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Neopop 2024: o inesperado trunfo da rapidez possessa

12 Setembro, 2024 - 16:06

Em agosto, Rosa Maria e Luisa Lopes estiveram pelo Neopop para nos contar e mostrar o que viveram em Viana do Castelo.

Tempo de retrospectiva de um festival que foi, ao mesmo tempo, interminável e efémero, presenteando-nos com uma dualidade de emoções sempre característica a este tipo de macro eventos em sítios meio distantes de onde residimos no grande trecho do ano e aos quais já não estávamos habituados a frequentar.

Digamos assumidamente que foi a nossa estreia (a destes singelos repórteres) no Neopop, para o qual já tivemos bilhetes comprados no ano de 2013 e 2014, tendo que os vender posteriormente devido a questões pessoais ou profissionais diversas, porém sempre nos mantendo atentos aos seus mais diversos cartazes no decorrer da última década. Enfim, finalmente a estreia, mesmo que num cartaz aquém da nossa expectativa ou daquilo que auguraríamos para um festival de música electrónica desta dimensão, sendo que primamos quase sempre pela diversidade e qualidade do alinhamento, independentemente de ser reggaeton, psytrance ou gabber. Venha o diabo e escolha já que a boa música sempre foi dele: as vidas e os seus sons são diferentes, os sentimentos e excessos também.

Somos então despertados no dia seguinte à nossa chegada pelo sol matinal (eram 3 da tarde) num clima de aparente paz de pouca dura para sermos motivados a tratar da habitual parafernália de quem acampa: ir às compras, almoçar e preparar as doses diárias de analgésicos. A rave dura mais de 12h e é apenas o primeiro dia.

Com o castelo já aberto, entrámos pela porta geral por mero desconhecimento da existência de entrada para ‘press’, tendo sido revistados ao limite, ao mesmo tempo que somos brindados pela questão: “Não traz consigo nada de ilícito? Drogas?”, proferida por um dos seguranças ao aceder e tentar revistar a minha bolsa de tabaco, e à qual repostei “Não senhor, aqui as pessoas vêm para trabalhar! Não está a ver?”

Ri-me, avancei e lá cheguei ao som de Violet e DJ Lynce, que actuavam no Heineken Anti Stage logo do lado esquerdo onde breaks demoníacos, dubstep oldschool e algum do melhor IDM serviram de entrada para uma noite que acabara de começar.

Ainda no rescaldo do que acabáramos de escutar, seguimos para o palco principal onde actuava o mítico DJ Frank Maurel, imortalizado há cerca de década e meia na praia de Matosinhos pelo fadista mais famoso das ruas do Porto com a rima “É DJ Vibe! É Frank Maurel! E eu já vos disse que tenho ganza, filtros e papel!”. O mote estava dado para formalizar, mais uma vez, o nosso tributo às forças de segurança privada, neste caso, enquanto o DJ sacava de um clássico do house editado pela consagrada editora R&S Records: The Vamp tema original de Outlander. A ordem estava dada, é para dançar.

O volume da música sobe substancialmente até nos tremer os tímpanos para dar entrada a Enrico Sangiuliano, presente no Sónar Lisboa do ano passado, festival franchise organizado pela mesma comitiva, que regressa aqui num modo de aquecimento noctívago, munido por um techno lento ao estilo empresarial e para o qual dispusemos de certa paciência até Ivan Smagghe entrar em cena no palco secundário.

Digamos que esta foi a primeira surpresa do festival não só por, infelizmente, nunca o termos apanhado ao vivo, como por tal ter acontecido num evento de larga escala em que a vertente intimista e de leitura de público, por vezes, se torna mais difícil. Tal não aconteceu aqui. Ivan Smagghe, guarnecido pelos seus 53 anos de idade, vem directamente de França e não só traz consigo o conhecimento de como fazer uma pista funcionar, como o de todo o período zénite do house francês, providenciando-o em pequenas doses neste set intimista q.b. O público, não estando com ele à partida (eram 23h), termina a seu lado de modo apoteótico, num set que pouco teve de entediante, passando por vertentes ambientais inconclusivas em primeira instância até chegar ao mais puro house, onde não nos passou despercebida a mistura da faixa The Planets, original de Literon. Após muito house de qualidade, o set termina com toques de electro para um público cada vez maior em quantidade e folia.

