AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Crónica

Editorial: Greve de jornalistas e o nosso papel

13 Março, 2024 - 16:44

A Cabine junta-se à greve marcada para esta quinta-feira.

Assinala-se um momento histórico nesta quinta-feira, 14 de março: uma Greve Geral de Jornalistas que acontece, imagine-se, mais de 40 anos após a última convocação por esta classe trabalhadora. E tudo acontece, repare-se ainda, dois dias após o grande despedimento coletivo da Global Media.

Quem vos escreve este editorial vê urgência nesta luta, apesar de, à exceção do trabalho pro bono que tento (e tentamos) desenvolver na A Cabine, ter largado o jornalismo há cerca de dois anos – e definitivamente, diria, a não ser que um dia possa pôr pão na mesa com esta publicação.

No fundo, deixei a área precisamente por algumas das dores e reivindicações feitas pelos profissionais, como é caso dos salários baixos, que estão de longe de satisfazer os turnos longos ou as horas extra que nunca são pagas, da pouca ou nenhuma progressão de carreira e da falta de “condições humanas e materiais para a produção noticiosa”, como se pode ler no caderno publicado a 7 de março.

Não tenho qualquer dúvida da importância do jornalismo para a nossa e todas as democracias. Dirijo um meio de nicho que não terá o mesmo valor para a sociedade quanto publicações profissionais e generalistas têm, mas acredito que A Cabine tem um papel – por mais ínfimo que seja. Logo no início do projeto, por exemplo, escrevíamos sobre querermos dar a conhecer realidades a que muitas pessoas não têm acesso, seja por “razões económicas, geográficas ou tantas outras.”

Num mundo cada vez mais polarizado, também não tenho dúvidas de que exista quem acredite precisamente o contrário de tudo que disse até agora. Mas nunca baixaremos os braços na defesa do jornalismo. E é por isso que, por mais pequeno e irrisório que possa ser o papel da A Cabine, nos juntamos à Greve Geral de Jornalistas, não fosse esta uma publicação periódica registada na ERC e que se vê a si própria como um meio jornalístico.

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Recordo o que escreveu Gil Batista e Ferreira no artigo “Jornalismo Público e Deliberação: Funções e limites do jornalismo nas democracias contemporâneas” (2011): A imprensa deve “pressionar instituições a quem, nos dias de hoje, compete a aplicação dos requisitos – legais e outros – necessários à existência de deliberação democrática – nomeadamente os órgãos de poder político”. O mesmo professor reafirma ainda a “noção da democracia que, ao invés de maximizar o envolvimento popular nos processos de tomada de decisão, assegura antes um papel à participação popular na revisão e avaliação do desempenho das instituições políticas” e acrescenta que o jornalismo tem “o papel de identificar questões de relevância pública que estejam a ser ignoradas por parte das instâncias de governação”.

Tudo isto nos faz pensar no nosso próprio papel. Desde a nossa génese, quisemos ir além do óbvio – leia-se notícias sobre lançamentos ou podcasts – para tentarmos abordar questões mais preponderantes para o estado de saúde da nossa cena eletrónica, chamemos-lhe assim. Mas estamos longe disso, como fica claro na atividade que temos vindo a desenvolver.

Sempre que escrevo um editorial, falo sobre o facto de querermos fazer mais e melhor. Mas mais do que querer, é importante fazer. Não sei se conseguirei ou conseguiremos. O tempo é escasso e é dividido entre um projeto pro bono e a vida secular, que inclui o trabalho que paga a vida.

No meio de tudo isto, as pistas de dança vão, à partida, permanecer onde estão. Seja nos clubes, claro, seja nas ruas, seja nos nossos lares. Esqueçamos quem diz que não há lugar para política no dancefloor, como tenho visto em comentários por esse degredado ciberespaço fora – isso seria ignorar a história. Aproveitemos esses pequenos momentos de verdadeira coletividade. Tenhamos força. Tudo indica que o pior ainda está por vir.

Imagem de capa por Catarina Ribeiro

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