AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

Dullmea sobre “Lloc Comú”: “Era preciso” que cada convidado “defendesse uma ideia” e “tivesse um universo seu”

24 Julho, 2023 - 13:30

Há voz, mas quase não há palavras. “Lloc Comú” é o mais recente álbum de Dullmea e mostra-nos o poder da comunicação e da linguagem não-verbal, da colaboração e da eletrónica.

Não é de agora que a portuguesa Dullmea explora voz e eletrónica para nos levar até ao seu próprio mundo. Fê-lo na estreia deste nome em “Keter” (2018) e volta a fazê-lo em “Lloc Comú”. Neste caso, podemos ouvir vários mundos, já que a compositora conta com a companhia de convidados que a ajudam a construir um diálogo experimental e enriquecedor.

Para que existisse essa conversa, era necessário que “os intervenientes defendessem uma ideia, tivessem um universo seu, uma linguagem muito sua.” No fim de contas, essa “diversão e experiência” resulta numa “partilha muito específica, muito única”, explica-nos Dullmea nesta entrevista. “Isso é bom, enriquecedor e tremendamente divertido” – não só para uma experiência musical, claro, mas também para o nosso dia-a-dia e para a forma como comunicamos.

Além da eletrónica, muito explorada através de pedais de efeitos, a voz é o principal instrumento de Dullmea. Mas note-se que a compositora formada em violino pela Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo “habitualmente” não usa palavras: um fator que, julga, “desafia/convida a ouvir outros detalhes sonoros, a irmos além daquilo que nos dizem as palavras especificamente.”

É isso que se escuta em “Lloc Comú”. Há palavras pontuais, como as que se ouvem no terceiro tema, mas o ouvinte é convidado a entrar num universo que vive de muitos outros e ínfimos pormenores. Esses são compostos com a ajuda de nomes como Rui Rodrigues e Miquel Bernat, do Drumming GP, Maria João, Pedro Miguel Alves, Tatiana Rosa, Patrícia Lestre ou André Lourenço.

Este é o terceiro disco de Sofia Faria Fernandes a solo como Dullmea, sucede “Hemisphaeria” (2019) e evidencia a vontade de procurar e “criar uma ferramenta de estímulo e sensibilização para a linguagem não-verbal.” Pelo caminho, entre outras aventuras, juntou-se a Ricardo Pinto em “Orduak” (2021) e é precisamente esse nome que colabora com a artista no primeiro tema deste mais recente álbum.

“Lloc Comú” está disponível desde abril passado no Bandcamp. Podes saber mais sobre o disco na entrevista abaixo, conduzida via email em junho.

“Lloc Comú” não é só um disco teu, é um disco recheado de colaborações. Há quanto tempo querias fazer isto e porquê?
Em 2020, com a pandemia que todos conhecemos bem, tornou-se claro para mim que o tema da comunicação é um tema presente nas minhas reflexões, um tema a que acabo sempre por voltar. Foi por essa altura que comecei a apaixonar-me pela ideia de fazer um disco que convidasse a essa reflexão e concluí que a melhor forma de honrar esta temática era precisamente a convidar outros músicos; para este disco não faria sentido restringir a música ao habitual universo a solo de Dullmea.

Como chegaste a esta lista de convidados? O que te levou a estes nomes?
Em primeiro lugar, a ideia de “comunicação” afunilou para a ideia de “diálogo”. Para que este diálogo existisse, era preciso que ambos os intervenientes defendessem uma ideia, tivessem um universo seu, uma linguagem muito sua. Então, não demorei muito a chegar a estes colegas, artistas incríveis, que, independentemente do momento da carreira em que se encontram, são artistas que me fascinam pela sua capacidade de desenvolver uma ideia muito sua num diálogo musical. São artistas a quem sabia que podia dizer “Faz o que quiseres”, sabendo que o resultado seria maravilhoso.

Podes falar um bocadinho sobre o processo do disco? O trabalho de cada convidado foi individual e feito a partir das peças que enviaste a cada um deles? Como se deu tudo?
Eu criei 11 peças que tinham apenas a minha parte do diálogo e depois enviei uma a cada artista, pedindo-lhes que comunicassem com ela – que criassem uma resposta à minha proposta de forma livre, que gravassem a sua parte e me enviassem de volta. Todo o processo foi feito à distância, quase não houve lugar a trocas de palavras – o diálogo foi puramente musical.

As nossas vivências, experiências, cultura e tanto mais influenciam os significados de cada um de nós. De que forma é que, neste “Lloc Comú”, a música é influenciada pela visão de cada convidado?
Cada peça foi criada a meias com o artista convidado, a influência da sua visão foi grande. Ao criar a minha parte da peça, fui deixando espaço para diferentes decisões musicais, mantendo o caminho aberto para que cada artista pudesse trazer o sabor do seu universo para a este disco.

Não é a primeira vez que colaboras com outros nomes. Em 2021, por exemplo, assinaste “Orduak” ao lado de Ricardo Pinto. O que significa para ti partilhas como esta? De que forma te enriquece enquanto artista e pessoa?
A escola dá-nos muitas ferramentas, mas daí em diante, aprendemos continuamente com as pessoas que nos rodeiam – isto é válido para mim enquanto artista e enquanto pessoa. Desenvolve-se técnica, bebe-se uma água nova, agita-se o frasco que estava confortavelmente estável e abala-se de propósito o nosso mundo: não há outra forma de crescer. A aprendizagem e o desenvolvimento artístico são importantes, mas mais importante ainda é a diversão, a experiência. É o criar uma coisa em conjunto e saber que aquilo é o resultado de uma partilha muito específica, muito única. Isso é bom, enriquecedor e tremendamente divertido – repito, isto é válido para mim enquanto artista e enquanto pessoa (“But a poet’s life is his work and his work is his life ”).

Estamos sempre a comunicar. E na arte, claro, isso não é exceção. Como vês a tua música enquanto ferramenta de comunicação? O quão essencial é este meio na tua vida?
A música que faço enquanto Dullmea, habitualmente não tem palavras. Julgo que esse factor, por exemplo, desafia/convida a ouvir outros detalhes sonoros, a irmos além daquilo que nos dizem as palavras especificamente. Os cães fazem isso connosco a toda a hora, conhecem todas as nuances da nossa comunicação; com eles, quase dispensaríamos as palavras. De forma pouco consciente, fazemos o mesmo na comunicação humana, damos uns aos outros inúmeras pistas (inflexões vocais, hesitações, movimentos, posturas), mas continuamos a colocar a palavra no centro da comunicação. Educámos os nossos cérebros a ignorar as outras linguagens, empobrecemos a experiência da comunicação. Ao criar música sem palavras, crio uma ferramenta de estímulo e sensibilização para a linguagem não-verbal.

Fotografia de capa por Olalla Lojo

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