Seguimos rota para a segunda dose italiana da noite: Joseph Capriati, que havia iniciado a sua actuação pelas 00:30h e pela qual somos agraciados por uma cavalgada imperial à John Ford. Os kicks estão mais violentos e mais rápidos – segurem-se que o homem está com pressa para começar mais uma sessão de techno onde a melodia não prima por peremptória. Pelo meio escutamos uma versão remisturada de The Bells, de Jeff Mills (que actuaria no festival no dia seguinte), Veritate, de Massimo Logli, e também Elements (The Dtour), de Danny Tenaglia, denunciada pela sua longa introdução vocal. A cavalgada soma e segue até chegar à fábrica de DJ Jeroeski: Back Once Again é mais uma que descortinamos aqui em modo technão assumido.

O set termina com uma projecção estrelar dourada no background e com o italiano fazendo corações com as mãos e dizendo ao microfone algo como “Muito obrigado, Neopop, é um prazer estar aqui de volta” antes de se atirar a um remix industrial com laivos ácidos de Born Slippy que, obviamente, enlouquece grande parte dos presentes. Não sendo surpreendente, foi um set competente naquilo a que se comprometeu com recurso a gimmicks infalíveis, como os teclados de Good Life, de Inner City, antes de um drop ou até mesmo a incursão a kicks mais abrasivos característicos às vertentes mais pesadas do techno.

Tal não se poderá dizer de Indira Paganotto, que chegou ao Neopop dotada pelo pior gosto musical possível que uma DJ poderá ter. Após um início de set recorrendo à epicidade de O Fortuna, de Carl Orff, seguido por um beat de progressive/psytrance 101, a piada esfuma-se em puro mau gosto logo na faixa seguinte: um arabesco étnico da pior rés possível… faltam 1001 noites para isto terminar: uma história sem fim em que nem a Sherazade nos salva. Segue-se mais um drop de psytrance genérico. Mais um tema de progressive trance à Ace Ventura. Mais uma caricatura comercial daquilo que o trance já foi com recurso a um canto tibetano manhoso e a mais um excerto de trance podre. Chegámos ao fim da linha. Se calhar mais valia ter poupado este tempo e tirá-lo no set seguinte.

Enquanto fazemos uma pausa para tentar ir ao WC – a única coisa positiva possível de ser concretizada neste fastidioso set -, paramos por breves minutos nos rebordos em pedra circundantes à estátua da sereia dourada (numa clara referência à estátua da Neffertiti presente em Berlim, característica da icónica Loveparade) à entrada do palco principal para tirarmos alguns apontamentos finais.

“Tá top, mano. Isto não é o Neopop, é o Neotop!” foi o que ouvimos vindo de um membro do público a caminho da prestação de Nico Moreno (que regressa a Lisboa para uma actuação no Pavilhão Carlos Lopes a 23 de Novembro). Este não se ficou e foi igual a si próprio: techno industrial do início ao fim com recurso a todos as técnicas de engajamento possíveis e muito bem concretizadas. Meet Her At The Loveparade, o primeiro de muitos remixes escutados durante o festival, Heads Will Roll, na versão A-Trak industrializada, Pullover, de Speedy J, a pianada de Young Birds, do duo DJ Weirdo & Phil Omanski, os vocais da faixa Silence, original do grupo Delerium com Sarah Mclachlan, antes de mais um drop industrialão, o lead synth de Kernkraft 400, original dos Zombie Nation, que meteu todos os presentes a cantá-lo em uníssono, Freed From Desire em mais uma sessão de cantoria e euforia colectiva… o clima está tão ao rubro que às tantas já se cantavam hinos futebolísticos.

