AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Reportagem

Sónar Lisboa: À terceira terá de ser de vez

6 Abril, 2023 - 18:04

Houve bons momentos e até melhorias face à estreia em 2022, mas o Sónar Lisboa 2023 ficou marcado por uma edição aquém daquilo que se esperava. Daniel Duque, acompanhado pelas fotografias de Rúben José, explica porquê.

Passámos o último fim-de-semana em Lisboa para a segunda edição de Sónar. O festival tomou conta do Parque Eduardo VII, bem no coração da cidade, e nesse sentido foi mais confortável e convidativo do que a estreia em 2022. Mas o sentimento que fica é que poderia ter sido melhor e que os presentes mereciam mais.

Dividido em quatro palcos e em dois espaços dedicados à programação do Sónar+D, o festival começou poucos minutos após a hora agendada na sexta-feira, 31 de março. Chegados ao SonarClub, que serviu como palco principal no Pavilhão Carlos Lopes, ouvimos Catarina Silva a tocar uns slow burners para aquecer a pista. O horário já mostrava que a tirsense só tocaria 30 minutos, mas queríamos acreditar que era um lapso. Infelizmente, não era.

Algo transtornados por não ter sido dado mais tempo à DJ, fomos até ao SonarHall no outro lado do parque sem apanhar Sofia Kourtesis no pavilhão, peruana que foi elogiada por muitos nos dias seguintes. À chegada da Estufa Fria, uma pequena fila já fazia adivinhar o que se poderia passar nesse palco na próxima noite, mas não tivemos muitos problemas em entrar.

Foi aí que percebemos que não se podia passar de um lado para o outro com bebidas. Apesar de ter sido motivo de queixas por inúmeros dos presentes, é uma decisão que é compreensível, dado o que se poderia trazer de fora nos copos. Ainda assim, mais informações espalhadas pelo recinto seriam bem-vindas para que ninguém fosse apanhado de surpresa.

No SonarHall, espaço bonito brindado por um teto repleto de flora, ouvimos James Holden a apresentar pela primeira vez o novo disco, “Imagine This Is a High Dimensional Space of All Possibilities”. Acompanhado pelo percussionista Camilo Tirado (pelo menos bongos e maracas, se não nos enganamos) e pelo lado visual assinado por Innerstrings, Holden agarrou o público atento a um espetáculo marcado por melodias e arpejos vindos de um sintetizador modular que atuava como peça-central. Uma viagem que já dava para dançar (fosse pelos toques trance ou cósmicos) sem deixar de ser bem íntima. Bom momento para iniciar a noite, apesar do som algo débil.

Voltámos ao SonarClub para Max Cooper e podemos dizer que foi um dos momentos altos do festival. Já tendo ouvido o britânico noutras ocasiões, não esperávamos que o espetáculo nos enchesse tanto as medidas. O que começou por um lado mental e ambiental, exponenciado pelo lado visual que tanto foi a formas geométricas como a planos de cidades, foi-se tornando numa pista de dança techno cheia de textura. Na fase final, um lado de drum’n’bass altamente tecnológico, pela mesma altura em que se lia no ecrã “the limits of my language means the limits of my world”, tornava tudo ainda mais rico e completo. No Dia da Visibilidade Trans, não poderíamos ter lido melhor frase.

De novo no SonarHall, ouvimos VTSS na sua estreia em Lisboa. A polaca serviu bem o público, que já parecia esperar pelo engenho deste nome cada vez mais sonante na cena de clubes. Sem dó nem piedade, a DJ e produtora é capaz de agarrar em baile funk ou breaks e adicioná-los à receita de techno duro e ríspido. Loucura total na pista, particularmente em momentos como aquele cada vez mais conhecido remix de Mete Bala, Te Amo ou um edit de Kalemba (Wegue Wegue), dos “nossos” Buraka Som Sistema.

Mala b2b Skream, nesse mesmo palco, era um dos momentos que mais esperávamos em todo o festival. O problema é que não saímos assim tão felizes. Os DJs pediram para baixar as luzes, Mala não tirava o capuz, a seleção estava em cheio, pull ups, de vez em quando pegavam no microfone, tudo numa estética bem underground à UK. O problema é que, num set marcado por dubstep, precisávamos de graves. Ter de imaginar no cérebro em vez de sentir no corpo… Precisávamos de mais. Valeu para ouvir dois verdadeiros génios, pelos quais muitos viajaram até Lisboa para ouvir toda aquela técnica enquanto se ouviam faixas mais clássicas ou mais modernas (uma ou outra, no segundo caso), mais ragga ou mais hip-hop, mas sempre muito dubstep. Do bom, claro.

Escolhas têm de ser feitas, até para poupar energia, e nessa noite, entre os dois palcos de sexta-feira, perdemos Amulador, Anfisa Letyago, I Hate Models (fez um espetáculo AV exclusivo para o festival) e o live de KiNK. Ainda apanhámos boa parte de Reinier Zonneveld, neerlandês que, também ao vivo, destruiu o SonarClub com um dos momentos mais duros que ouviram por lá. Techno, sim, mas que no final já ia bem além disso.

