AUTOR

A Cabine

CATEGORIA
Reportagem

Neopop é fórmula que não engana

18 Agosto, 2023 - 15:42

Adriana Ruas e Rafael de Matos estiveram pelo Neopop para contar o que ouviram por lá.

Na sua 16ª edição, o festival Neopop voltou ao cenário já característico de Viana do Castelo, e do inevitável Forte Santiago da Barra, entre os dias 10 e 12 de agosto.

Durante três noites alongadas até ao raiar do sol, os dois palcos, Neo Stage e Anti Stage, receberam artistas internacionais bem procurados e alguns nacionais já comuns ao cartaz das várias edições. Destaque para a estreia de alguns nomes nacionais naquele que é tido como o palco grande no nosso país, como Cravo, Maria Callapez, David Moreira, Catarina Silva e Luísa.

No primeiro dia do festival, dado ser a uma quinta-feira, seria expectável de ser o dia com menor adesão. No entanto, surpreendentemente, foi o dia que menos tempo levou a encher as duas pistas de ravers, cheios de vontade de viver a música de dança celebrada neste festival.

Rapidamente fomos absorvidos pelo conceito de Neoverse, através dos redesenhados palcos e visuais altamente imersivos, da Dublab, acompanhados da arte 3D de Serafim Mendes, que em colaboração com o Projecto Ruído, a Circus Network e o Studio Bruto, transformou, por meio de realidade aumentada, um dos murais expostos no recinto do festival numa escultura 3D, através da aplicação Instagram. Para quem quisesse levar a experiência para casa foi também desenvolvido um filtro na mesma App que permitia ao utilizador aplicar a máscara Neoverse numa das suas selfies.

Sendo o primeiro dia também ele muitas vezes visto como o “derradeiro teste”, sentimos que houve uma falha ao nível da limitação de decibéis. Algo corrigido nos dias seguintes. Outro detalhe a salientar pela negativa foi a falta de opções alimentares mais saudáveis. Que tal um stand de fruta e sumos naturais para o ano?

Há críticas que podem ser feitas, claro, mas também há melhorias. Em 2023, as principais sentiram-se na cobertura do Neo Stage, maior do que no ano passado e essencial para as manhãs de sol, e na relva colocada na pista desse mesmo palco. Também nesta edição, largou-se o formato de quatro dias para voltar ao de três.

Devido aos nossos afazeres diários, na primeira noite só conseguimos chegar a Viana do Castelo por volta das 22h30, perdendo os sets de David Moreira e Nuno Carneiro, Moses, Luisa, Serginho e Zé Salvador, La La e Rui Vargas.

O primeiro set que ouvimos no festival foi o b2b de Cruz com o brasileiro Gromma, que partilharam a sua música para uma pista já bem mexida. O set foi bastante fluído, com techno hipnótico, viajante e progressivo, mantendo sempre um toque groovy característico dos dois artistas. Um dos temas que nos captou a atenção e que ainda mantemos na memória foi Silver, de Beyond, de 1993.

No Neo Stage encontramos Honey Dijon em “full swing”, dando primazia a grandes clássicos do house. Desde Brighter Days, de Cajmere, à remistura de Satoshi Tomiie de Dreamin, de Loleatta Holloway, o público foi transportado numa viagem nostálgica de muita energia. Acabou o seu set com a frase “any queens in the House!?” – e claro que estavam.

Mind Against deram início ao segmento mais melódico do festival, seguindo-se por Artbat. Ambos os acts deliciaram os amantes do género.

No Anti Stage, encontramos o italiano Francesco del Garda. Sem nunca ter medo de fazer “left turns”, com escolhas menos previsíveis, Francesco partilhou sempre música bastante variada. Desde breaks a cortes de hip hop, o artista italiano alternou momentos de êxtase na pista, com momentos mais hipnóticos, e músicas com samples mais catchy, para agarrar algum do público que não aderiu ao segmento melódico proposto pelo festival, no Neo Stage. Algumas das músicas que nos chamaram a atenção no set de Francesco del Garda foram Pop Ya Virus, de Stanton Warriors, Sybian, de Fred P, ou Party’s in the Basement, de Dawl.

Nesse mesmo palco, depois entrou o furacão australiano Mall Grab, que além do aumento significativo de BPMs sentido logo desde o início do set (140 – quase mais 10 do que Francesco), trouxe também muitas das músicas originais que lançou no último álbum. Sem preocupações por misturar de forma limpa, o australiano não tinha medo de atirar o ocasional spin back e misturar novos temas, algumas vezes de forma precipitada, a cada 30 segundos. Não obstante, ouviu-se muito boa música – entre o clássico Crispy Bacon, de Laurent Garnier, às suas conhecidas Spirit Wave ou a mais recente Say Nothing.

