“Música para Miradouros” é o mais recente álbum de PMDS, dupla açoriana que nos conta mais sobre a sua história, o arquipélago e o novo disco nesta entrevista.
Versos, quadros, canções. Quanta arte já dedicamos a ilhas ao longo da história? Refúgio para uns, clausura para outros. “Música para Miradouros” é, em parte, um retrato dessa dualidade. Mas mais do que isso, “este é definitivamente um disco sobre os Açores” e sobre a visão dos PMDS enquanto insulares.
Ambiental, cinemático e envolvente, “Música para Miradouros” foi editado pela açoriana Marca Pistola e é resultado de sessões assinadas por Filipe Caetano e Pedro Sousa em quatro miradouros de São Miguel. “A melhor forma de observar a nossa condição [de ilhéus] é de um ponto alto, de elevado horizonte: o miradouro”, contam-nos nesta entrevista.
Sem pós-produção, este é um trabalho que nos traz a música desta dupla inserida precisamente no contexto do disco, como aliás se pode ver nos vídeos que acompanham o lançamento, produzidos pelo coletivo Cactus.
Este é o terceiro longa-duração dos PMDS, cujo nome é sigla para “Processor Modulation Density Sequencer”. Esse foi, aliás, o título do álbum de estreia, lançado em 2011 pela Thisco, que antecedeu “Caloura” em 2021, trabalho com carimbo da Variz que mostra a maturação do som do duo.
Conduzida via email, esta entrevista leva-nos pelos Açores, o processo de “Música para Miradouros” e a história do projeto.
“Música para Miradouros” está disponível em formato digital (em plataformas como Bandcamp) e físico (um vinil duplo acompanhado por postais)
Como descreveriam o “Música para Miradouros” e o que procuraram nele?
Para nós, “Música Para Miradouros” é a concretização em música dos sentimentos que temos em relação à nossa condição de ilhéus. Alguém que tenha nascido/crescido numa ilha sabe o que queremos dizer com isso. A vastidão do mar, que expande e simultaneamente delimita os nossos movimentos e pensamento, a beleza das paisagens (neste caso de São Miguel, nos Açores), a calma, a contemplação e ao mesmo tempo o aprisionamento. Deste modo, a melhor forma de observar a nossa condição é de um ponto alto, de elevado horizonte: o miradouro. Achamos que é por isso que há tantos nos Açores! Frequentemente ponto de visita rápida para o viajante, também serve o residente, numa perspectiva mais lata, contemplativa, catártica, confirmando a vastidão e a clausura insular.
Ainda recentemente, antes deste novo disco, voltei a rodar o “Caloura”. Quais é que são as diferenças que veem como principais desse para o “Música para Miradouros”, tanto a nível de processo como de sonoridade?
Em relação ao processo é diametralmente oposto. O “Caloura” é um álbum de estúdio, cirúrgico, tudo o que lá está é exatamente aquilo que planeámos. “Música Para Miradouros” foi gravado no meio da natureza, com equipamentos selecionados para cada sessão, ligados a um gerador, totalmente “ao vivo” e ainda por cima foi gravado para um two-tracks, ou seja, sem qualquer possibilidade de edição posterior.
Em relação à sonoridade, claro que, partindo de um processo muito oposto, não se obtém um resultado semelhante. Ainda assim, as características sónicas da banda estão lá: ambient, alguns beats, bpms ente os 80 e 110 no máximo, uma música ampla e cinemática. Entendemos que, ainda que diferentes, a nossa imagem sónica está presente e conectada nesses dois álbuns tão distintos.
Conseguem resumir como foi todo o processo de composição deste novo trabalho?
A composição processou-se da seguinte maneira: em cada sessão éramos duas equipas, nós os dois e a equipa de filmagem, que são os Cactus, pessoal fixe de S. Miguel, já com experiência com outras bandas e com o Festival Tremor, e até do trabalho noutras áreas além da música. Acordávamos de madrugada, carregávamos todos os equipamentos para os carros, incluindo um gerador, bem pesado por sinal, e íamos para um ponto previamente combinado. Se quando lá chegássemos estivesse mau tempo, o que não é nada difícil nos Açores, tentávamos ir para outro local onde estivesse melhor.
Depois de montar tudo direitinho, começávamos a gravar e a filmar. Tínhamos o “esqueleto” de algumas das músicas, a tonalidade, o bpm, a estrutura, alguma sequenciação, mas a performance foi totalmente espontânea e livre. Fizemos 2-3 takes de cada faixa para podermos escolher a posteriori, mas, de resto, nada mais havia a fazer. O que ficou gravado ficou, sem possibilidade de nos arrependermos.
