AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Reportagem

Sónar: a atravessar música, arte e a cidade de Lisboa

15 Abril, 2022 - 17:33

Foram três dias de muita música e arte espalhadas por vários espaços da capital. Por lá houve disco, electro, house ou techno, tudo envolvido na difícil tarefa de escolher o que ver e ouvir.

Foi nos dias 8, 9 e 10 de abril (e 7, se contarmos com a festa de abertura) que Lisboa recebeu a estreia do Sónar no nosso país, um festival que nasceu em Barcelona e que tem vindo a levar música eletrónica e artes digitais a vários pontos do globo.

Na capital, foram também várias as coordenadas que tomaram conta da cidade, fossem elas a nível estético ou a nível de localização dos espaços. Ao todo, foram quatro espaços que serviram de palco para esta estreia: o multifacetado Hub Criativo do Beato, o Pavilhão Carlos Lopes, o Centro de Congressos de Lisboa e o Coliseu dos Recreios.

No Hub Criativo do Beato, por exemplo, encontramos um recinto dedicado ao ciclo Sónar+D com tudo e mais alguma coisa: comes e bebes (à imagem dos restantes espaços) e muita, muita arte. Destaque para Alessandro Cortini, que, com a ajuda de módulos da portuguesa ADDAC System, desenvolveu uma instalação que corria ao longo de 10 horas a cada dia e que agarrava não só o espetador pelo lado visual, como também pela música imersiva que dava até para manipular num controlador disponível num dos quatro pisos.

O público podia passar o dia pelo Beato e ficava bem servido, mas nos restantes palcos havia muita música. A distância entre esses era algo longa e por vezes podiam perder-se certas atuações, mas, no final de contas, uma planificação cuidada permitia aproveitar o festival sem muitos arrependimentos.

Durante estes dias, o Sónar Lisboa recebeu cerca de 27 mil pessoas e já tem edição de 2023 marcada para decorrer entre 31 de março e 2 de abril. Até lá, ainda vamos estar a sonhar com o que ouvimos este ano e que podes recordar abaixo.

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Nunca uma só estética

Foi tão simples quanto isto: ao longo do Sónar Lisboa, nunca ficámos presos a uma só estética ou abordagem. Se no Hub Criativo do Beato encontrávamos as instalações de Alessandro Cortini e do coletivo berru com a ArtWorks, como também a vídeo-instalação de D-Fuse e a arte de tantos outros nomes, em espaços como o Pavilhão Carlos Lopes podíamos encontrar Thundercat a desbravar um baixo de seis cordas enquanto o Centro de Congressos de Lisboa recebia os primeiros DJ sets.

No nosso caso, estivemos pelo CCL antes de rumar ao Pavilhão Carlos Lopes, onde encontrámos Arca numa noite que contou também com Switchdance, Nídia, DJ Marfox, Elkka e Dixon b2b Trikk. E a venezuelana rapidamente nos mostrou por que razão fomos até esse palco. Numa atuação de 1h, Arca viajou por temas dos recentes volumes de “KiCk”, sim, mas, mais do que isso, provou o quão confortável se sente ali: por entre a frente do palco ou os decks, de microfone na mão ou não, Alejandra Ghersi é rainha em momentos como este e sabe puxar pelo público como poucos – mesmo quando o repertório passa pelos temas mais ásperos (mas convidativos) da sua discografia.

Disseram-nos que Stingray 313, em formato live, foi um dos grandes atos da primeira noite, um momento que, para além da música, mostrou desde logo a potencialidade dos visuais (com luzes a percorrer o teto, por exemplo) e do palco do CCL ao longo de uma hora. Mas, com a distância entre os espaços, não conseguimos apanhar nenhum minuto desse rei do electro de Detroit e só chegámos em Richie Hawtin b2b Héctor Oaks.

Só de recordar ficamos arrepiados: imagine-se chegar a um espaço com um som que entra pelo corpo adentro e está Richie Hawtin e Héctor Oaks num frente-a-frente, cada qual com dois gira-discos e um mixer, cada qual com uma mala repleta de vinis. Nem sequer conseguimos tirar notas: a dupla tomou o CCL de assalto ao desbravar discos que corriam à volta dos 140 BPMs, de tal forma que a máxima era dançar até mais não. Daí, Charlotte de Witte ficou encarregue de fechar a primeira noite nesse mesmo espaço com um set techno que lhe é característico: uma seleção de faixas com melodias muito pomposas ou instantes trancey que só enchem as medidas àqueles que apreciam esta abordagem.

