AUTOR

Diana A.

CATEGORIA
Crónica

Boom: um paraíso entre o real e o artificial

8 Agosto, 2018 - 9:33

Já passou mais do que uma semana desde que o Boom terminou. São sempre dois anos de espera até à próxima edição. Dois anos que custam a passar.

Quando chega o último dia de festival, uma nostalgia antecipada invade o ar. A sensação de que mal toque a última música, ainda faltarão dois anos até poder ouvir a próxima. Mas claro que não é de nostalgias que o festival é feito.

Tanto aqueles que conhecem como aqueles que não, todos têm uma visão diferente. Em especial para os que conhecem, acredito que todos sentimos o festival de forma diferente. Não se pode simplesmente dizer “é isto” ou “é aquilo”, pois depende de um conjunto de fatores que variam de pessoa para pessoa. Conheço quem ame, conheço quem odeie. Eu sou suspeita. Já fui três vezes e não declaro esta última como a derradeira.

O que me faz sentir este festival de forma tão intensa? Para mim há várias coisas que tornam aquele festival único. Em primeiro lugar poderia dizer que é o ambiente. E quando digo o ambiente, não me refiro apenas às pessoas. Uma das coisas que mais aprecio é poder ter a liberdade de estar na paz da minha companhia sem ninguém me chatear. Sem ter de ser constantemente interrompida por abordagens às quais nem quero responder.

Essa é uma das liberdades que aquele sítio nos oferece. No meio de tantos hectares e de tantas áreas distintas, cada um pode fazer o que lhe apetece: conhecer pessoas, dançar, apanhar sol, exercitar, meditar, pôr a leitura em dia, ou qualquer outra coisa independentemente da vontade. Que sensação fantástica é poder fazer justamente aquilo que nos apetece, sem sermos incomodados. Ali é assim. Para cada estado de espírito, há um sítio próprio.

E sim, talvez seja isto que mais aprecio no Boom. Podia vir para aqui dizer que é apenas um festival de trance em que toda a gente está “em altas”, mas estaria a mentir. Percebo que a própria música eletrónica possa ser constantemente associada a drogas, mas essa generalização é errada. Com todas as áreas e práticas associadas ao bem-estar, existe um grande número de pessoas que vai ao Boom e que não quer saber nem de música eletrónica, nem de estupefacientes de qualquer espécie. Essa para mim é outra das magias do festival: poder escolher as minhas vibrações e consequentemente quem as vive comigo.

Relembrando então que o Boom é muito mais do que um festival de música eletrónica, existe uma área chamada Being Fields, onde o bem-estar é o protagonista e todos os dias de manhã à noite existe uma programação variada que inclui meditações, vários tipos de yoga e terapias, workshops, e muitos terapeutas disponíveis para proporcionar as mais distintas experiências aos presentes. E claro que a alimentação saudável está sempre presente nos espaços de apoio.

A juntar a isto, os dias podem ser completos com uma ida “ao cinema” para ver um filme ou um documentário, ou ainda com a participação numa conferência ou discussão sobre temas da atualidade, sendo que o capitalismo e as preocupações ambientais estão na ordem do dia.

Há quem esteja tão mole do calor que nada quer fazer para além de apreciar o belíssimo pôr do sol, que todos os dias é acompanhado com uma salva de palmas. É sem dúvida um momento especial.

Falando novamente do ambiente, é impressionante como no meio de 147 nacionalidades diferentes se consegue encontrar tamanha paz e tranquilidade. Claro que com o passar dos anos as coisas vão mudando, e já há muita gente que frequenta o festival sem se identificar minimamente com os seus valores. No entanto, as conversas espontâneas e as trocas prevalecem, e em três edições não me recordo de ter sentido insegurança e desconforto.

Ainda na temática do ambiente mas noutra óptica, este ano sentiram-se em maior escala as preocupações ambientais. Cartazes que diziam “Earth is not your trash”, entre outros, invadiam as pistas de dança e todo o lixo era acumulado em pequenos montes para facilitar a limpeza. A história das beatas no chão também começou por se tornar um mito, e a verdade é que os cinzeiros são oferecidos à entrada. Esperemos que essa parte do paraíso se mantenha real no dia-a-dia de cada um.

Dando destaque à música, que certamente é a parte que todos conhecem melhor do festival, esta era para todos os gostos. A pista principal, Dance Temple, estava majestosa como sempre. Este ano houve (novamente) uma preocupação em garantir o destaque visual deste palco: durante a noite, com todas aquelas luzes e efeitos super psicadelico-fantásticos, parecia um carrossel. Parecia que estávamos num parque de diversões e que aquela era a montanha-russa para os adultos, com os respectivos loopings. A música, durante a noite, era só para os mais corajosos.

Em alternativa, o Alchemy Circle, com sonoridades um pouco mais leves, oscilava entre o trance progressivo e o minimal, passando por ondas mais tech. Em comparação a 2016, deu a sensação de estar um pouco menos trabalhado, mas a organização continua a tentar expandir o leque, saindo até da música eletrónica considerada mais recorrente. Djs acompanhados de violinos e guitarras é um exemplo do que se ouviu. Os restantes palcos, Funky Beach e Sacred Fire, mantiveram-se iguais a si mesmos, não fugindo muito ao que sempre se propõem.

Para mim, não há muito mais a destacar. Todas estas coisas fazem o festival ser como é, único e especial. Como nada é perfeito, o Boom também não o poderia ser. Poderia começar por enumerar o calor absurdo que lá se sente, os preços ridiculamente exagerados que por lá se praticam ou até as filas para ir ao WC em certas horas. Mas podia ser pior. As casas de banho têm boas condições (para festival) e existe um lago onde nos podemos refrescar durante o dia.

Algo para terminar, que ninguém pode negar: quando estamos por lá, somos todos iguais. Não interessa qual é o contexto de cada um, ninguém está ali para fazer comparações. É a beleza do Boom. O outro lado da questão: muitos são aquilo que mostram, outros apenas preparam a máscara e as vestes para utilizar durante aquela semana. Por isso, cheguei à conclusão que aquele é um paraíso artificial. Enquanto existe é real, mas só de dois em dois longos anos.


Fotografia por Jakob Kolar

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