Nico Moreno sempre imparável de boné na cabeça e gesticulando freneticamente ao som dos seus kicks poderosíssimos sempre a bater um mínimo de 150bpm colmata a noite metendo o público presente a cantar nada mais nada menos do que a frase “I just wanna fuck you like a slut” associada ao tema de Activator, durante quase 1 minuto. Nada a dizer. Escutamos também This is what feels to be high (tema original do próprio) em repetição numa voz feminina antes de mais uma série de kicks industrialões e confirmamos: Nico Moreno é o rei da pastilha.

Reinier Zonneveld em modo live tenta manter o clima em altas e desde cedo parte para a concretização de um remix em alta rotação de Satisfaction, de Benny Benassi, pegando no público que ainda se mantinha firme nas imediações do castelo de Viana. O artista não se poupou no contacto com o público pois frequentemente se dirigia ao mesmo em comentários como “Hey listen up it’s 6 in the morning and you’re still here, let’s party hard!” ou “Thank you the sun is going up!” enquanto este falhava transições às claras. Não entendemos de que forma esta actuação foi considerada um live pois reconhecemos bastantes temas que não são originais do próprio, nomeadamente duas faixas dos D-Devils (6th Gate e Judgement Day), Je N’Existe Pas, de Brutalismus 3000, ou We Live For The Music, repescagem inacreditável de Showtek trazida directamente de 2008, durante a qual tentámos fazer a nossa melhor interpretação do jumpstyle e torcemos um pé.

A verdade é que Reinier lá ia acrescentando uns ruídos ou umas camadas áudio às versões originais dos temas que misturava, tornando tudo ainda mais caricato e, contrariamente ao que sucedera com Indira Paganotto, em que as transições foram praticamente perfeitas e a selecção péssima, aqui resultava o inverso: boa leitura de público, péssima mistura. No entanto, nada disso nos demoveu de apreciar a sua selecção que, afinal de contas, é o que mais importa. Também, às 7 da manhã, o compromisso com a técnica provavelmente sai desvanecido pela maioria dos presentes. Após um suposto final em fade out, Zoonneveld regressa novamente para regozijo do público presente, subindo o volume da faixa enquanto se atira de cabeça à sua melhor interpretação vocal do refrão “I’m still alive”, de Pearl Jam! Sem dúvida um grande momento já perto do final da performance, que findou com o arremesso do seu chapéu para o público.

Coube ao duo BIIA b2b Victoria fechar a noite (ou dia) com mais uma dose de industrialão que sentimos já ultrapassado e desgastante face às altas horas da manhã. Mais linhas melódicas e menos batidão era o que pedíamos já com o sol bem assente nas nossas faces. Faltou originalidade em tanto mantimento.

Cansados da noite anterior, somos despertados neste dia não pelo sol, mas pelos arrufos populares que circundavam a periferia do campismo elaborados em grande maioria pelo activo de ranchos folclóricos de bombos da região. Assistimos também a uma aventurada incursão coral a temas do cancioneiro popular português como “Eu ouvi um passarinho” por parte desse mesmo grupo. Só faltou a alheira e o tinto. Pena que ninguém se tenha juntado ao coro pois a maioria dos festivaleiros espanhóis nem sequer sabia o que passava.

Enfim, despertadores naturais são sempre bons para nos lembrarem de que estamos prestes a entrar num festival esgotado para este dia em específico, encabeçado pelo feiticeiro Jeff Mills.

Ainda ressacados pelo dia anterior, chegamos ao recinto prestes a ver o brasileiro MOCHAKK, muito badalado nos tempos recentes e logo após uma presença igualmente esgotada nos jardins da Torre de Belém, não antes de levarmos com mais uma dose de Lux Frágil: era Rui Vargas que ainda estava em cena.

