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Entrevista

Lázaro: infância, skate e música. Sempre música

29 Março, 2021 - 12:40

Pedro Geraldes fez de si Lázaro e A Cabine quis saber mais sobre esta transição.

Lázaro: a infância, os skates, a ressurreição e a música, sempre a música. Entrámos em contacto com o artista a propósito da sua estreia a solo com o EP “Introdução à Ressurreição”, e esses foram apenas alguns dos tópicos presentes na conversa. Nome recorrente no panorama musical português, Pedro Geraldes é cofundador da banda Linda Martini, e divide também os seus dias entre a guitarra e o lapsteel em palco, ao lado da fadista Carminho, além de Mão Verde e Água & Sal, ao lado de Capicua.

Nasceu no ano de 1981, em Sintra, e não tardou em render-se à música: ele próprio diz que fez da guitarra “a sua primeira namorada”. Corria as ruas de skate em grupo com os amigos, numa altura em que a cena punk estava bem presente. Entre as voltas que deu antes de chegar a Lázaro, Pedro guarda estudos de Jazz, um mestrado em Design de Som e ainda alguns tempos passados a viver em Barcelona.

Foi em janeiro que renasceu em Lázaro, quando assinou pela Regulator Records um conjunto de “sonoridades eletrónicas combinadas com guitarras etéreas de influência rock experimental e uma componente spoken word poética”, segundo se lê em nota enviada às redações. Em cinco temas, a viagem leva-nos a um pico de euforia demarcado e inspirado numa personalidade real. Mas não é só Hosoi que conjura outras vidas. Presenciamos ainda a lírica de Almada Negreiros e Eugénio de Andrade na “voz visceral e quase irreconhecível” de Mário Viegas, refeita à luz da eletrónica. Sabe tudo na entrevista abaixo.

Vamos começar pelo óbvio: o que te levou a ingressar num projeto a solo?
Eu sempre fui fazendo música sozinho, que depois ia sendo utilizada nos Linda Martini ou noutros projetos em que me fui envolvendo. Mas sempre fui acumulando bastantes ideias e material, portanto, foi só divulgar. A única diferença foi que passei a mostrar. Eu não comecei [agora] a fazer música sozinho, ao fim e ao cabo sempre foi isso que fiz.

Porquê “Lázaro”?
O nome vem de uma banda, aliás, de um projeto de banda que nunca chegou a surgir mas que foi muito falado, com o Pedro Mateus dos X-Acto e dos Sannyasin. Fui colega dele então convivemos um bocado mais de perto e tínhamos esse projeto, em 2000 e pouco. Lázaro nunca viu a luz do dia como banda mas eu adoro esse nome e, a determinado ponto, passei a assumir um pouco esse nome para mim e para aquilo que eu faço sozinho. Como era o nome destinado à banda e a ideia até foi do Pedro, eu falei com ele, obviamente. Ele deu-me toda a força e eu avancei.

Quando lancei as minhas primeiras duas produções, Lázaro, para mim, era como um ressurgimento – há ali alguma coisa que volta a surgir depois de considerado morto. Isto é um bocado um conceito inicial mas aquilo que eu gosto nesse nome é mesmo o facto de que inclui os ciclos da vida, os momentos mais em baixo em que há aquela desesperança e o levantar a seguir. Ou seja, é uma palavra que me leva para muitos sítios e da qual gosto muito. Tenho mesmo várias razões para ter escolhido o nome Lázaro.

Quais são as maiores diferenças entre compôr em grupo e a solo, por exemplo, em termos de organização e liberdade?
Eu sempre fui mais de compôr em grupo, com mais pessoas. Apesar de ter bastantes ideias, às vezes disperso um bocadinho e acho que ter outra malta à minha volta, no meu caso, é fixe porque sentes que as coisas avançam. Um diz uma coisa e outro diz outra e não sei quê, há sempre ali algo a surgir, não é tudo com a mesma cabeça e, nesse sentido, é muito fixe. Adoro compôr com outras pessoas.

A liberdade de fazer sozinho é que é aquilo que mais alicia, no fundo, porque num contexto de banda há sempre compromissos, não é? Umas vezes estamos todos de acordo, noutras é mais “epá, eu não faria assim” mas estamos naquele contexto em que há sempre cedências. E é isso. A cena de tocar sozinho é essa liberdade que te deixa ir para o lado que tu quiseres, tanto para o que isso tem de bom como para o que tem de mau. E eu na verdade sempre fiz isso, a única diferença é que agora estou tipo “people, vou começar a mostrar músicas”.

