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N’A CABINE #022: NA O MI

27 Outubro, 2019 - 16:00

Convidámos Mariana Pinho, DJ e produtora mais conhecida por NA O MI, para assinar o 22º episódio do podcast N’A CABINE.

Para saber mais um pouco acerca de ti, como explicarias quem é a NA O MI? Como foi o teu percurso até à data e como começou a aventura no djing?
O nome vem do livro Naomi do japonês Junichirō Tanizaki, a história de um homem que tenta tornar uma mulher “perfeita”. É uma reflexão sobre a beleza, a condição feminina no mundo e a projecção masculina sobre essa figura. O nome foi roubado meio por acaso, estava a ler esse livro quando, literalmente, tive de “inventar” um nome de dj. Um amigo convidou-me a tocar a mim e à minha colega de casa, no Desterro. Foi tudo meio a brincar. Na altura tinha comprado um controlador e estávamos as duas a aprender a mexer nele. Nessa altura já ouvia muita música, estava a par das coisas novas que saíam, novas labels, etc. Depois disso só queria tocar, pedia a toda a gente para me deixar tocar nas raves e coisas assim (mas isso demorou a acontecer), não sabia bem o que fazer para “entrar” neste mundo. Mas nunca foi um plano ser dj, aconteceu por acaso.

Depois, uma vez que fui a Berlim visitar uns amigos, estava com o Pedro (marum), que vive lá, e ele falou-me da mina, um novo projeto que iria surgir nesse ano com as pessoas da Rabbit Hole (coletivo do qual eu já estava muito próxima e já tinha colaborado numa performance). E depois acho que nenhum de nós esperava, mas o que começou por ser uma festa para os nossos amigos e para nós que queríamos tocar e não tínhamos lugar na cidade, rapidamente se tornou numa cena enorme e ultrapassou-nos a todos. A partir daí foi tudo rápido porque era uma das residentes da mina e tocava em quase todas as festas (na altura eram muitas) e só depois disso é que me começaram a convidar para tocar noutros sítios.

Tive oportunidade de tocar em muitos lugares e isso foi incrível, aprendi muito, sobre música e sobre mim, as minhas inseguranças e fragilidades. Um club pode muito bem ser o teu consultório de psicanálise se pensares que de cada vez que soubes ao palco e te expões, estás a confrontar-te com o teu medo de falhar, de não ser boa o suficiente ou de não agradar as pessoas. Foi um processo muito importante. Hoje sinto-me mais forte, menos preocupada com o que os outros possam pensar de mim.

Consegues precisar o teu primeiro contacto com a música eletrónica?
Comecei a ir a festas de trance quando estava no liceu e depois a interessar-me pelas free-parties, em geral. Pela música, e sobretudo pela autonomia e liberdade que se desenhava ali. Nessas festas descobri o techno, hard-tekno, acid, eletro, hardcore, breakbeat, drum’n’bass…

Quais as influências musicais que vês como marcantes para ti?
Toda a cena de Detroit me inspirou muito. Jeff, Underground Resistance, Cybotron, Derrick May, Juan Atkins, Electrifying Mojo… Por coincidência legendei um filme sobre Detroit para o DocLisboa na mesma altura que comecei a tocar, aprendi muito. Toda aquela energia e o gosto pelos discos. Há uma parte no filme em que o Jeff está a tocar um disco e a ensinar como olhar para os sulcos de um disco e essa cena é mesmo linda. Nesse filme também descobri o programa de rádio do Mojo “Cycles of the Mental Machine”, é incrível. Depois a cena em UK, do acid-house ao electro, jungle, bass, e toda a cultura dos soundsystem e das free-parties, dos Spiral Tribe aos Total Resistance. E, claro, também referências literárias/musicais que me fizeram viajar para todo um mundo sónico/filosófico/político que é fundamental na relação que tenho com música: o Simon Reynolds, Kodwo Eshun, David Toop, Steve Goodman, Mark Fisher.

Ainda como dj, o que procuras fazer em cada atuação? Como é que preparas um set ou como encaras uma audiência, por exemplo?
No geral, procuro tocar aquilo que me apetece, o que estou a ouvir e sentir no momento. Gosto de misturar coisas completamente diferentes. Prefiro errar num mix mas experimentar tocar uma malha. O que é que importa. No final é sobre as malhas que passas e a energia que estás a sentir. Quando estou a preparar um set, fico imenso tempo a pesquisar música, coisas novas mas também antigas… E isso dá-me muito prazer, o processo é a melhor parte. Depois tocar é incrível, claro, sentir toda a energia dos corpos.

Há um darkside no mundo da música que é desinteressante. É um círculo muito pequeno, tens de fazer parte da máquina e, sobretudo, ser aquilo que esperam que sejas para poderes fazer parte. É competitivo, as pessoas estão sempre a olhar para os teus defeitos. E há uma pressão gigante para estares sempre a tocar e a pôr coisas cá para fora. Parece que tem de ser tudo rápido e visível. Já não é tanto sobre o meio, sobre o teu processo e a tua forma de expressão, mas mais sobre os teus resultados. Num mundo onde a atenção é curta e há uma produção frenética de eventos, tens de ser visível e fazer coisas, se quiseres fazer parte disto. Como nunca me levei muito a sério, isso tudo isso me passa um pouco ao lado. Por outro lado, e como de alguma forma também eu me expus e dei a cara, acho que precisamos agora de entrar numa espécie de greve humana que interrompa este fluxo e que recuse as dinâmicas sociais que estão na base desta dominação.

E a nível individual, em que te andas a focar nos últimos tempos?
No outro dia um amigo leu-me o i-ching e saiu-me a palavra “expansão”. Gostei dessa ideia. Olho para ela no sentido mais psicadélico do termo: de expandir realmente a minha realidade, dar plasticidade à minha imaginação. Comecei agora um doutoramento, na área de etnomusicologia e filosofia contemporânea. Quero concentrar-me mais a escrever, a fazer música, sem pressões. E também experimentar outras coisas, instalações sonoras e cenas menos viradas para o club. E continuar com o DESASTRE, o programa que tenho na Rádio Quântica, que é das coisas que me dá mais prazer fazer.

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