AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

Rabu Mazda: um mago que faz da música magia

22 Março, 2021 - 16:44

Chama-se Leonardo Bindilatti, é o nome por trás de Rabu Mazda e “gosta de fazer música porque sente que não há regras, há liberdade”. Falou com A Cabine a propósito do último lançamento e revelou também outros detalhes sobre a sua aventura enquanto músico.

“Então, acende o baseado”, ouve-se num dos muitos samples presentes no mais recente trabalho de Leonardo Bindilatti. E esse pode muito bem ser um dos mil contextos em que “Tá Sempre Pegando Fogo” se mostra especialmente aprazível. Afinal, o cientista Rabu Mazda transpõe anos de investigação para um disco que nos põe a dançar de duas formas – levianamente, sem atentar aos detalhes, ou de mente colada em cada uma das incógnitas desta tão vanguardista equação.

Mas esta passagem pela Discos Extendes, disponível desde o início do mês, não marcou a primeira vez que Rabu Mazda nos mostrou aquilo que anda a fazer no seu próprio laboratório, afastado de colegas com quem trabalha em oficinas como a Cafetra Records. No ano passado, “Todo Mundo Sabe” foi o primeiro lançamento a solo originado por esses experimentos. Com selo da brasileira 40% Foda/Maneirissimo, a editora antevia já o peculiar e viciante resultado da exploração que o alias de Bindilatti realiza no computador.

Filho de pais brasileiros, Leonardo nasceu em Portugal e foi na Rinchoa, na linha de Sintra, que passou a sua infância, sempre em conexão com a música. “Os meus amigos eram maioritariamente de ascendência africana, então acabei por ouvir muito as músicas que eles traziam para a escola: cenas como Hélder, Rei do Kuduro e Sebem, muito rap e, óbvio, para além disso, o que quer que estivesse a dar nos canais de música da TV”, escreve-nos o próprio.

Não é por acaso que Rabu Mazda é sinónimo de uma amálgama de influências sónicas. Desde cedo em contacto com sonoridades de várias partes do mundo, guarda também contacto com a música brasileira. “[Foi] principalmente por causa da minha mãe, que tem uma memória infindável de músicas da sua juventude”, conta-nos.

Tanto a influência externa como a do seio familiar foram importantes para o crescimento enquanto músico. Pelas primas, que cuidavam de Leonardo Bindilatti “enquanto os pais estavam a trabalhar”, conheceu o universo do nu metal, do grunge e de “cenas do fim dos 90s e inícios dos 2000 que eram populares na altura”. Já o primeiro instrumento chegou aos 9 anos. “O meu pai deu-me uma viola porque eu tinha dito que queria começar a aprender”. Depois, através do namorado de uma prima, aprendeu dois riffs que tocou “vezes sem conta”, até que se fartou. “Só voltei a pegar na viola e a tocar quando fiz 12 anos”, confessa.

Um ano depois, aos 13, com algumas aulas pelo caminho, Bindilatti passou para a guitarra elétrica e aí começou a sua “fase mais rockeira”. Aos 15, juntou-se a Lourenço Crespo, com quem hoje partilha o irreverente duo Iguanas, Francisco Correia e Hugo Fernandes para formar a sua primeira banda, Kimo Ameba. Com estes mesmos nomes, viria a fundar a Cafetra Records, juntamente com amigos de uma outra banda, Os Passos em Volta.

Poderá dizer-se, então, que foi desde cedo que Leonardo Bindilatti pavimentou o seu caminho como músico. A vontade de criar está presente na sua vida desde que se entende por gente: o seu primeiro projeto foi uma “brincadeira de putos” com uma amiga no 2.º ano, “uma cena meio hip-hop e R&B”. “Escrevíamos umas letras e fazíamos umas coreografias como os videoclipes que viam na TV”, relembra.

Volvidos todos estes anos, Leonardo nunca parou. Já fez parte de projetos como Go Suck A Fuck, Kridinhux ou a dupla Rabu Mazda & Van Ayres, e é ainda hoje uma das peças da referida dupla Iguanas e da banda punk Putas Bêbadas, que tem um novo disco a caminho. Recentemente, é a solo que tem chamado a atenção, mas esta aventura não é de agora. “Na verdade, acho que [Rabu Mazda] é o primeiro projeto que tive porque sou eu a tocar e a experimentar as minhas ideias na música tanto na composição como na produção”, explica. Na altura em que Leonardo começava a “tocar guitarra sozinho no quarto e a gravar com o microfone no computador”, Rabu Mazda nascia também.

“Já passei por várias fases, mas só nos últimos dois anos é que decidi que estava na altura de deixar as inseguranças de lado e começar a editar a minha música a solo”, aprofunda Bindilatti. “Custava-me lançar a minha música porque pensava sempre que podia ficar um bocado melhor do que aquilo que estava”. À medida que o tempo passava, também Bindilatti se ia cansando das músicas. “Acabava por nunca lançar nada”, refere.

