A primeira crónica de Inês Duarte n’A Cabine.
Para os mais novos ou menos batidos nestas coisas de festas e eventos, pode parecer estranho que ao olhar flyers e acontecimentos antigos cada discoteca ou clube não tivesse convidados. Não. Eles tinham os seus DJs residentes e os residentes eram a identidade da casa. Os discos eram muitas vezes comprados pelos DJs para o sítio onde trabalhavam e nem se imaginava um convite para ir a outro lado. A lealdade era tanta que, se um DJ tinha de mudar de cidade, recomendava um colega para o seu agora vazio lugar.
Lendas como Larry Levan (embora o Paradise Garage recebesse ocasionalmente convidados na cabine), Frankie Knuckles, Nicky Siano, Ron Hardy, David Mancuso (com as suas festas privadas Loft) e, mais tarde, ícones como Junior Vasquez e Danny Tenaglia – embora já tocassem noutros sítios, era nas suas casas-mãe que serviam maratonas de 12 horas.
Há algo de muito especial em estar todas as semanas a tocar mais de 10 horas no mesmo sítio. É impossível não desenvolver um estilo muito próprio e o público virá ou não, conforme lhe agrade. Mas aos que agradam, é preciso ao mesmo tempo inovar, cativar, tirar coelhos da cartola, provocar êxtase inesperado. Seguir um DJ residente é garantia que a noite pode até ser um pouco mais desinspirada – afinal, todos somos humanos – mas má é muito difícil de ser. Aquele DJ, semana após semana, pode muito bem ser o catalisador de uma bem merecida catarse, qual xamã que pacientemente aguarda por nós para o ritual. E, ele próprio, tem de conhecer a pista como a palma da mão, cada detalhe do som, cada pormenor da luz.
E a música. Oh, a música. São milhares de temas à volta na cabeça. Tudo para que mais um sábado não seja mais um sábado. Tem de ser O sábado. Ou a sexta – não discrimino. Tem de ter aqueles momentos mágicos, de levar as mãos à cabeça e, já cá fora com o sol a brilhar, termos a convicção que temos de voltar. Selecionando discos absolutamente excepcionais, o DJ nada mais faz que tocá-los no momento exacto. E o DJ residente tem o acréscimo de estar na sua cabine horas a fio, a tocar para a sua pista mais uma vez, e conseguir os golpes de rins para fazer cair queixos.
Só que estamos em 2022. Em Portugal, contam-se pelos dedos os clubes que apostam em noites só com residentes – ao que sei, com sucesso, felizmente. O panorama agora é outro: o do convidado internacional. Porque o público já não quer saber do tal xamã, porque o público quer pagar para ouvir o gajo que ficou no top da revista não-sei-quê, a actuar duas horinhas certas.
Não me levem a mal, estou a exagerar. Magníficos DJs vêm ao nosso país actuar 4, 5, 6h a fazer-nos levitar os pés e encher o coração. Mas com esta mudança de paradigma, formam-se cada vez menos DJs residentes como verdadeiramente deveriam ser. Talvez tenham a oportunidade de abrir para um convidado. Talvez nem isso, e vejam outro convidado abrir para um convidado (o que pode gerar situações nada apropriadas para um warmup, como um DJ partir a loiça toda para uma pista vazia e comentar “não nasci para fazer warmups”…) Talvez possam fechar. Ou não. Quem sabe.
O calejado e dedicado DJ residente está em vias de extinção. E é preciso celebrá-lo, dar-lhe algumas hipóteses, perceber que muitas vezes nada deixa a desejar ao internacional da modinha. Vão ouvir os vossos heróis locais. Portugal tem excelentes DJs, que continuam a levar todo um movimento para a frente, e tem excelentes DJs em formação. Se não tiverem oportunidades, como vão evoluir? Será que esta pandemia vai ver as discotecas portuguesas a apostar mais na prata da casa? Eu gostaria que sim. Valorizados, como é óbvio.
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Nuno Cacho
Excelente crónica de abertura, Inês. Bravo!
Loveley comment
Gil Sanches
Fui DJ residente entre 1998-2016 e revejo-me no artigo.
Obrigado pela consideração.
Pedro Ivo Gama
Inês Parabens por esta excelente crónica.
Por comentários destes é que a eletrónica em Portugal nunca vai deixar de ser o parente pobre da música, estiloque pouco se fala nos OCS. Porque os supostos opinion makers da eletrónica vão em contra-mãos às massas…. e aproveitam qualquer oportunidade pra criticar o top da dj mag, entre outro preconceitos tão feitos…. “Porque a eletrónica pra ser fixe tem de ser o mais underground possível e cruzes credo alguém assumir em voz alta que até gosta do Guetta,..”
Deviam mudar o nome para a revista de música eletrönica desconhecida para hipsters que só dizem que ouvem coisas esquisistas pra parecer bem….
Oscar Baua
Como residente de casas como o Benzina, Trumps, Indústria, Garage, O2Lx e Kremlin, agradeço esta tua primeira rubrica. São tempos que dificilmente voltarão. Obrigado Inês.
Oscar Baía
Meu nome, Oscar Baía
Oscar Baía
Como ex-residente de casas tão carismáticas do nosso país, o Benzina, Garage, Trumps, Indústria, O2Lx e Kremlin, aqui vão os meus parabéns pelo excelente artigo.
DJ Oscar Baia
Miguel Mateus
Gostei muito da crónica, parabéns. Gostava de fazer um pequeno reparo, os discos muitas das vezes eram mesmo das casas e não do Dj (que poderia levar ou não os seus discos).
Neste momento é preciso ter Alma para ser um Dj residente, tal como num passado recente estão a dar cartas Dj’s que formei e que dei o mesmo tipo de trabalhos no inicio (as mesmas casas) e vi logo quem queria voar e quem gostava de ser residente e desenvolver esse tipo de trabalho.