Chegados ao Sónar by Day no sábado, 1 de abril, folgamos ao ver aquele parque com a luz do dia. E este, sim, foi um dos grandes pontos positivos: o espaço verde era convidativo – muita área para conviver ou simplesmente para descansar os pés da pista – e limpo, com funcionários a certificarem-se de que não havia lixo no chão – mesmo com vários caixotes espalhados pelo recinto.

Infelizmente não ouvimos muito de Ana Pacheco, Francisca Urbano e Nuno di Rosso, mas pelo menos a primeira garantiu-nos que a experiência de tocar no SonarVillage foi boa porque pôde tocar o que quis sem constrangimentos. Nessa tarde, pouco pisamos o SonarClub porque não nos interessava tanto (Major League DJz, Mochakk, Peggy Gou), mas ouvimos um bocado de Folamour e foi bom sentir disco e música feliz naquele sistema de som.

Neste sábado, nota máxima para o alinhamento excelente do SonarPark. Depois de Francisca Urbano, o seguimento continuou perfeito: Serginho b2b Zé Salvador, Colin Benders (live) e Vil. O b2b incrível, com muitos discos sérios cheios de acid que encanta corpos e mentes. O live igualmente, a dar seguimento a um lado mental e sério por meio do sintetizador modular e TR-909 de Benders. Já Vil, bem, é um dos grandes que temos por cá: por entre Sunshine, de Tomaz e Filterheadz, Segundo, do próprio ao lado de Cravo, ou o último tema na forma de Freak Like U, a faixa disco da italiana Masarima, o lisboeta brincou de forma excecional e não deixou ninguém arredar o pé.

No SonarVillage também se estava muito bem. Ouvimos pouco de Mingote, infelizmente, mas o DJ português provou que é para ser mantido debaixo de olho. DJ Nigga Fox, do que ouvimos, foi bem envolvente: início algo dub, uns toques algo techno pelo caminho, mas sempre com o lado afro, quente e altamente rítmico a condensar bem a pista naquele palco.

Outro dos destaques do festival tem de ir para SHERELLE b2b Kode9. A promessa tornada certeza e o patrão da Hyperdub serviram uma das melhores aulas que ouvimos de bass music – e não só no Sónar. Momento que no início passou por Groove Is In The Heart, de Deee-Lite, e no fim por In Da Club Before Eleven O’ Clock, de DJ Rashad, neste set houve tempo para jungle, dubstep, reggaeton, quatro-por-quatro e até uns minutos em que fomos todos rickroll’d. Lição para ficar guardada na memória que durou até mais 1h do que o previsto.

Às 22h, os seguranças começaram a tirar o público do recinto – até porque havia quem só tivesse pulseira de dia – tanto que às 21h45 já não pudemos pedir comida numa das rulotes presentes. Aproveitámos para comer lá fora antes de ouvir DJ Mell G no SonarClub – a alemã sucedeu mais um set de apenas 30m de Diana Oliveira. Facilmente uma das DJs mais interessantes do festival, a única a tocar electro sério e alienígena.

Seguiu-se um dos momentos de maior frustração para os presentes. Atravessámos o parque e deparámo-nos com uma fila enorme e lotação esgotada no SonarHall, onde à meia-noite tocavam os WhoMadeWho. Não tentámos entrar e preferimos ir para os jardins do lado do SonarClub esperar pelo live de Héctor Oaks.

10 minutos antes do arranque, ainda ouvimos uns minutos de Patrick Mason. Para nós, não fez muito sentido ouvir aquele nome àquela hora. Sonoridades muito rápidas e estridentes para um palco que ainda iria receber 999999999 no encerrar da noite. Percebemos que possa haver presença de nomes que toquem assim, mas num festival em que sentimos falta de ecleticismo foi algo exagerado.

Héctor Oaks, por sua vez, foi notável. Techno rápido e duro, sim, mas com coesão. Ideal para se ouvir no SonarClub, ora houve a original e expansiva All This Was Fire, ora surgiram os rappers Ergo Pro e Ill Pekeño numa aparição surpresa para cantarem dois temas, entre esses a mais recente Eso Es G. Sacel também apareceu para cantar dois temas e tudo fechou com Patrick Mason a dar voz à faixa final. Bom momento.

Dada a programação que se seguiria no SonarClub (Enrico Sangiuliano e 999999999), preferimos ir até ao SonarHall, já com bom espaço para todos. Estava lá a dupla Astra Club, ou DJ Tennis em b2b com Carlita, e foi giro ouvir uma boa variedade na seleção, que tanto ia ao baile funk como ao tech house e muito mais. Naquele Pique (Gabe, Eddy M e MC Th), Pump Up The Jam ou a mítica Blackwater puseram a pista a dançar e gritar em uníssono. Como se quer.

