”, a mais recente catarse “visceral, intimista e explosiva” do produtor e cantor-compositor portuense FOQUE.

A retratar o “estado atual da cultura nacional e o ano atípico que vivemos” com vulnerabilidade e transparência, no glossário deste disco não faltam conceitos como pós-laboral e a exaustão adjacente à precariedade, aos quais FOQUE decide agora bater o pé. E ergue-se a questão: “quando não tenho tempo nem dinheiro e a vida não é uma festa, o que sobra?”. Não sobra muito, na verdade. Todavia, apesar de nascer na “frieza” e no “vazio interior”, este primeiro longa-duração não vem para “gelar ou esvaziar quem o escuta”. Existe, em vez disso, um “grande sentimento empático que percorre todas as faixas”, num registo “biográfico” e “ao mesmo tempo relacionável e humano”.

Em lançamentos anteriores, como “C A B U M” (2017) e “MMM” (2019), as sonoridades de FOQUE pairam facilmente entre chill, downtempo e eletrónica de dança. Agora, está na altura de “não cumprir só os moldes musicais”, mas “vergá-los ao máximo e subjugá-los às vontades [do artista]”. Em conversa com A Cabine, o produtor confessa que “Ato Isolado” é “o trabalho mais pessoal” que já lançou.

“No primeiro EP criei a partir do que as máquinas e o computador me davam, no segundo utilizei estes mecanismos para materializar as ideias que tinha, ou seja, o processo inverso”, explica Luís Leitão. A “harmonia” dessa dualidade está também patente neste último lançamento, como nos conta Leitão: “não dependi das máquinas para encontrar o ‘sentimento’, porque esse já estava todo no papel, e não dependi puramente de mim para encontrar a paleta sónica, porque sinto que já a acumulei na minha bagagem durante estes anos”.

Assim, a paisagem sonora deste álbum é uma “amálgama” de tudo aquilo que já passou pelos ouvidos de FOQUE, pintada num tom igualmente “efémero, transitório e em constante mutação”. O exemplo ilustra-se com um “bonito excerto coral que remeta para música tradicional portuguesa interrompido por uma 808”. “Este tipo de cânones quebrados agrada-me muito e mantêm-me agarrado à obra”, refere o artista.

Num trabalho que surge da introspeção, Luís Leitão diz ter chegado “rapidamente à conclusão de que há muita coisa reprimida em nós, que percorremos anos e anos de vida em busca de nada, ou de uma ideia de ‘felicidade’ e/ou ‘sucesso’ que nos foi incutida desde tenra idade”. A balança dita que “vivemos desequilibrados”. Corremos o dia-dia “em constante medo do futuro”, numa dança feita no “gume da navalha” na qual “nos enchemos de bens materiais e nos martirizamos por coisas triviais”.

Ouve-se o emocional em colapso ou catarse desde o primeiro segundo do álbum. É a cair e voar que se compõe a efemeridade do ser no tema de abertura e sabemos de imediato porquê. A precariedade que se alimenta da escassez dita a falta de um teto e um chão, um sustento, um abraço e um olhar delicado – quiçá um salário. É assim que FOQUE descreve o “ponto de situação” deste quarto de século nesta vida. Nas palavras de Agostinho da Silva, presentes em sound bites inconfundíveis d’A Vida É Uma Festa, “nós estamos nessa contradição, não é? Nascer de graça e passar o resto da vida a ganhá-la”.

Luís Leitão sonha o mundo da música há cinco anos. “Antes de me dedicar a 100 por cento à música, a minha área de estudos e interesse era o Teatro”. Nascido em 1994, foi Gondomar que o viu cresceu. Lá, saltitou “de curso em curso até acabar na Academia Contemporânea do Espetáculo”, onde finalizou o curso Interpretação em 2014. Em paralelo com a formação na arte da representação, manteve o projeto Baixo Soldado e só em 2017 viria a nascer FOQUE.

Tem vindo a estender este ofício sónico a curtas-metragens e espetáculos, havendo já trabalhado como músico de cena e sonoplasta. A somar presenças em inúmeros palcos, como Indie Music Fest, Festa do Avante e Fresh Street, foi também co-criador da Festa de Encerramento do Festival Bons Sons 2018. No ano seguinte, criou e musicou o espetáculo “ODE”, antes de lançar Rapidinha, seu primeiro single, que caracteriza como “a dose de energia e felicidade aconselhável para todos os dias em que acordamos sem vontade de sair da cama, sem força para sorrir, ou queremos simplesmente estar alienados de tudo”. Ainda a anteceder este “Ato Isolado”, que inclui uma colaboração com EVAYA, fez parte de uma residência artística destinada à criação do espetáculo “Manifesto of The New Clubbing” em Torres Vedras.

Abertas as cortinas no Bandcamp, “Ato Isolado” está à tua espera para começar o espetáculo.

Fotografia por Anita Gonçalves

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