MOCHAKK é uma verdadeira Locomotiva Ibiza e proporcionou um momento digno de tal magnitude: foi aqui que vimos pela primeira vez pessoas às cavalitas, um mar de telemóveis em punho, as primeiras incursões ao saxofone que ouvimos no festival e ainda um cheiro a perfume que pairava no ar digno de quem cá não esteve na noite anterior ou de quem ainda o tenta esconder. Pedro Maia (o seu nome) deu-nos tudo o que tinha e o público agradeceu. Big room house e tech house para ninguém ficar parado, com direito a uma ténue investida ao piano loop de The Bells e à mistura dos seus temas originais Da Phonk e No Boys Allowed, desde logo muito celebrados pelos presentes.

A festa estava garantida até mesmo em momentos mais indefinidos, como durante um sample infinito de um carro a acelerar antes de Brain Confusion, de GuzBass, ou de um ataque às suas origens culturais através de um electrofunk brasileiro clássico. O UK garage e o jungle também marcaram presença nestas duas horas de set em temas como o club classic Bring Me Down, de Stanton Warriors, ou Incredible, de M-Beat e General Levy, já perto do fim da actução, que terminaria num mood mais tranquilo à bolina de um synthpop em fadeout infinito até este ser rematado com a vinheta Brasil-il-il da rede Globo. Fim de jogo, que o Brasil marcou o golo de ouro.

Empurrados pela maré de gente, rumamos ao palco Heineken Anti Stage para presenciarmos a segunda grande surpresa deste festival. Pelos mesmos motivos enumerados anteriormente aquando da performance de Ivan Smagghe, aqui foi Freddy K que dominou a pista como ninguém o ousou fazer até então, entregando-nos um techno limpo de alta rotação focado na qualidade do som e misturado de forma exímia por uma das grandes mentes do underground. Freddy K foi ali passar techno em vinil sem truques e do modo mais profissional possível. Um set imperial em crescendo que termina precisamente no fim do último tema: sem fade out, sem cortes, sem filtros. Disco no ar e palmas para a mestria.

Segue-se KiNK, em modo live, que nos trouxe um momento pleno de boas vibrações, com recurso a faixas de techno melódico e/ou progressivo com melodias mais ou menos espaciais e samples vocais em certas fases da actuação. Uma música algo convencional que, apesar de estar longe de ser desastrosa, não nos surpreendeu.

A melodia e a cor deixada a pairar no ar após a exibição anterior desapareceram por completo no caso de Chris Liebing b2b Luke Slater, que vieram a Viana do Castelo apenas e só para manter. Aqui não há momentos épicos nem grandes escilações de estados de espírito: as faixas são todas dotadas de uma semelhança inacreditável a nível de bpm, melodia – que era quase nula – e estrutura, sendo os visuais a única coisa possível de serem destacados, sendo estes, de longe, o mais interessante que esta actuação teve para nos oferecer, ora por semelhança aos toques surrealistas de Van Gogh, ora por nos levarem floresta de cogumelos adentro, algo que nos fazia bastante falta durante estas duas horas de mantimento techno prolongado. Esperávamos bem mais deste duo do que somente mais uma sessão de música para viajar na maionese.

É com a introdução de Blade Runner, parece-nos, que o feiticeiro Jeff Mills se apresenta à exorbitante massa de público que o aguardava, de longe a maior do festival, e é por entre esses trechos mais ambientais que este se move durante a primeira meia-hora, sempre com o límpido som do Roland TR-909 a marcar o ritmo em modo gradual até chegar a interpretação estendida da icónica The Bells, sensivelmente a meio do set, sendo este de longe o momento mais celebrado da sua execução. Apesar de o que lhe se seguiu não ter ficado nada atrás a nível de qualidade e exploração rítmica, grande parte da audiência imediatamente se ausentou após a reprodução do hit – não entendemos muito bem a razão para tal. Jeff Mills fez o que lhe competiu com algumas falhas na mistura dos temas e na conciliação da sua maquinaria, como já lhe é característico, fornecendo inclusive um lado mais natural à sua performance, na nossa opinião.

