AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

sús sobre “Entre”: “É uma reflexão sobre abandono e perda diária”

16 Agosto, 2024 - 17:10

Com o folclore português como pano de fundo, “Entre” fala sobre luto e “a natureza processual e cíclica das coisas”. Nesta entrevista, sús conta mais sobre tudo isso.

“Entre” é o primeiro álbum a solo de Susana Nunes, mas não é de agora que a conhecemos. Em 2018, por exemplo, assinou ao lado de Diana Cangueiro “Preamar”, da dupla HAĒMA, uma espécie de antecessor espiritual deste novo disco, editado pela madrilena raso em maio.

As aventuras de Susana estão longe de se ficar por aí, tanto que esteve e está envolvida em projetos como a banda galega Néboa. Natural de Esposende, há uns anos decidiu ir para Copenhaga, onde vive hoje e onde tirou Mestrado em Performance Musical no Rhythmic Music Conservatory, momento que vê como importante no “acesso à experimentação criativa”.

Este novo álbum foi um dos nossos trabalhos favoritos desse mês. Na altura, descrevíamos “Entre” como “soturno mas esperançoso”, uma “vanguarda pop experimental de olhos postos na tradição portuguesa”, algo que sús explica melhor agora pelas suas próprias palavras.

Lê abaixo a nossa conversa conduzida via email.


“Entre” está também disponível em versão física, em vinil

Como tens estado desde o lançamento de “Entre”? Como tem sido o teu dia-a-dia e a recepção ao disco?
Tenho estado em movimento! Estive em Portugal e em Espanha para uns concertos de apresentação do disco com algumas outras coisas pelo meio e acabo de regressar a Copenhaga, então o meu dia-a-dia tem sido bastante diverso. A recepção ao disco tem sido muito boa.

Em “Entre” parece haver um lado soturno, quase de luto. O que te inspira a chegar a esta forma de expressão?
Acho que a perda é um lugar presente no disco; um pensamento sobre a natureza processual e cíclica das coisas. Além dos meus próprios processos de luto e de um confronto desde cedo com a morte, há também o lugar das tradições do luto no contexto português (o meu, mais concretamente no Minho) e no geral uma reflexão sobre o abandono e a perda diária daquilo que deixa de fazer sentido ou ter espaço.

Como é que descreves este álbum? Nas tuas palavras, “Entre” é sobre o quê?
Eu gosto muito de palavras, do carácter simbólico que abarcam e da pluralidade de sentidos que podem oferecer. “Entre” é um convite ao mesmo tempo que é a referência a um espaço relacional; acaba por ser um encontro, um ponto de contacto. É um disco sobre os meios, as transições, as ligações, as fendas – as paredes e membranas que também unem o que separam – e no fundo é um disco sobre relações entre pessoas, palavras, espaços, memórias e tudo mais.

Cantas sobre curar males no primeiro tema, embora seja uma canção tradicional. Que males são esses?
De alguma forma é uma invocação à cura e ao canto enquanto ferramenta de cura de algo maior do que os males individuais; sem pretensão de curar os males do mundo, mas, ainda assim, com o romantismo e a esperança de que os males do colectivo tenham no mínimo uma melhoria. Indo até ao outro extremo do disco chegamos até à cicatriz. Acho que as duas falam sobre as dores e as mazelas, e vão dar ao lugar da ferida enquanto potência.

Creio que este trabalho é praticamente todo composto por ti. Consegues recordar o processo de produção e como se deu tudo?
Acho que a melhor descrição deste processo é: uma montanha russa. Foi um processo bastante longo e tempestuoso, mas com muitos dias de sol pelo meio! Compor, escrever e assinar a produção foi exigente mas também empoderador.

O meu processo é possivelmente um pouco caótico para quem o vê de fora, mas existe uma organização no meio desse caos. O esqueleto das canções acontece em fluxo, mas a produção é sempre durante um período mais alargado – é um período de experimentação e descoberta alimentado pelo meu contexto e pelas minhas contemplações existenciais.

Talvez não concordes, mas escrevi que este é um trabalho de “vanguarda pop experimental de olhos postos na tradição portuguesa”. Em que medida está aqui o nosso folclore presente? Haverá algo disso no canto que se escuta, por exemplo?
Para mim a ligação à tradição existe sem dúvida como influência. As referências existem tanto no cantar como em pequenos samples ou ideias. Acho que é sobre a força gravitacional também – ainda que algumas das canções sejam bastante etéreas e flutuantes, outras são bastante enraizadas, com o peso e a melancolia de quem nasce à porta do Atlântico.

Fizeste ou fazes parte de Haēma. Já passaram 6 anos desde “PREAMAR” e, caso faça sentido, gostaria de saber o que é que nesse período te leva desse trabalho até este “Entre”.
Sem grandes dúvidas que “PREAMAR” foi um pré-“Entre”. Acho que “PREAMAR” é um disco de quem olha para a maré alta em contemplação e “Entre” é um disco de quem mergulhou e saiu encharcado. Aconteceram muitas coisas nestes seis anos. Antes que me alongue demasiado, acho que, acima de tudo, aconteceu a minha vinda para Copenhaga e o acesso à experimentação criativa que o mestrado me permitiu aqui.

Sair do meu contexto trouxe também um encontro com outras partes de mim e da minha relação com a raiz e as origens.

Como surge a ligação com a editora madrilena raso?
A ligação com a raso começa na colaboração das Haēma com o Baiuca e vai dar também aos Néboa, uma banda galega onde comecei a fazer coros e acabei a ser vocalista. Quando este novo trabalho começou a tomar uma forma mais concreta, falei com a raso para abrigar o disco, e cá chegamos!

Fotografia por Julie Montauk

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