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Entrevista

Jorge Caiado: “Após este disco, consigo olhar para o que quero fazer de forma mais clara”

10 Janeiro, 2020 - 12:05

Estivemos à conversa com Jorge Caiado, DJ e produtor que se prepara para editar o seu álbum de estreia, “Time & Space”.

Este título é revelador da dedicação que o lisboeta teve durante os três anos que demorou a gravar o seu primeiro longa-duração, “Time & Space”. Em entrevista à A Cabine, Jorge Caiado conta que o processo criativo deste novo álbum foi-se misturando com uma vontade de apresentar ao público a estética musical que o torna singular, ao mesmo tempo que descobriu novas texturas musicais que lhe abriram novos horizontes.

Mas, como se sabe, este não é o primeiro trabalho do DJ e produtor – em julho de 2019, por exemplo, lançou “Mad Chords EP”. Patrão da loja e editora Carpet & Snares, importante peça da cultura eletrónica portuguesa, Jorge Caiado é também um dos nomes por trás da Groovement, label responsável por este álbum, ele que foi um dos poucos portugueses a estudar na reconhecida Red Bull Music Academy.

“Time & Space” é a concretização de um objetivo: a afirmação de Jorge Caiado como um dos nomes a manter debaixo de olho na música eletrónica em Portugal. Enquanto o trabalho não é editado – o lançamento está marcado para este mês de janeiro – lê abaixo a nossa entrevista, onde são explorados vários tópicos no âmbito deste álbum de estreia.

“Time & Space” é o nome do teu álbum de estreia, que demorou vários anos a ser concluído. Porquê esta demora, se é que se pode chamar isso?
O álbum começou a ser escrito em 2017, na mesma altura em que fiz uma tour na Colômbia – aliás o primeiro tema, Nasha’s Groove, foi idealizado ainda em Lisboa e os restantes temas durante a viagem e estadia na Colômbia (fiquei lá 15 dias entre várias cidades).

Após o desafio do Rui Torrinha (dono e fundador da Groovement) para fazer o álbum, deixei todas as ideias que tinha criado durante esta viagem repousar um pouco até voltar a elas e concluir o processo criativo para depois começar a regravar tudo em casa no meu estúdio com as máquinas e equipamento que queria. Desde o início, após ter percebido que tinha já na cabeça uma ideia conceptual para trabalhar o disco, que ficou mais claro todo o processo que tinha que percorrer até finalizar o álbum.

Durante o ano de 2018, regravei tudo o que tinha começado em viagem. A verdade é que nunca tenho muito tempo seguido apenas no estúdio, com a loja, gestão das editoras, programa de rádio, gigs, fica difícil tirar tempo exclusivo só para produzir. Por isso foi uma coisa feita consoante a disponibilidade da altura. Durante 2018 tive a oportunidade de fazer os arranjos, regravar os instrumentos e produzir os temas para que ficassem já muito próximo do que queria que fosse o resultado final. No final de 2018 e início de 2019 juntei as peças que faltavam ao puzzle que tinha idealizado, que era incorporar dois músicos para trazer a orgânica que pretendia para os temas. Convidei o Paul Cut (músico, DJ e produtor parisiense) para tocar alguns solos e acrescentar algumas camadas harmónicas aos temas e o Theo Thornton (grande amigo e músico português) para tocar percussões em boa parte das músicas, trazendo uma textura e uma dimensão à secção rítmica que faltava. Logo após as sessões de gravação passei à fase final de mistura dos temas já com todos os elementos e depois enviei para masterização e prensagem.

Este projeto é uma amálgama do conhecimento sonoro que tens vindo a adquirir como DJ ou é um agrupamento de todas as tuas vontades artísticas?
Posso dizer que em certa parte é um bom resumo entre as minhas raízes e influências e a forma como acho que isso pode conjugar com a música de dança contemporânea. Basicamente fusão entre o jazz, o house mais clássico e o minimalismo e futurismo da música eletrónica.

O álbum explora várias vertentes house, remisturadas com jazz. Sabias que querias explorar essas vertentes ou o processo criativo foi-se construindo com o tempo?
Após compor a Nasha’s Groove percebi que através das mesmas ferramentas conseguia e queria explorar mais ideias e texturas (com a mesma palete de “cores”), daí o resto do álbum ter saído com alguma facilidade e naturalidade. As ferramentas a que me refiro são por exemplo o uso transversal a todo o álbum de pianos elétricos (Rhodes, Wurlitzer, etc), o facto de ter recorrido muitas vezes a arpeggios em modo “free” de forma a passar a liberdade melódica do jazz, entre outras coisas.

“Time & Space” conta com a participação de Paul Cut e Theo Thornton. Como foi trabalhar com estes dois nomes? De que forma é que te auxiliaram na construção do álbum?
Como mencionei em cima, o convite surgiu pois senti que eram as peças que faltavam para concluir o álbum da forma como o tinha idealizado. O Paul é um incrível pianista de jazz que conseguiu de forma sublime trazer toda essa escola para o disco ajudando-me com os solos e algumas camadas que elevaram a complexidade harmónica das músicas. As sessões foram super rápidas e eficazes, eu sabia muito bem o que queria e o Paul conseguiu responder de forma exímia. Igual aconteceu com o Theo, as sessões foram rápidas e o resultado obtido foi logo o procurado. Ambos os contributos ajudaram a aproximar-me mais da música acústica de forma a que a fusão da eletrónica com o jazz tivesse acontecido como tinha imaginado.