Para fechar, pelas 5h e até às 6h, um belíssimo e enérgico concerto de Throes + The Shine. Para nós, a escolha foi certeira e prova do que se espera da irreverência de um Sónar, mas a maioria do público abandonou a sala. Ainda assim, sem medos, o trio esteve constantemente a puxar pelos sobreviventes (a interagir e a mandar ir ao chão, por exemplo) com um reportório que tanto passou por 2014 (Dombolo) como por 2022 (Banzelo) ou por uma incrível cover de Mariquinha. Nota 10 para uma verdadeira festa africana.

Num domingo cheio de sol, começámos por ir até à Estufa Fria sentir e ouvir a exposição “Sediment Nodes”. Nesse espaço, que recebeu também espetáculos META AV e GLOR1A nos dias anteriores, vivem mais de 300 espécies que, neste dias, conviveram com ecrãs do artista generativo Entangled Others e com a banda-sonora de Clothilde. Plano ideal para descansar as pernas, deleitar os olhos e fugir daqui para outro mundo com aquelas imagens e drones.

No recinto, os jardins do Parque Eduardo VII, com o SonarPark de frente para nós, foram o sítio de onde não quisemos sair. Com isso, perdemos nomes como Telma, MVRIA e King Kami, mas Bernardo b2b Johan e Luisa certificaram-se de que, mesmo deitados, aqueles discos nos aqueciam ainda mais. Novamente, é importante dizer que o espaço foi bem aproveitado e era muito propício ao convívio na relva.

Pelas 17h, fomos até ao SonarVillage para ouvir Yen Sung, nome claramente procurado pelos locais. E não é para menos. Bela hora e meia de house à boleia de Get Up, de Jovonn, ou de 11 Minutes Of Funk, de Rick Wilhite e Delano Smith, para uma pista em constante êxtase. Logo de seguida, em Cinthie, também ela a fazer vibrar com house sério e de comunhão, já tudo vibrava com qualquer prato, teclas ou samples de voz que a alemã extraía com requinte de um Ableton Push. Um fim de tarde delicioso, diga-se.

Antes de voltarmos ao SonarVillage, e a perdermos Cruz, Bawrut, Cormac b2b fka.m4a ou Lady Shaka pelo caminho, fomos até ao concerto de Sensible Soccers no SonarClub, por onde ainda não havíamos passado nesse domingo. Em formato quinteto, a banda tocou temas de diferentes discos (Afg, Palmeiras Negras e Elias Katana ouviram-se por lá, por exemplo) e provou a uma multidão o quão grande é, além de em estúdio, em palco. Concerto brilhante e necessário neste dia e festival, que fica muito bem servido ao trazer bandas como esta: toques de eletrónica e dança, sim, mas muita alma e coração.

No SonarClub, não ouvimos o DJ set de Chet Faker e, mais tarde, não conseguimos ficar em Amelie Lens – mais uma vez, ficamos com o sentimento de que a organização precisava de ser mais certeira e de não programar nomes como a belga para uma noite de domingo. Lá fora, até às 22h, estava tudo de que precisávamos: Rui Vargas b2b Gusta-vo. Numa viagem de quase três horas, a dupla pôs o SonarVillage repleto de gente que bem representava esta cidade: uns quantos locais e outros tantos estrangeiros.

Depois de Amelie Lens, o encerramento do SonarClub e do festival ficou a cargo de Violet b2b Photonz. Escolha acertada da organização, que não teve medo de apostar num ato nacional para servir o público da melhor maneira. Os lisboetas souberam dar seguimento à belga com techno pujante para agarrar no público com sabedoria. Um corte de luz quebrou um bocado a energia durante alguns minutos, mas rapidamente a dupla continuou a dar tudo de que precisávamos, fosse isso Faz Essa, do “nosso” Phoebe, ou In My Mind, de Antiloop. Público agarrado, Violet e Photonz puderam fazer dele o que quiseram, com os mundos de breaks a eventualmente entrarem na equação de forma fluida e viciante. É disto que queremos.

Contas feitas, o público e a cidade mereciam mais. O espaço foi muito bem trabalhado, e isso foi uma das melhorias, e houve alinhamentos e nomes bem conseguidos. Mas faltou outro toque na programação, como eventualmente um nome de hip-hop e menos techno corrente, outra agilização em matérias como casas de banho, que em certas horas eram caóticas, ou melhor som no SonarHall, por exemplo.

Em 2024, em março, naquela que será a terceira edição de Sónar Lisboa, a consolidação do festival em logística ou programação tem mesmo de acontecer. Por agora, segue-se a edição de Istambul no final de abril, a segunda etapa antes de chegar a 30ª edição de Sónar Barcelona, com nomes como 700 Bliss, Aphex Twin, Björk, Fever Ray, Little Simz e DJ Holographic b2b DJ Minx.

Fotografias por Rúben José

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