O público acérrimo do “feiticeiro” – aquele que permaneceu impávido e sereno no recinto após a The Bells – é sensivelmente mais velho do que o público-alvo deste festival, que se situa perto do início dos 20 anos de idade. Isso talvez explique a postura do mesmo relativamente a este tipo de sets mais instrospectivos e/ou hipnóticos: Jeff Mills não trouxe o techno do fim do mundo característico à juventude, nem sequer qualquer tipo de sonoridade que se assemelhasse às vertentes mais industriais e pesadas que pessoas com vestido preto e maquilhagem ousassem passar numa qualquer festa de Berlim. Este veio munido por techno clássico de Detroit, com passagens ambientais e hipnóticas, recorrendo a vertentes mais tribais na onda do que se fazia nos anos 90, que talvez não caíssem bem no gosto da juventude que por lá deambula. A verdade é que, não sendo esta a primeira vez que o vemos, este apresentou uma das suas performances mais desafiantes, não tendo saído descurado quem lá foi especialmente para o ver e ouvir. Tudo termina num filtro gigante após uma larga sessão de hipnose. Ainda perdido em pensamentos introspectivos, só penso numa coisa: Make Techno Black Again.

Já em alta rotação, atingimos o clímax com o set milionário de Dax J, a outra grande surpresa do festival, ao nos apresentar um puro techno rápido e físico. Imparável e sem tirar os olhos do deck, Dax J cria a sua atmosfera recorrendo a linhas de teclado desenfreadas, baixos altos, filtro e cá vai disto novamente!

Daí, Klangkuenster chegou munido do mais contemporâneo hard techno possível: um som com graves menos sonantes comparativamente ao set de Dax J, que deixámos a meio contrariados a fim de escrever sobre este último nome, no obstante com mais agudos e bpms mais elevados. As linhas melódicas de Klangkuenster são plenas em emoções apesar de não parecerem à primeira vista, as camadas de ritmos são muito bem metidas e sincronizadas com os tempos de descanso, recorrendo não só a temas hard techno como ao hard house e ao hard trance, nomeadamente a mistura das faixas More & More, original de Kym Ayres, Dreams (Hard Mix), de BK, ou Phatt Bass, de Warp Brothers, imediatamente antes de se atirar a uma remistura em hard trance da icónica Sandstorm, de Darude, o que deixou as milhares de pessoas ainda acordadas em total delírio.

Com o sol quente de Agosto já bem alto, somos surpreendidos por um remix hard techno sublime de Join Me In Death, da banda de rock gótico finlandesa HIM, já no final da actuação, que terminaria com toda a gente que estava no backstage em palco enquanto o produtor e DJ arremessava o seu último tema: Die Welt Brennt, original do próprio, em mais uma sessão exclusiva a pesos-pesados. O público pedia incessantemente por um encore bem merecido, igualmente incentivado pelo próprio artista que saiu e regressou ao palco por três ocasiões, no entanto, nada nos foi concedido, sendo toda a gente varrida para fora do recinto pouco tempo depois, não antes de umas bem logradas fotografias tiradas pelo artista desde o palco.

Já com dois dias de cansaço acumulado, torna-se cada vez mais difícil retornar à vida sem sentir as dores musculares: estamos a entrar na idade do Voltaren – a nossa futura droga favorita – cheios de dores e ainda em recuperação do jumpstyle falhado do primeiro dia seguimos caminho beira-rio durante os habituais trinta minutos em preparação mental para o longo dia que por aí vinha.

Octave One era o que nos esperava no Neo Stage imediatamente após entrarmos no recinto. Uma boa dose ao vivo de techno de Detroit proporcionado pelo duo durante cerca de uma hora de actuação. Escutámos autênticos clássicos originais, como Tiers (Level A) ou Blackwater, que deixou todos em estado eufórico numa autêntica prestação live, sem brincadeiras e sem ludíbrios, sendo possível de ser captado visual e sonicamente todas as adições rítmicas e melódicas acrescentadas pelo duo. Mais uma masterclass de como fazer um bom live de puro techno com maquinaria.