No palco principal, estava a estreia do muito aguardado b3b de Dubfire, Nicole Moudaber e Paco Osuna. Sendo cada um dos artistas bastante conhecido na sua esfera de influência, era de esperar algo em grande da convergência destes três talentos, que misturavam de cada vez 4 faixas, sempre com um estilo tool-ish. O trabalho dos três complementava-se muito bem, não nos permitindo perceber realmente o que estava cada um a fazer a título individual. O público estava a viver as horas tardias do festival ao rubro.

Para nós as horas já eram longas, então demos por terminado o primeiro dia, pelo que, com muita pena, perdemos as atuações de Surgeon, Partiboi69 e Pan-Pot.

No segundo dia do festival, começamos a noite mais cedo, apesar de perdermos atos como Catarina Silva, Tiago Carvalho b2b Vasco Valente, Maria Callapez, Tiago Fragateiro e Salbany (o dever também nos chama em dias de rave).

Às 21h30 já nos encontrávamos a ver os Ruuar no Anti Stage. O set foi bastante progressivo e hipnótico, destacando-se o tema de Stanislav Tolkachev Back To My Self. Infelizmente não havia ainda muito público a compôr as pistas, mas a dupla nortenha fez um trabalho exímio a estabelecer o tom para o que se iria passar naquele palco, no resto da noite.

A eles seguiu-se Solar, o americano já habitual de se ver em alinhamentos em Portugal, tanto nas várias edições do festival Neopop como em noites pontuais durante o ano. Solar fez um set variado mas com uma direcção bem delineada desde o início, e nem a falta de público o afetou. Oscilou entre breaks e o techno mais deep e hipnótico, com barulhos a encher a pista. A mesma não permaneceu vazia por muito tempo, e para o final do seu set a música era mais dancy e groovy. O público respondeu sempre muito bem às suas oscilações de géneros, e temos de admitir que foi um dos melhores sets do festival. A destacar, o tema Sounds Like Technology, de MoMa Ready.

Enquanto isso, estava no Neo Stage a acontecer um dos b2b mais esperados do festival, Vil b2b Cravo, que infelizmente tiveram apenas 1 hora para mostrar o porquê de serem atualmente figuras de proa do techno em Portugal. Foi um set à sua maneira, repleto de techno rápido (145bpm) e groovy. Impossível manter o público parado. O seu set atingiu o clímax na última faixa, quando decidiram tocar um tema de house da residente do Panorama Bar Virginia. Raverd deixou o público sedento por mais. Fica para uma próxima!

VTSS sucedeu os portugueses e, tendo uma pista muito quente, entrou com breaks rápidos, com hooks sonantes e posteriormente foi à música 4×4 rápida, que a caracteriza, com alguns toques da tendência de techno mexicano que se tem tornado bastante popular, que mistura influências de reggaeton com música eletrónica. Se não estiverem bem a ver ao que nos referimos pesquisem Nick León, Rosa Pistola ou Bitter Babe. Sophie Riddim, de Casement, e um edit de Kalemba, dos portugueses Buraka Som Sistema, foram algumas das bombas que se ouviram.

Por sua vez, Paul Ritch abanava as paredes do Forte Santiago da Barra, com o techno do seu live. O Anti Stage estava ao rubro e o francês não se conteve. Depois de uma entrada mais experimental partiu para o techno 4×4, musculado mas minimalista e algo cinemático, típico do seu último álbum. Até mesmo o tema Neopop, do próprio, se ouviu por lá.

No Neo Stage estreava-se a DJ irlandesa IMOGEN. A mesma tocou techno e electrónica desafiante do início ao fim do seu set, brilhando com a sua enorme presença em palco e temas escolhidos a dedo. Entre acid e batidas mais quebradas, um dos temas que nos chamou a atenção foi o seu True-Blue, que todo ele transpira originalidade.

Zadig sucedeu a Paul Ritch no comando do Anti Stage. O chamado “hypno train” entrou a todo o vapor, tendo sido um set bastante consistente, mantendo quente uma pista cheia, mesmo que parcialmente molhada pela chuva miudinha que veio surpreender as previsões de meteorologia. Ouviu-se música techno de qualidade muito acima da média, com o francês sempre muito concentrado e atento a cada passagem, a demonstrar uma técnica de mistura e noção de flow e momentum que ultrapassam quase qualquer um, como quando ouvimos Sfere a Contatto, do italiano VSK.

À 1h30 da manhã, Richie Hawtin tomou de assalto a cabine do Neo Stage, com uma pista cheia. Capaz, como poucos, de “partir” uma pista com o seu característico híbrido de DJ set com ferramentas de live (uso de efeitos VSTs já popularizado pelo próprio), o artista canadiano fez um set coerente, misturando sempre várias músicas tool-ish, que com a sua sensibilidade o permitiam levantar o público até onde quisesse. Richie toca os temas, muitas vezes, em loops pequenos, o que torna a sua identificação muito difícil, mas podemos destacar a Prefix, de Ben Klock e Fadi Mohem.