Qual é a sensação de conseguir ganhar a vida através da música em Portugal?
Pode parecer lamechas mas eu acho que é muito um sonho realizado. Quando eu digo que não acreditava que isso era possível, eu não acreditava mesmo. É uma coisa sincera, eu lembro-me de ser essa pessoa. Pá, eu gosto bué de tocar e aquilo que eu toco também não são as coisas mais comerciais. O mercado português é o mercado português. Agora, está bastante diferente mas há vinte e tal anos era outra coisa. Uma banda como os Linda Martini, por exemplo, também foi uma surpresa, não é? De repente, entrámos no mercado e, ao mesmo tempo que não somos uma banda comercial, conseguimos. Nós, quando começou, quando estreou o EP, também nunca pensámos que a banda pudesse dar esse salto. Portanto é isso, percebe-se que houve trabalho e dedicação e isso é bué fixe. É bom porque te esforças e as coisas vão acontecendo, e tu sentes-te grato por isso. Ao mesmo tempo, é tipo, ainda agora com a cena dos concertos demorarem e tal, estás a ver? É mesmo bué complicado porque os músicos recebem de dar concertos, não é? Mas, pronto, é isso. A vida vai-se fazendo. Mas é um sonho, sem dúvida.

Como vês a atual situação da cultura? Achas que já estava caótica antes da pandemia e, com ela, se deu o ponto de rutura?
Eu não acho que estava caótica. Acho que na Cultura, em Portugal, a nível da música, que é aquilo de que estou mais próximo, estavam a surgir muitas oportunidades para festivais, concertos, programações e muita banda também. Portanto, não a via caótica, até via a Cultura assim bastante viva. Agora, com isto que aconteceu… Pá, estou curioso para perceber como é que isto vai ressurgir. Imagina, vendo-me a mim há 15 anos , numa fase de transição em que estava a começar a ver que a música de perto estava a ser fixe, mas ao mesmo tempo eu tinha um trabalho; de repente, se algo assim acontecesse… Se desse para manter o trabalho, tudo bem, se só estava na música… pode-se tornar mais complicado. E essas bandas e a malta que faz música tem sempre de ter muita convicção. O que eu sinto é que a cultura, a nível de políticas e de apoios, como se fala agora dos 2,5% para a cultura, nunca é contemplada, é sempre uma miséria.

Sentes que existe uma certa desvalorização – talvez quase institucionalizada, diria – deste setor? O que está na origem do problema?
Sim, existe, e acho que é uma mentalidade. Certas pessoas já não têm essa mentalidade, e procuram valorizar a cultura, mas a verdade é que é muito complicado. Com a música, havendo concertos, ainda há trabalho, tanto para músicos como para técnicos e afins, ainda existe um salário. Mas o que se passa é que existem artes que não têm sequer essa possibilidade, e são artes que também deviam ser apoiadas. No fundo, é uma falta de visão não apostar na cultura, mas acho que as mentalidades vão mudando aos poucos. Depois, claro, há a ideia de que não é assim tão fácil por ser um país pobre, mas a pobreza vê-se de várias formas. É falta de visão não valorizar, é só isso.

Dentro do universo desta “Introdução à Ressurreição” e postas as palavras de Almada Negreiros, o que é “viver sem cabeça” para ti?  Achas que vivemos demasiado conscientes nos tempos que correm ou o foco da atenção das massas é que não é o melhor?
Bem, fizeste-me duas perguntas, aliás, deste-me duas alternativas e eu concordo com ambas. É assim, eu acho que o viver sem cabeça, no meu entender obviamente, é uma questão de interpretação, é um bocadinho este despegarmo-nos de nós próprios e da nossa natureza egocêntrica e, ao mesmo tempo, um bocado aquela coisa intelectual, que o próprio autor menciona. É uma coisa quase primitiva, é um bocado isso.

E depois falaste-me das massas, sim. Não sei se vivemos demasiado conscientes, acho que temos muita consciência para umas coisas e pouca para outras. As redes sociais, por exemplo, acho que são pequenas grandes distrações que nos entretêm mas, embora sirvam esse propósito, às vezes também nos distraem demasiado, percebes?

A Hosoi é a música mais alegre do EP. O nome faz referência ao skater? Fala-nos um bocadinho deste tema.
O tema é sobre o Hosoi. Surgiu porque há uma skateshop no Porto que, para aí em 2014, fez uma espécie de exposição e convidou diferentes artistas para fazer algo alusivo ao skate. Eu fiz essa música. Basicamente, a música não estava como está agora, mas estava muito parecida em 2014. E eu falo do Hosoi, que é um personagem do mundo do skate, que agora tem para aí 52 anos, acho eu, e é pastor. Mas ele era uma estrela, era a pessoa que de repente aparecia para fazer uma sessão e levava calções de licra e umas cenas no cabelo; era uma personagem, mesmo. E toda a gente ficava: “foda-se, meu, mas que merda é aquela?”. Mas lá está, era pop. Depois teve um lado muito negro na vida dele, esteve preso por causa de drogas, por ser uma rockstar daquele tempo em que havia muita droga e muita boémia excessiva. Já na prisão, tendo sido um dos maiores skaters de sempre, encontrou uma bíblia, virou-se para Jesus Cristo e entretanto é pastor. Não é que eu me identifique agora, mas acaba por fazer sentido no projeto de Lázaro, especialmente na “Introdução à Ressurreição”.

O que eu fiz para esta música foi ouvir mais entrevistas para meter os samples dele a falar, tentei contar a história de uma forma bastante resumida. E é isso, chama-se “Hosoi” e explora aquela cena no skate de alegria, de curte, de andares e seres criativo e quereres superar e fazer aquela manobra que está quase. Por isso é que também tem aquela boa onda, mais do que as outras duas.