Que maquinaria usaram?
Tentámos não repetir muito o gear de sessão para sessãolo para termos resultados diferentes entre as mesmas.
Por sessão, Lombadas contou com Teenage Engineering OP1, Arturia MicroFreak, Marantz PMD222 Tape Loops, Looper, Pittsburgh Modular Voltage Research Laboratory, Roland TR8, Strymon BigSky e Erica Synths Zen Delay. Já em Castelo Branco, há piano, Reel-to-Reel Tape Loops, Looper, Korg MS-10, Roland TR-8S, Korg Kaoss Pad e o Luís Senra no saxofone.
Artura MicroFreak, modular, Marantz PMD222 Tape Loops, Behringer MS1 e Roland TR-8S é o que se ouve na “Pico dos Bodes”, gear idêntico ao usado na Sete Cidades, com exceção do MicroFreak.
O vosso primeiro disco saiu em 2011. São já muitos anos a fazer música como PMDS. Como é que olham para todo este caminho? Quem era a dupla nessa altura e quem é a dupla hoje?
Lançámos o nosso primeiro disco em 2011 pela malta fixe da Thisco. Esse álbum tem alguns elementos de industrial, trip-hop, guitarras e algumas vozes que fomos abandonando, mas, de resto, a sonoridade que nos caracteriza já lá estava. Na altura, as nossas performances ao vivo eram completamente livres, sem estrutura pré-pensada, uma coisa mais punk – tipo logo se vê.
Em 2017, fomos convidados para tocar no Festival Tremor e vimos isso como uma coisa de maior responsabilidade, então preparámos um concerto mais estruturado. O resultado agradou-nos imenso (pode ser visto no YouTube) e isso foi um ponto de viragem no nosso som. A partir daí, os concertos eram preparados com mais atenção e o som foi maturando, culminando no álbum “Caloura”, que ao fim ao cabo é um registo em estúdio de período 2017-2020. A partir de 2021, começámos a idealizar o “Música Para Miradouros” e isso levou muito tempo. As sessões, a preparação, acertar no bom tempo, etc. Neste momento, os nossos concertos ao vivo têm faixas de ambos os álbuns e outras que farão parte do nosso próximo trabalho.
Este é um disco sobre os Açores. Que palavras têm a dizer sobre o arquipélago e sobre o que este representa para vocês?
Sim, este é definitivamente um disco sobre os Açores, ainda que tenha sido gravado apenas em São Miguel. Nós nascemos e crescemos nos Açores e esse isolamento, que antes era ainda maior, tem implicações boas e más. As más passam pelas coisas que chegavam com muito atraso ou não chegavam de todo. Não havia movimentos artísticos, urbanidade, era tudo simples e remoto. Não havia lojas com discos fora do mainstream e nem massa crítica para falar com outras mentes parecidas, ou com quem aprender. Quem tinha discos diferentes pensava diferente e era porque tinha facilidades que não estavam acessíveis a todos.
As coisas boas eram muitas também. Havia tempo para gastar, havia oportunidade de aprender música, havia amizade, proximidade. Depois, as coisas começaram a modernizar-se, mais voos até ao continente, fomos estudar para a universidade, conhecemos outros mundos, também outras sonoridades e tentámos levar parte disso para os Açores.
Mais tarde, passou a haver o Arco8, que era um espaço de música ao vivo / galeria de arte que acolheu muitos projectos locais e de fora. Tocámos muito por lá, ouvimos muito e aprendemos. Como quase tudo não dura para sempre, o Arco8 já fechou. Mas entretanto começaram iniciativas como o Festival Tremor, que tenta promover a música alternativa que se faz localmente, mostra bandas que de outra forma nunca iriam aos Açores, bem como outros colectivos, como o Walk&Talk / Anda&Fala, que muito tem feito na promoção da arte local.
Dos muitos anos que o Filipe Caetano viveu e foi DJ no continente, ficaram muitos amigos e conhecidos. O Pedro Sousa tem uma vida quase dupla, entre Lisboa e os Açores, e hoje é tudo mais fácil, aquele isolamento do passado já não é tão notório. Tentamos fazer sempre 3-4 minitours pelo continente e já tocámos nos Estados Unidos. Queremos tocar cada vez mais e mais longe, mas na mala levamos sempre a sonoridade de sempre, que se relaciona com tudo o que já foi dito.
Vê também o vídeo da sessão para Sete Cidades aqui
Fotografia por Diogo Sousa
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