Sábado foi dia de ouvir DJs portugueses a abrirem o palco exterior do Pavilhão Carlos Lopes e de India Jordan. Ficámos com vontade de ficar por lá às 19h ao ouvir a britânica a abrir o set com a sua All About Love, mas fomos até ao interior ouvir o live act de Nicola Cruz. O equatoriano pôs toda a gente a dançar rapidamente, com música de dança que resgata influências sul-americanas (como foi caso da sua nova Vai Sentir, na qual se escuta uma voz de baile funk) e que tanto anda por ritmos quebrados como por momentos 4/4 que, aliados a melodias orelhudas, põem e puseram toda a gente em harmonia.

Mas o destaque desse início de noite foi Honey Dijon. Mesmo só ouvindo 30 minutos, ficámos completamente maravilhados com a lição de música house que a estadunidense assinou: do seu remix de Bang a Music is The Answer, a passar pelo incontornável discurso de My House, a DJ foi pujante até mais não e agarrou tudo e todos àquela que muitos dizem ter sido uma das mais sérias atuações de todo o Sónar.

Daí fomos até ao CCL ouvir alguns nomes nacionais – não sem antes passarmos por India Jordan a passar uma faixa trance – mas não ficaríamos por lá toda a noite. Terminado DJ Lynce, apanhámos um shuttle gratuito para o Coliseu dos Recreios, mas, mais uma vez, os transportes não eram fáceis e chegámos tarde a rRoxymore. Ainda assim, conseguimos ouvir a alemã e as suas máquinas numa exploração rítmica que deu para perceber a potencialidade deste espaço: a vibração sentia-se desde trás e a vontade era ficar lá o resto da noite.

Num Coliseu dos Recreios completamente cheio (mas suportável), Floating Points sucedeu a alemã para um momento simplesmente excitante. Afinal, estamos a falar de Sam Shepherd, senhor de beats de consumo fácil que puseram toda a gente a gritar e a dançar. Olhava-se à volta e via-se um coliseu cheio de vida a vibrar ao som de temas como Gunk, de Overmono, ou de Grammar, do próprio britânico, que impedia todo o público de arredar o pé.

Mas, no nosso caso, saímos do coliseu para regressar ao CCL. O Sónar é muito isto: sair de um espaço para ir a outro e, pelo caminho, estar a olhar para o calendário e ver que perdemos nomes como Kampire, Dengue Dengue Dengue, Leon Vynehall ou Bicep – estes dois últimos foram muito elogiados pelo público. Mas vale a pena e o importante é escolher com cuidado e carinho.

Depois de nomes como Partiboi69 ou FJAAK, Ellen Allien b2b Dr. Rubinstein foi o ato que subiu ao palco do CCL. Esta é uma dupla invejável e ideal para os amantes de sonoridades mais techno: vinis atrás de vinis, a alemã e a israelita assinaram um set perfeito para um qualquer armazém por esse mundo fora (um centro de congressos neste caso), um daqueles sets que gostaríamos de ter a gravação para voltar a repetir a experiência.

Sucedeu-se depois Nina Kraviz para rematar a noite e esta fez um set ao seu estilo mais recente: techno (nota para Bring, de Randomer, acelerada) mas também psytrance para fechar, por exemplo. Pelo meio houve duas paragens forçadas – uma por um problema técnico, outra por um espetador que se sentiu mal – mas o serviço da russa foi cumprido – pelo menos a julgar pelos pés incansáveis que se viam naquela pista.

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No domingo, a música estava centrada no Pavilhão Carlos Lopes e ouvimos dois atos internacionais para além de Evan Baggs na parte exterior. À imagem de Honey Dijon, também Jayda G deu uma lição de música de dança negra: mais virada para o disco ou soul, a londrina pôs mais novos e mais velhos a dançar num dos grandes momentos do festival – mesmo que os segundos soubessem as letras melhor do que os primeiros.

Finalmente a pisar solo nacional para mostrar as faixas orelhudas que têm lançado, Overmono mostraram todo o seu esplendor neste pavilhão. Dos ritmos quebrados do dubstep a beats mais certos que não davam tréguas a ninguém, os galeses provaram que a sua música dá para todos. Sempre com vocais típicos da música que chega do Reino Unido, os irmãos ofereceram-nos temas seus (como So U Kno, Gunk ou Bromley) e muita música enriquecedora. Tão enriquecedora quanto Violet b2b BLEID, ato que fecharia o Sónar de seguida.

Grandes palcos para grandes portugueses

Um dos pontos de que mais gostamos neste Sónar foi a aposta nos nomes portugueses. Logo na quinta-feira, dia de abertura, houve Alex FX e Tendency, mas, infelizmente, só chegamos a Lisboa na sexta. Após ouvirmos a incrível viagem sideral de Boris Chimp 504, num dos espaços do Hub Criativo do Beato, fomos ao CCL, logo no início da noite, para ouvir três brilhantes b2b: primeiro, Yen Sung e Photonz a inspirarem os ouvintes com um set excelente que passou por temas como Black Water, de Octave One; depois, Phoebe e Marum a servirem um apoteótico momento de dança que foi para lá do techno (houve breaks e estéticas trance, por exemplo); e, por fim, Vil e Cravo, dois nomes fortes do techno nacional a passarem autênticas malhas, como é caso da original Fuck This Dub.