Ainda assim, o músico, que também trabalha como engenheiro de som em alguns lançamentos da Cafetra e da Xita, diz sentir-se “contente com o trabalho” que tem desenvolvido e acredita que essa incerteza “também fez parte da aprendizagem”. Por esse motivo, não se censura por “ter feito as coisas assim” e acredita que fez “as coisas como tinham que ser feitas”. E, no caso dos seus dois primeiros discos a solo, é possível ouvir o quão certeira foi a decisão de os pôr cá para fora para nos fazer dançar, e não só.

Sobre o processo de aliar tantas inspirações numa só poção e sobre a premissa de fazer dançar deste disco, Mago Mazda diz acreditar que tudo parte “principalmente de uma vontade de fazer música de que gosta de ouvir”. “Para estes dois discos, [‘Todo Mundo Sabe’ e ‘Tá Sempre Pegando Fogo’], a minha intenção era fazer música de dança, sim, mas acho que não são músicas só para pista de dança. Gosto da ideia de que podem ser músicas para se dançar numa festa como para se ouvir em casa. Gosto de fazer músicas que transmitam um certo positivismo ou que tragam uma energia meio nostálgica a quem as ouve”.

“Tá Sempre Pegando Fogo” vai “um pouco” ao encontro do disco lançado pela 40% Foda/Maneirissimo “porque estas músicas foram feitas com algum tempo de diferença umas das outras, mas foram feitas com a mesma linha de raciocínio, que era fazer música de dança e acabar músicas que estavam paradas no computador há muito tempo, e tentar fazer algo de novo com essas ideias antigas com base no que andava a ouvir na altura.”

Pela altura em que fez estes trabalhos, Rabu Mazda andava a ouvir muito funk brasileiro pelo SoundCloud, “muito trap de rappers com nomes começados por Lil e Young”, “kuduro como RS Produções” e muito mais, como o footwork de RP Boo, Jersey club ou Memphis rap. Mas, apesar de “este disco ter muito de vários estilos”, há um cunho muito próprio com uma só premissa: “passar um pouco da sensação de entusiasmo que [Leonardo] sente ao ouvir a música de que gosta”.

“Gosto de tempos rápidos, há algo de estimulante em batidas rápidas para mim independentemente do estilo da música, e também gosto muito do lado melódico da música”, conta-nos. “Gosto de melodias simples e que fiquem no meu ouvido e acho que estas músicas estão bastante preenchidas com várias camadas rítmicas e melódicas. A voz tem um papel importante nestas músicas também, eu gosto de usar vozes na minha música, mesmo que por vezes sejam só apontamentos rítmicos acho que a voz traz um lado humano à música que sem ela não seria a mesma coisa.”

Se no início o seu método passava apenas por si e uma guitarra, mais tarde começou “a explorar programas para compor”. Primeiro veio o Guitar Pro, passou pelo Fruity Loops e eventualmente chegou ao Ableton, apresentado por um amigo “quando andava no secundário por volta de 2009”. Mas independentemente das ferramentas que utiliza e do tempo que passou a aprimorar técnicas por via destes softwares ou de recursos como um gravador de cassetes Fostex XR7, um teclado a pilhas da Casio e um teclado MIDI – este último é o que usa “a maior parte das vezes” hoje em dia – Leonardo Bindilatti soube delinear o seu caminho com precisão.

Afinal, “gosta de música porque sente que não há regras para a música, há liberdade” – também por isso, “já teve e tem muitos projetos”. “Não há regras para como fazer uma música, se fores um músico independente não tens ninguém que vá opinar naquilo que estás a fazer e em como é que uma coisa deve soar”, afirmou no início da conversa. Rabu Mazda não tem medo de desafiar regras ou padrões, como se pode comprovar no imperdíveis “Todo Mundo Sabe” e “Tá Sempre Pegando Fogo”. No final de contas, tem tudo a ver com o facto de “gostar de fazer música” e esse respeito pela arte é audível nos seus trabalhos, até mesmo naqueles assinados pelos vários projetos em que se desdobra.

Ainda este ano, Rabu Mazda deve lançar o primeiro álbum deste pseudónimo, a sair por volta de outubro/novembro pela sua Cafetra, como revelou em entrevista ao Rimas e Batidas. Nessa conversa, explica que vai ser “um disco de canções, de certa forma”, um trabalho “um pouco diferente”. E não é a diferença que faz destacar este projeto, que se apresenta tão revolucionário quanto admirável? Venha daí esse longa-duração para pôr todo o mundo pegando fogo.

Fotografias por Sara Zita Correia

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