O que é que querias alcançar com “Time & Space”?
Do ponto de vista criativo, a ideia era criar um álbum que pudesse ser ouvido em casa de uma ponta a outra e ao mesmo tempo tentar encontrar alguns temas híbridos que pudessem ser escolhas para DJs tocarem em clubes para pistas de dança. Fundir jazz com o house já acontece há muitos anos, por isso o desafio de o fazer de forma fresca e a respirar a música contemporânea foi um dos grandes desafios, mas fiquei muito contente com o resultado final.

Do ponto de vista do impacto, gostava que quem já conhecesse o meu trabalho visse este álbum como um disco especial, mais do que um maxi de house mas como um culminar de vários anos a editar música de dança, querendo criar algo diferente na medida em que mostra um lado meu criativo até à data não tão óbvio. Para quem ficar a conhecer-me através deste disco, espero que desperte o interesse no sentido inverso, isto é, conhecer o meu lado mais clubbing e a forma como todas estas influências acabam por servir de base não só para o meu trabalho enquanto produtor, mas também como DJ.

Sentes que ao lançar o álbum, é um encerrar de uma fase e estás a caminho começar um novo percurso musical, com novos ventos de inspiração?
Não sinto que encerre uma fase, mas claramente foi o culminar de vários anos a tentar encontrar-me enquanto produtor. Sinto sim que, após este disco, consigo olhar para o que quero fazer de forma ainda mais clara e sem dúvidas que serviu como um trigger para continuar a produzir mais e mais. Já tenho em curso projetos onde estou a usar parte da experiência que foi trabalhar neste álbum, mas com intenções e objetivos diferentes. A mutação de um artista é para mim das coisas mais interessantes que se pode observar enquanto ouvinte/seguidor. Estar em constante desafio e procurar sempre caminhos novos com base no que já foi feito pelo próprio e a forma como essa experiência o levará a um resultado único, é incrível para mim. Do ponto de vista estético, sinto-me mais livre do que nunca e sem grandes pressões internas porque desde que comecei um alter-ego/projeto novo o ano passado – Conversion, que serve de output para todas as excursões mais “technoides” e experimentais – que simplesmente deixo-me levar pelo o que o momento em que estou a passar me estiver a influenciar. Se for mais housy, minimalista e jazzy certamente continuará a ser editado em nome próprio, tudo o resto, tenho abertura como Conversion para editar e não confundir as pessoas.

“A mutação de um artista é das coisas mais interessantes que se pode observar”, reflete Jorge Caiado (fotografia por Rúben José)

Tens um percurso impressionante na cena eletrónica nacional. Produtor executivo da gravadora portuguesa Groovement, gerente da famosa Carpet & Snares Records em Lisboa, apresentador do programa de rádio “Uma Espécie de Azul” na Oxigénio. Sentes que este álbum de estreia é a representação da versatilidade da tua vida profissional?
Sim, com este disco consegui de alguma forma montar uma linha transversal entre todos os projetos em que estou inserido. As raízes da música negra e o house mais clássico foram sempre a imagem com que as pessoas me reconheceram desde o início da minha carreira. Hoje em dia, através da música que publico em editoras, da música que escolho para vender na loja, das escolhas semanais para o programa de rádio e dos próprios gigs que vou tendo, passou a ser mais consensual (ou pelo menos assim espero) que o meu universo musical não é só o house e que tanto me enquadro num contexto mais minimalista como numa festa/editora/showcase de techno ou electro.

O lançamento do álbum ocorreu no Lux Frágil. Qual foi o nível de ansiedade, se é que ele existe? Quais eram as tuas expectativas e como é que correu?
Confesso que as expectativas eram altas na medida em que foi uma noite/evento muito importante no meu percurso artístico. Para além de ter acontecido no Lux Frágil, melhor clube em Portugal e um dos melhores do mundo, foi o culminar de todo o processo do “Time & Space”. Desde o momento em que comecei a compor o primeiro tema até ao último ensaio com os músicos antes do soundcheck. Os níveis de ansiedade eram altos e a expectativa de ver a reação das pessoas às músicas na íntegra (porque até então só os snippets estavam disponíveis) era muito grande.

Qual foi a resposta do público ao ouvir o álbum ao vivo pela primeira vez?
Felizmente não podia ter corrido melhor, tivemos sala cheia (numa quinta-feira!), muitos amigos e caras conhecidas e um apoio e feedback incrível de todos. Senti-me muito acarinhado, uma vontade muito grande de todos em ouvirem o disco final e perguntarem logo por mais atuações pois tinha sabido a pouco de tão intenso que foi.

Qual é a tua faixa favorita do álbum e porquê?
Já me perguntaram isso algumas vezes, e a primeira que me vem sempre à cabeça é a Nasha’s Groove, não só porque foi a primeira ser escrita e que serviu de mote para o resto do álbum, como carrega um valor sentimental muito grande pois é um tributo à minha cadela Nasha, que faleceu recentemente e que me acompanhou durante 14 anos para todo lado e sempre foi mega companheira de estúdio. Este tema também foi o escolhido para servir de 12’’ single/EP do álbum que saiu a semana passada e que conta também com uma remistura do produtor e DJ francês Brawther, assim como com dois temas exclusivos que fazem parte do universo criativo do álbum mas que não vão integrar a edição física do mesmo.

Onde é que as pessoas podem ver e ouvir-te ao vivo, com este novo projeto? Já tens datas programadas?
Estamos a trabalhar uma data para o Porto em fevereiro no mesmo formato live/concerto e depois iremos tentar ir um pouco de norte a sul, talvez mais em contexto de festivais, mas ainda sem nada marcado. Como DJ estarei em 2020 bem mais ativo que este ano (tive que abrandar pois nasceu o meu primeiro filho) e já existem gigs marcados tanto para Portugal como para o resto da Europa. As datas serão anunciadas em breve nas minhas páginas.

Fotografias por Rúben José

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