Começando no mais característico minimal techno, Richie Hawtin, outrora conhecido como Plastikman, sabe esticar malhas como ninguém: são 7, 8, 9 minutos a colar o pisto sob muito pequenas alterações dinâmicas a temas semi-perfeitos para uma dança introspectiva e fortuita em pensamentos espectrais, sempre acompanhados pelos já habituais visuais robóticos criados exclusivamente pelo DubLab neste festival. Com o público sempre do seu lado, Richie avança pacificamente sobre uma maré automaticamente rendida à sua técnica durante toda a actuação. Ao nosso lado ouvimos um “VAMOS!” quando o DJ sobe ligeiramente a velocidade após sair de um deep techno meio ambiental em direcção à estocada final: mais cinco minutos (os últimos) de techno a abrir, arrebatando a totalidade dos presentes num partimento absoluto. Sem palavras, apenas techno.

O clima volta a subir de temperatura e andamento conforme o duo FJAAK sobe ao palco, aqui acompanhado por visuais específicos e em modo live, o que quer dizer que esta seria uma hora em que as composições e remisturas originais seriam servidas como prato do dia. E assim o foi.

Em maior euforia, o live começa com breaks descompassados até o primeiro tema original ser desvendado: Tek Tek Tek foi o escolhido para abrir as hostes, seguido por mais uma sessão de techno luminoso. Redemption, outra faixa original caracterizada pela sua linha de acid corrosiva, e Mechanic Love, muito propícia à festa colectiva através dos seus estridentes sintetizadores, foram interpretadas de seguida. Por esta altura a rave estava montada e começam a aparecer os primeiros bucket hats (um dos próprios FJAAK também com um envergado) e camisolas de futebol, das quais destacamos uma do Nani do tempo em que jogava no Manchester United. Após um silêncio inusitado durante o qual os milhares de presentes se manifestam furiosamente, segue-se Gewerbe 15, outra original, para finalizar uma hora de set vencedora e abrir alas à famosa Amelie Lens, que entraria em cena com a plateia bastante aquecida.

E é com todos bem quentes que Amelie Lens entra em palco de braços no ar para ser deparada por absoluto silêncio nos seus primeiros seis minutos de actuação. Os problemas técnicos também quiseram marcar presença no festival e resolveram aparecer aqui. É apenas pelas 5:06h que ouvimos as primeiras batidas de Energize, tema original da mesma, apto para abrir pistas endiabradas e assim seguir adiante com o diabo no corpo que isto não é para descansar. O set continua a percorrer os já habituais subgéneros do progressive techno, techno industrial a piscar o olho ao hardcore e do hard trance, sempre com uma pendente popular bastante activa.

Notamos que o volume das colunas fica substancialmente mais baixo ao longo das horas, não que isso incomode os presentes ou faça a artista deixar de descarregar mais uma dose de adrenalina nos presentes ao solicitar através de um sample vocal algo como “unleash your energy, give me everything”, enquanto lasers verdes fluorescentes irrompem plateia adentro. É com Breathe, outra produção original lançada no ano corrente, que a DJ e produtora se despede dos fãs portugueses. Imediatamente após o término da actuação, escutamos uma rapariga entusiasmada afirmando ao seu acompanhante: “Foi hard techno, hard trance, foi tudo!” e não poderia estar mais correcta. A verdade é que se houvesse um subgénero denominado por power techno, Amelie Lens seria provavelmente a sua protagonista.

