AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Reportagem

Actress e Dust Devices no Plano B: Dois mestres aqui tão perto

23 Abril, 2024 - 10:43

Recordações da atuação ao vivo de um senhor do Reino Unido no Plano B. E de outro do Porto.

Já vimos o Porto mais saudável e notícias como o iminente encerramento do Café au Lait não auguram nada de bom. Ainda assim, muitas e muitos não cessam esforços. Na rua abaixo desse já saudoso espaço, o Plano B é um desses exemplos e tem trazido alguns nomes não tão frequentes na cidade e no país. No mês passado, por exemplo, convidou atos como Shanti Celeste, Soichi Terada ou Verraco; no último fim-de-semana, Actress e Dust Devices no Palco antes de Dinis e Djrum subirem ao Cubo.

Não ficamos para Djrum porque compromissos falaram mais alto, mas tivemos o prazer de ouvir Actress numa das suas poucas aparições a norte. A última vez que o havíamos ouvido foi no verão do ano passado, no Waking Life, onde Darren J. Cunningham assinou um raro e abrangente DJ set direcionado para a pista.

Se esse momento no Crato foi especial, a atuação ao vivo no Plano B foi ainda melhor para fãs da música do britânico. Mas já lá vamos. Primeiro, Dust Devices, um dos nomes portugueses alinhados para o Neopop 2024. Também ele a tocar ao vivo, com uma grande parafernália que incluíra Elektron Monomachine, Korg MS2000 ou os softwares Ableton e Reaktor, Cláudio Oliveira mostrou com clareza por que razão é um dos nomes mais interessantes a surgir na eletrónica portuense (e nacional, diríamos até) em tempos recentes.

Pelas 22h, com pouca ou nenhuma luz, o Palco foi invadido pelo lado mais introspetivo de Dust Devices, um registo ambiente marcado por drones graves que tomavam conta das pessoas que iam enchendo o espaço, qual refúgio sónico. Ao longo daquela hora de música, a progressão foi tal que difícil era não ficar rendido. Se a obscuridade tomava conta do início, a viagem foi levando até um lado de apontamentos etéreos, marcado por um contraste de teclas ou vozes tão alienígena e intenso quanto pacífico e reconfortante. E as luzes, comandadas por João Dinis, eram reveladoras: se tudo começou na escuridão, raios azuis iam-nos trazendo, pouco a pouco, passo a passo, até à tona.

A meio do caminho, uma breve paragem no glitch, sempre com uma aura metal típica deste nome. Ponto de viragem. Rapidamente entraríamos no também comum mundo industrial de Dust Devices, com uma percussão que eventualmente levou, com ambiências carregadas de inspiração de um qualquer outro planeta, à vertente que mais conhecemos de Cláudio Oliveira: uma cirúrgica assinatura própria que bebe também de EBM e electro, sem nunca largar riffs de synths e tantos outros detalhes, no calor do momento indecifráveis, que relembram prog ou math metal. Música especial, esta.

Curta pausa para apanhar ar e a plateia cada vez mais cheia. Pontual, às 23h, Actress. Nome forte do Reino Unido, patrão da Werk Discs, autor de uma discografia invejável. Há muito nos discos de Cunningham. Beats lo-fi carregados de mil e um loops, samples e inspirações, ambiências sonhadoras, house ou techno, música bass ou experimental e tanto mais. Para não falar das inúmeras colaborações que assinou ao longo dos anos, até mesmo com a London Contemporary Orchestra. Acima de tudo, uma rubrica sua e distinguível.

Se há pouco falávamos de a atuação ter sido ideal para qualquer fã de Actress, isso deve-se ao facto de este ter baseado a hora de gig em alguns dos grandes e mais reconhecidos temas que lançou ao longo dos últimos tempos. Atento e centrado em computador e mixer, desta vez com o Palco a mostrar imagens na tela, o britânico marcou logo o passo com uma faixa sua – e que ainda hoje estamos a matutar para nos lembrarmos de qual foi – de orientação ambient techno.

Daí, Actress levou-nos até Loveless, faixa com voz de Aura T-09 que integra “Karma & Desire” (2020), e foi recolhendo elementos que transportava para outras músicas, por vezes dando ideia de que se tratara de um DJ set. Mesmo com muitos toques housey, como acordes de piano ou a melodia que levaria do tema anterior para o seguinte, Cunningham praticamente nunca largou a linha mais lo-fi ou techno.

A vertente mais meditativa também fez parte, como quando virou o jogo para ambient, neste caso com a presença das teclas de Hit That Spdiff ( b 8 ), do último álbum “LXXXVIII” (2023). Rapidamente voltaria à energia de pista com outro tema desse mesmo disco, Push Power ( a 1 ), e, embora as faixas se mantivessem praticamente idênticas, Actress ia trabalhando alguns pormenores para tornar tudo ainda mais revigorante.

Houve apenas dois pontos negativos: algum calor na sala e alguns presentes que persistiam em falar. Nada que nos tenha feito esquecer esta atuação. Seguir-se-iam temas como Its me ( g 8 ), revelador do lado mais hip-hop e da engenharia de samples deste nome, Angels Pharmacy, num regresso a “Karma & Desire” e ao lo-fi, ou Oway ( f 7 ). Que prazer e oportunidade.

Cada qual à sua maneira, Actress e Dust Devices assinaram uma noite especial que nem sempre se tem visto pela cidade – e isto sem falar do elogiado set de Djrum às 3h – não tirando o mérito ao que vai sendo feito. Aproveitemos e apoiemos estes momentos.

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