AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

Prestes: “Quisemos retratar o ambiente precário do underground musical português”

25 Agosto, 2023 - 14:31

Tocam há muito tempo e já percorreram vários caminhos, a solo ou em conjunto. Agora, Bruno Martins e José Pedro Santos falam sobre o psicadelismo, kizomba ou zouk que bebem para compor a música com assinatura de Prestes.

Se até lá fora pode ser e é cada vez mais difícil viver da música, imagine-se em Portugal. Mais difícil ainda, no underground nacional. Mas não é por isso que Bruno Martins (Bruno de Seda) e José Pedro Santos (DJ Ideal) perdem a força. Continuam a tê-la, tanto que lançaram em julho o primeiro EP da dupla Prestes, “É Díficil”.

Apesar de este primeiro registo ter sido agora editado pela XXIII, o duo não é novo e foi formado em 2018. Já desde 2021 que espaços como os portuenses Ferro e Café au Lait ouviram a música de Prestes, que pode ser descrita como uma aventura psicadélica de kizomba e zouk (e não só) com sangue portuense. É, no fundo, fruto do interesse que estes dois nomes “foram ganhando pelo movimento musical afro diaspórico”, pode ler-se no comunicado que apresenta o projeto.

Mas é mais do que isso. “Quisemos fazer um retrato do ambiente precário do underground musical português baseado na nossa própria experiência”, conta a dupla em entrevista via email. “É uma espécie de desabafo, digamos assim.”

É daí que vem o título do EP e do primeiro tema. “Durante a composição dessa canção, pareceu-nos que numa das samples que estávamos a usar alguém gritava ao fundo ‘É Difícil!’”, recordam os portuenses. E foi precisamente isso que “serviu de mote” para uma das letras que ambos escreveram em conjunto, embora tudo tenha começado como um projeto instrumental.

A inspiração veio de diferentes coordenadas. Da noite, Bruno Martins e José Pedro Santos referem as portuenses XXIII, Kebraku e Favela Discos ou, vindas da capital, as inevitáveis Príncipe e Enchufada. “Ao longo do anos, fomos assistindo a vários DJ sets dos DJs [dessas duas últimas editoras], quando vinham tocar ao Porto, ou em festivais onde também tocamos.”

E foi precisamente por serem “frequentadores das festas promovidas pela XXIII” e por “seguirem o trabalho deles há já algum tempo” que surgiu esta ligação. “Achamos que faria sentido editar com eles, por isso apresentamos-lhes o EP”, contam. “Eles gostaram da ideia e começamos a trabalhar juntos desde então”, numa ligação que trouxe até a ideia de Cash From Hash rematar o lançamento com um remix à faixa que dá nome ao trabalho.

Ainda sobre influências, a dupla, que partilha também a cada vez mais requisitada banda José Pinhal Post-Mortem Experience, aponta nomes como Tia Maria Produções e Vanyfox quando fala de “composições mais modernas”, mas não esquece a importância que “o zouk e a kizomba dos anos 80 e 90 (Patrick Saint-Eloi, Ruca Van-Dunem, Fernando Kental, Timmy dos Santos, DJ Znobia)” teve para si.

E se também há psicadelismo, é porque é “algo que lhes é natural”: “Tivemos uma banda de prog rock durante muitos anos e nesse percurso fomos fortemente influenciados pelo universo dos sintetizadores dos anos 70 e 80 e por compositores como Manuel Göttsching, Terry Riley ou Mort Garson, mas também por bandas que trouxeram esse género musical para a contemporaneidade, como os Bitchin Bajas ou os Emeralds.”

Mesmo que inconscientemente, as influências têm peso na plantação e colheita de projetos como estes, mas os Prestes não se cingiram a facilitismos ou a cópias. Aqui, “houve um processo longo de experimentação que durou alguns anos”, até porque foi a primeira vez que estes nomes começaram a compor com um DAW. “Além do software de produção musical que usamos para manipular samples e arranjar as canções, usamos bastantes sintetizadores, tanto analógicos como digitais (SH-101, DX7, MS-20, MicroFreak, JX8P)”, continuam. E são todos esses detalhes, claro, que tornam o EP tão especial.

Daqui em diante, a dupla quer “continuar a colaborar com mais pessoas, principalmente vocalistas, tanto em estúdio como nos concertos ao vivo”, revelou em entrevista ao Rimas e Batidas. Já em “É Díficil”, aliás, o duo conta com a participação do cabo-verdiano Claiana e do português Filipe Azevedo no tema Temporada no Abismo.

“Já conhecíamos os dois há muitos anos. Apesar de sermos fãs dos dois músicos e dos respetivos projetos, nunca tínhamos feito nenhuma colaboração. A ideia da participação de ambos surgiu já no estúdio, durante as gravações, por sugestão do produtor do EP, João Moreira”, explicam.

“No caso do Claiana, o Moreira achou que adicionar a voz do Gui numa das partes instrumentais mais longas da gravação iria melhorar a música, e assim foi! Quanto ao Filipe, foi uma situação parecida: faltava algo para fechar a música, e o Moreira sugeriu o Filipe tocar um solo de sintetizador. Ficamos todos muito contentes com o resultado final!”

A ligação com Claiana foi tal que o duo já está a pensar “continuar a colaborar no futuro e experimentar fazer músicas de raiz a três”, disse na referida entrevista ao Rimas e Batidas. Antes disso, há músicas novas que os Prestes “planeiam tocar nos concertos de apresentação” e que devem fazer parte de um lançamento pelo qual se pode esperar “no próximo ano”.

“É Díficil” é apresentado nos dias 14 e 15 de setembro no lisboeta B.Leza e no portuense Café au Lait, respetivamente. Até lá, a vida é um pouco menos difícil com a dança lenta, psicadélica e viciante de Prestes.

Fotografias por Joana (@mjoana____)

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