Foram muitos os corpos que dançaram dentro das muralhas do Castelo de Montemor-o-Velho nesta sexta edição de Festival Forte. No fim, ouviram-se queixas que nos obrigam a refletir sobre o futuro deste festival icónico.
É desde 2014 que as muralhas e jardins do Castelo de Montemor-o-Velho se tornaram a casa de milhares de pessoas, ávidas de dançar, com a organização do primeiro Festival Forte. Marcado pela vertente techno, afirmou-se rapidamente como o evento que todos os ravers assinalam como “imperdível”.
Muitas das pessoas com quem falámos disseram-nos que se recordam perfeitamente da primeira vez que ouviram Ben Klock, Rødhåd, Donato Dozzy. Ali, no Forte. As memórias marcantes de todos aqueles que, ano após ano, subiram a longa escadaria, passaram a igreja de Santa Maria da Alcáçova em direção ao palco, para se deixar levar numa viagem eletrónica.
A isso chamamos de felicidade. A felicidade de quem encontrou no Festival Forte uma casa, repleta de pessoas com quem partilham as mesmas emoções vibrantes e que juntos formam uma espécie de energia comum, potente, que se sente na pele quando dançamos de olhos fechados naquela pista de dança.
Tivemos essa sensação com Jonas Kopp e o seu novo espetáculo ao vivo “Pleiadan Key Tones”, que encaixou como uma luva nas pessoas que já se encontravam na pista de dança. A partir de texturas ambientais, o set foi progredindo para techno industrial numa viagem que foi crescendo de força, potenciado pela energia trocada entre o público e o dj.
Já os Neon Chambers (Kangding Ray e Sigha) trocaram as voltas ao público com um techno repleto de ambient, tocado em formato live. Coesos, são artistas que exploram vertentes menos ritmadas e mais melódicas, deixando uma certa curiosidade no ar mas ao mesmo tempo uma certa ansiedade. Afinal, a noite já tinha começado e os corpos sentiam a necessidade de se mexer mais livremente.
Por volta das 3h, subiu ao palco o dono da editora Warm Up, o inconfundível Oscar Mulero. A sua personalidade não-conformista é vivida pela música que passa variando do techno dos anos 90 para o experimentalismo para o contemporâneo, numa viagem sónica que fez as delícias de quem se deixou levar.
Polar Inertia – um dos nomes que tínhamos mais curiosidade ver ao vivo – afirmou-se como um nome a ter no radar. Obscuro, desde 2010 que interliga vários estilos de arte em inúmeras plataformas, tendo a música como base. Numa atuação live, um membro do projeto deu a conhecer a sua poderosa vertente ambiente, que por vezes deixava algo a desejar como ao mesmo tempo era capaz de nos surpreender. Essa ambiguidade deu uma energia ao set que poucos outros artistas conseguiram ter.
No seguimento, o duo italiano Boston 168 trouxe rastos de acid techno para o castelo de Montemor numa atuação que deixou algo a desejar, mais pela hora tardia em que atuaram do que pela prestação em si.
Uma das maiores desilusões foi Paula Temple. No domingo, a britânica subiu ao palco principal à hora marcada para encerrar a edição deste ano e esperávamos ver o techno barulhento e fantasmagórico que nos habituou ao longo dos anos. Infelizmente, tivemos direito a duas horas extremamente desconexas onde a energia sonora esteve mais próxima do trance do que qualquer outra vertente. Para muitos terá sido o caminho certo para encerrar uma noite complicada. Para outros, deixou muito a desejar.
Um dos melhores sets desta edição ficou a cabo do português Amulador, reconhecido nome da praça nacional, que durante três horas (imprevistas mas já explicamos à frente) levou o público numa viagem com várias mudanças de bpm, intercalando melodias e batidas contundentes pela noite dentro. Um nome seguro para uma noite que acabou por ser bastante imprevisível e que, de certa forma, mancha a reputação do Forte.
Não podemos esconder o facto de que esta edição ficou marcada pelo cancelamento da maior parte dos artistas escalados para sábado e domingo, com acusações de falta de pagamento de cachet por parte da organização. Dentro do festival, foi impossível fugir às conversas sobre o tema. Entre reclamações e pedidos de explicação, o que começou como uma pequena fagulha rapidamente se transformou num incêndio e expôs falhas que se temiam presentes desde o ano passado.
O cancelamento de tantos artistas, já em cima da hora das respetivas atuações, é sinónimo de falta de coordenação por parte de quem organiza o evento, retirando valor ao festival a nível mediático, mas mais do que isso, retira valor ao público – uma grande fatia era estrangeiro – e às suas expectativas. Recentemente, o promotor do festival Ilídio Chaves explicou que o Forte é um festival “que não nada em dinheiro” e que “não tem sido possível fazer todos os adiantamentos de pagamentos pelas atuações, como é comum os artistas exigirem”.
“Já informámos as agências e os artistas que vamos fazer os pagamentos à medida que recebemos o dinheiro da bilheteira. Não vamos falhar qualquer tipo de pagamento e vamos cumprir todas as nossas promessas, por mais dificuldades que tenhamos”, acrescentou à agência Lusa. Também disse aquilo que muita gente pensou logo em 2017 quando foi lançada a campanha de crowdfunding “Save The Forte”: a continuidade do festival vai ser debatida.
O Festival Forte é um marco dentro da subcultura techno nacional que merece ser estimado e trabalhado com a mesma dedicação que outros grandes eventos. Não pode deixar de aproveitar um espaço tão emblemático como o Castelo e as suas diferentes zonas como o jardim e a igreja. Não pode ter problemas com pagamentos a artistas confirmados. Não pode permitir que falhas (que acontecem a todos) se transformem em evidências de erros previsíveis.
O Festival Forte merece mais empenho e os amantes do Festival Forte merecem um festival com melhor organização.
Fotografia por André Teixeira
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