Fotografia por Francesca River

De que gostas mais na tua infância, olhando para trás? Mudavas alguma coisa?
Não, não mesmo. A imagem que eu retenho de todo esse contexto, tipo de uma rua onde a malta toda se encontrava, e eu até era dos mais putos mas era tudo bué boa onda e era um sítio fixe onde havia bué monte e podia correr e de repente já quase não vias a tua casa, mas tinhas que voltar na mesma e era tranquilo… Tipo, o facto de ter crescido onde cresci, para mim, é uma enorme alegria. Porque não sei como seria sido se tivesse estado noutro sítio; às vezes, até imagino como seria se morasse na cidade de Lisboa. Seria diferente, claro. Tenho amigos que moraram na cidade de Lisboa nessa altura e também foi fixe, mas eu… Pá, acho que houve muitas coisas que surgiram por estar naquele contexto. E isso faz-me ter muito apreço pelo sítio onde cresci. Eu era puto, o pessoal ia para lá andar de skate e depois jogavam ao berlinde e aos ferrinhos e, sei lá, faziam essas cenas todas e inventavam imensas coisas! Era bué fixe.

Todo o EP tem um seguimento muito particular. À exceção da euforia de Hosoi, as outras músicas são mais soturnas. Há alguma razão em especial para esta organização?
É assim, eu escolhi a Almada e a Darque porque estavam muito próximas, tinham a voz de Mário Viegas e tinham aquele ambiente épico e aqueles poemas também muito fortes. Mas quando juntei as duas e queria lançar Lázaro, não ia só mandar duas músicas. E já estava com essa ideia de como é que faria, tal como agora estou a juntar músicas e tenho que pensar o que é que faço com elas. Às vezes, o mais complicado é dar o primeiro passo e aquilo foi assim tudo meio repentino. Confinamento e não sei quê, esta história de o Vairinhos também lançar o som dele, mandar um SoundCloud e eu ir lá e ver que também já tinha para lá umas coisas. E foi assim bué: ya, meu, olha, vou lançar isto! Então, juntei essas duas porque têm essa coisa assim crua, negra e, como dizes, soturna. Têm ambas a voz de Mário Viegas e, pronto, foi assim que iniciei essa viagem. Depois, a Hosoi foi mesmo aquela pica de ter gostado bué de ter lançado aquelas músicas. Eu estava num ciclo em que fazia música e deixava em casa. E só depois de lançar a Almada e a Darque é que desbloqueei o próximo passo. Então, deu-me mesmo bué pica o tema da Hosoi, de fechar as guitarras do final, tentar meter aquilo a soar o melhor que conseguia, meter umas samples do Hosoi – ainda se fez um vídeo fixe para variar e tal. Pronto, lancei o vídeo.

Inicialmente, a minha ideia para Lázaro era ir lançando umas músicas conforme fosse fazendo. Mas, na verdade, eu já repensei um bocado isso. Repensei agora, neste momento em que estou a falar contigo. Antes, para aí em novembro do ano passado, como o Vairinhos tem uma editora dele, a Regulator Records, quando eles ouviram essas três músicas, ficaram tipo: “pá, aquelas três malhas, aquilo até faz sentido, dá para ouvir em loop, aquela mesmo sendo bué diferente faz sentido com as restantes” e eu concordei. E a ideia começou a crescer na minha cabeça, mas só três músicas não me estava a fazer muito sentido. O que aconteceu quando o Vairinhos lançou o EP dele, foi que ele convidou malta para fazer remisturas e reinterpretações dos temas dele. Quem fosse fazer, que escolhesse. E eu escolhi a Vénia, na altura, fiz o remix da música dele e gostei mesmo bué, e sugeri-lhe: “pá, não queres fazer uma remistura de uma malha minha e metemos essas duas na cassete?”. Disse-lhe que não havia pressa nenhuma e, passado um bocado, o Vairinhos lá me mandou uma cena e ficámos tipo “bora, está mesmo fixe!”. E pronto, foi assim que se juntaram estas cinco músicas. Depois, o artwork foi um dos meus grandes amigos do Porto, que tem o Studio Dobra que tratou, tal como o embalamento e as letras bonitas e isso tudo.

Este Lázaro tem mais supresas guardadas? 
Bem, já falei do que é o meu plano agora, de juntar as ideias todas que tenho para trás e começar fechá-las. Algumas até já estão, mas ainda há muito que tenho de descobrir. Primeiro, disse que ia lançar músicas avulso. Depois, no outro dia, já estava com a conversa de juntar tudo e depois logo vejo o que fazer. Tenho aqui uma malha que sou capaz de lançar nos próximos meses, mas ainda não tenho certezas. Se tudo correr bem e eu achar que faz sentido, ainda mando uma fatia cá para fora antes de decidir o que vou fazer com o bolo todo das músicas. Mas estou para ver, ou seja,  quando falas de surpresas, é mesmo isso: é não saber o que é que vem aí.

Fotografias por Gonçalo Abreu e Francesca River, por esta ordem

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