Falta o abraço do amigo demasiado ébrio, as palavras do amigo chato que não sabe simplesmente ouvir a música, o encontrão que enche a camisola de cerveja.
Os clubes fecharam há mais de dois meses. Não me lembro com exactidão da última noite em que dancei ao lado daqueles com quem costumo ouvir, vibrar e fechar os olhos nas mais variadas pistas. Mas há sentimentos que dificilmente se esquecem: foi um momento bonito, como habitual, no qual estivemos envolvidos por completo e como um só numa pista suada, sem passar pela cabeça a vida lá fora. A vida sem música ao vivo.
Também nunca nos passou pela cabeça que, pouco tempo depois, iríamos sofrer com as consequências de uma pandemia, entre elas ficar sem clubes. Se soubéssemos, provavelmente haveríamos de ter organizado uma bela jantarada, uma saída entre amigos, um piquenique num espaço verde. Teríamos feito o esforço por não sair mais cedo da pista naquela última noite, ainda que as dores de costas não perdoassem.
Lembro-me também do brilho nos nossos olhos quando falávamos sobre o Waking Life, concretamente da vontade que tínhamos em celebrar a vida debaixo do sol no Crato. Da vontade de voltar a ouvir um DJ como o Moodymann a abraçar-nos em pleno no Elétrico, ou até de apanhar Beck e FKA Twigs no mesmo dia de Octo Octa b2b Eris Drew, Josey Rebelle ou do “nosso” Arrogance Arrogance no Parque da Cidade do Porto, no Primavera Sound.
É que, como se não bastasse, têm morrido nomes tão importantes – como Florian Schneider, Mike Huckaby, Tony Allen – e nós sem oportunidade de ouvir um DJ (ou até uma banda) a prestar tributo a estes génios.
Muitos agentes da nossa cultura têm feito esforços por levar até nossas casas um pouco da mística que sentimos quando estamos juntos numa pista. Até se consegue, de certa forma, estimular o sentido de comunidade, mas não é a mesma coisa. Falta o abraço do amigo demasiado ébrio, as palavras do amigo chato que não sabe simplesmente ouvir a música, o encontrão que enche a camisola de cerveja. Falta o lado humano destas aventuras, lado esse que é, a par da música, o mais importante numa festa.
Falta o sistema de som límpido, com as vibrações a transformarem os nossos corpos em vassalos de algo muito maior do que o nosso ego. Tenho pensado na importância de dançar como um idiota e vive em mim a sensação de que nunca aproveitei ao máximo a dança ao lado dos meus. É certo que aproveitei, mas, com a falta desses momentos tão ternurentos, é a sensação que paira por aqui, no isolamento de minha casa.
Há um sentimento comum quando se está numa pista, seja de um clube grande ou pequeno, de um festival grande ou pequeno, de uma festa privada grande ou pequena. Há a união, a comunhão entre todos e entre todos e a música. Portanto, casas, promotores e outros agentes de cultura até podem prometer mundos e fundos, mas nós – público, ouvintes, espectadores – no fundo, só queremos uma coisa: amar na pista de dança.
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