A noite, agora já quase dia, prossegue com Josh Wink, que abranda muito os bpm, iniciando as hostes com o seu tema Are You There, uma faixa de acid techno com breaks à mistura, posteriormente convertida num house ainda mais lento pelo próprio ao misturá-la com um minimal digno de um after de altas horas com samples vocais robóticos, informando-nos sobre os efeitos que a música tem no corpo…

Ausentámo-nos para apreciar o live KI/KI, que estaria a começar no Anti Stage, quando somos surpreendidos por uma introdução infinita com teclados de hardstyle para tudo desencadear nuns breaks demoníacos a descambar em juke. Os pratos (ou hats) apenas entram em cena 10 minutos depois, quando somos assaltados pela sonoridade de um aparente trance progressivo. E é nessa pauta de progressão harmónica que KI/KI se mantém quase durante todo o seu live, limpando os nossos ouvidos e ajudando-nos a aguentar mais uma hora de música a caminho das 9h da manhã. Pelo meio, um remix de Billie Eilish e, a finalizar, o icónico clássico Don’t You Want Me, original de Felix, aqui remisturada por KI/KI, a fechar com chave de ouro um set que se pautou sempre por uma vibe eurotrance de qualidade que lá manteve alegres, enérgicos e despertos. Kudos.

Segue-se IMOGEN, DJ residente do famoso Tresor, para uma sessão do pior EDM que já ouvimos em vida. Não entendemos o que lhe passou pela cabeça ao trazer este tipo de música totalmente execrável para ser difundida das 9h às 11:30h num festival em que se exigia que terminasse em grande. A bom da verdade, nem a música nem a técnica estavam presentes. Às tantas lá vem mais um prego salvo por um backspin, seguido por um grave de dubstep/brostep estridente, uma javardice de sintetizadores a soar a mosquitos, uma aventura pelo maximal de há 20 anos versão Deserto de Gobi de tão seco que era, outra incursão pelo drum’n’bass mais comercial possível… enfim, tudo e nada ao mesmo tempo, acompanhado por um som péssimo em que os agudos dominavam a mistura: autêntica poluição sonora. Saímos para nunca mais voltar.

Seguimos para a última actuação do festival e a festa com banda-sonora para exageros matinais continua: minimal techno com vozes robóticas explodem no sistema de som bombardeadas pela palestiniana Sama’ Abdulhadi. Escuta-se a palavra “ecstasy” em loop infinito – apesar de a música não passar dos 120 bpm – e ao nosso lado um homem com um copo de cerveja meio cheio equilibrado na nuca dança como consegue durante uns bons dez minutos. Chegámos à hora dos artistas! E aqui a inteligência é quase artificial conforme mais e mais vozes robóticas irrompem pelos nossos tímpanos enquadrados no mais consuetudinário minimal techno possível.

Confessamos que apenas nos mantivemos na pista pois já estávamos a ser movidos por factores externos à música. Nenhuma destas Djs se mostrou minimamente ao nível exigido para encerrar um festival desta dimensão. Não obstante, um minimal chateia menos que uma amálgama estridente de tudo e de nada como sucedera no outro palco. Pelo menos, os graves estavam lá para nos guiar pelo deserto de emoções que a música transmitia. Tudo termina em árabe com um sample vocal de algo que não descortinamos, seguido pelo primeiro e único encore do festival: mais um minimal techno, desta feita fluindo em direcção ao nada infinito através de umas cornetas árabes. Sama’ abre os braços, junta as mãos com fervor e abranda suavemente até findar de vez com a música no forte. O público resistente bate palmas ao ritmo da música para prolongar ainda mais a experiência, mas de nada valeu. O festival terminou de vez.

Seguimos a ritmo fúnebre para o campismo pelo meio-dia, transpirados pelo calor que já se fazia sentir e tentando encontrar sono onde ele não existe, sabendo que o nosso autocarro de volta está marcado para as 16h. Pelo caminho encontramos famílias transeuntes imigrante, supomos nós, que por lá estão para atingir o pináculo de mais uma cura de vinhos na Festa de Nossa Sra. da Agonia, que acontece na mesma altura. Nessa não estivemos presentes ainda. Talvez um dia. Todavia, estivemos neste festival que se revelou surpreendente – e isto apesar da nossa rodagem e andamento no meio. Citando o fã de Nico Moreno: este Neopop foi mesmo neotop!

Texto por Rosa Maria, fotografias por Luísa Lopes

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