Para desgosto nosso, no sábado não chegamos a tempo de ouvir a Discos Extendes a ser representada por Diogo, Conhecido João e Terzi. Felizmente, no entanto, apanhámos cerca de uma hora de Percebes, também na parte exterior do Pavilhão Carlos Lopes. Todos com a nova camisola da editora vestida, Daino, Hélder Russo e Sheri Vari (e Ka§par ao lado deles, mas a atuação em nome próprio viria a seguir) a correrem o catálogo da label (de Early Jacker a Ka§par, a passar por faixas que ouvimos no Instagram antes de chegar, como Quem Eu Sou, de Terra Chã) para apresentarem um set cheio de riqueza, um set que mostrou o quão capazes são estes nomes nacionais.

É verdade que o som cá fora não estava tão alto quanto desejável – “a legislação em Lisboa para eventos outdoor é muito retrógrada”, contou-nos Ka§par – mas nem por isso a atuação a solo deste nome da Percebes deixou a desejar. Munido de um MacBook, uma AKAI APC 40 e uma M-Audio Trigger Finger, Ka§par viajou por alguns temas dos seus álbuns recentes (Miles Away ou Smell The Psychosphere, por exemplo) para se entregar de corpo e alma a uma das nossas atuações favoritas de todo o Sónar. A energia deste nome do circuito lisboeta não se sentia apenas na música: sentia-se na felicidade que o músico mostrava num formato que lhe é pouco habitual, tudo ao longo de uma progressão que foi mostrando as inúmeras influências que Ka§par tão bem reúne na sua música e que merecem também ser ouvidas noutros festivais (ou eventos) por esse país fora.

Se na tarde de sábado ficámos maravilhados com a presença portuguesa, a noite não ficou nada atrás. Perdemos Valody por pouco no CCL, mas apanhamos três nomes fortes do circuito portuense, como é caso de Otsoa, a assinar um brilhante set de electro e um dos mais enérgicos do Sónar, e de DJ Lynce, experiente nome que pôs cérebros em exaltação com discos muito rápidos, mais virados para jungle e possível breakbeat hardcore. Pelo meio, e por entre vinis, Dust Devices subiu ainda ao grande palco deste espaço para, apoiado em máquinas como uma Elektron ou um synth da Arturia, mostrar o explorador rítmico e atmosférico que é – um explorador atento e concentrado que soube construir uma história sem par.

Ficámos com muita pena de não ver um DJ tão emblemático quanto Rui Vargas a fechar um espaço tão simbólico quanto o Coliseu dos Recreios no sábado, mas felizmente havia sempre boa música e bons momentos. Foi esse o caso ao longo de domingo: Moullinex b2b Xinobi enriqueceram o dia dos presentes no Pavilhão Carlos Lopes com faixas originais e outras típicas da Discotexas e houve até, por exemplo, a Bloop a fazer a festa cá fora com DJs que Lisboa acolhe tão bem, como é caso de Zé Salvador ou CRUZ.

Após três dias a escolher espaços e atuações, tudo culminou num b2b entre Violet e BLEID, dois nomes do circuito lisboeta que ficaram a cargo de fechar o Pavilhão Carlos Lopes na noite de domingo. E estas duas mulheres fortes do cenário clubbing português merecem rasgados elogios: num set sem qualquer tipo de fronteiras, a dupla deu-nos rave, drum’n’bass, techno, Satisfaction, Born Slippy e muito mais.

A organização do Sónar merece um elogio por não ter tido medo de apostar em nomes portugueses para fecharem a festa. Mais ainda, aliás, estas duas horas foram de tal forma especiais que chegámos à conclusão de que também outros atos nacionais mereciam ter tido outro tipo de horários (Otsoa, por exemplo, estava mais do que preparado para tocar no pico de uma noite). Mas não nos podemos queixar: sem medo de se diferenciar, o festival foi bom e, melhorando um ou outro aspeto (o Coliseu dos Recreios ficava algo afastado da paragem dos shuttles, por exemplo), certamente tornar-se-á numa paragem obrigatória no circuito de festivais de música eletrónica em Portugal.

As fotografias do primeiro slide foram captadas pelo nosso Rúben José, as do segundo foram cedidas pela organização e captadas por Filipa Aurélio e Pedro Francisco

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