A seguir, FJAAK, em DJ set, deram o pump que a pista precisava depois de duas horas de Richie a brincar com tools de forma exímia mas, claro, um pouco repetitiva. A mistura de techno e house com uma vibe bastante punchy é o que faz o duo brilhar e foi isso mesmo que trouxeram. No entanto, nas duas horas de set, o duo não chegou a surpreender nas escolhas.

Lewis Fautzi entrou em prime time na cabine do Anti Stage, brilhando com o seu techno mais heady e excelente técnica. O público foi trabalhado de forma exímia pelo português que se fez seguir pelo espanhol Oscar Mulero.

No entanto, no palco principal estava para começar um dos melhores sets do festival, e por isso de lá não conseguimos sair. Ben Klock, mítico residente do Berghain, trouxe de volta, após FJAAK, a corrente sonora mais hipnótica, e também o minimalismo característico do club onde é figura de proa. O alemão, que começou o seu set com a frase “this is the beginning of the end”, conseguiu alcançar o perfeito balanço de música groovy e dançante, ao mesmo tempo que viajante. Incluiu também toques de hardgroove deliciosos a prender as pessoas à pista, mesmo que cansadas pela hora tardia.

Os visuais da Dublab estiveram sempre no ponto, com a equipa a servir-se dos cubos que decoravam as redondezas do palco de uma forma minimalista mas acertada para a música partilhada por Ben Klock com a pista. Destacamos In From The Night, de Planetary Assault Systems, com que fechou o seu set.

Para fechar o Neo Stage, já com o sol bem alto, estava programado um set de Hector Oaks. O madrileno é atualmente um dos pesos pesados da cena techno, e começou o set com uma intro onde se ouvia o grito “Fire!!!”. E foi mesmo isso que se sucedeu, sem qualquer tipo de tréguas. O espanhol teve espaço ainda para incluir o tema Billie Jean, de Michael Jackson – como já havia feito na festa de Halloween do Neopop, no Porto – que, debaixo da luz do sol, foi um momento inesquecível.

Sendo as horas já avançadas, demos por terminada a noite, passando no entanto ao sair por um Anti Stage em fogo, com a alemã Dasha Rush no comando.

O terceiro e último dia desta viagem contou com atuações de Diana Oliveira, Freshkitos, Frank Maurel, BIIA, Backbone e Patrick Mason, que com pena nossa não conseguimos assistir, mas que certamente levaram a tripulação da nave do Neopop a intensas altitudes. Charlotte de Witte presenteou-nos com uma atuação já típica da artista, com músicas de quebras longas e intensas a que o público reagiu em completo êxtase. Overdrive foi um dos temas de sua autoria que fez vibrar o público no Neo Stage, público esse cheio de expectativas para este momento.

Já no Anti Stage, o ambiente não poderia estar mais intenso com a atuação dura de Rebekah. A britânica testou os radares de velocidade, sendo que nenhum lhe deu sinal para abrandar. Uns tímidos 160bpm testaram a solidez das paredes do Forte Santiago da Barra. A britânica começou o seu set com o tema Catterpillar, de Pariah, e nunca mais tirou o pé do pedal.

De volta ao Neo Stage, apanhámos Nina Kraviz em grande forma. Optando por temas com uma significativa presença de médios, a artista russa demonstrou um incrível controlo do público, presenteando os ravers com uma performance muito cativante e carismática. Nina não precisa de dar provas mas superou as expectativas e mostrou-nos, uma vez mais, o porquê de estar entre os considerados gigantes do DJing atual. Por entre os 148bpm do seu set, destacamos os temas Goa Head, de Carlim Sakoo, e World of Fantasy (club mix), de Polartraxx.

Ainda nesse palco, seguiu-se o alemão Chris Liebing, amigavelmente conhecido pelos ravers internacionais como “The Hammer”. Chris tocou música tool-ish, sempre a destacar o que queria de cada um dos temas que passava, no seu estilo típico de 4 temas, muitas vezes todos em cima ao mesmo tempo, e utilização pontual de samples de drums, de forma a acrescentar intensidade acrescida ao seu set já bastante intenso.

Para fechar o Anti Stage, seguiu-se a Rebekah o b2b dos artistas ucranianos Etapp Kyle e Daria Kolosova. O casal deu o merecido reset na pista, começando o seu set com uma intro de música ambient, transitando para géneros de música electrónica mais alternativos e partidos, de forma a trazer dinamismo e agarrar os ravers para um set de música mais aberto a mudanças de velocidades, flows e géneros. Os 145bpm a que tocaram não pareceram nada curtos quando comparados com os 160bpm deixados por Rebekah.

Ouviu-se de tudo nesse encerramento de Anti Stage, desde ambient a hip hop, breaks, trance, house… sem medo de atirar o ocasional spin back. Sem dúvida um dos melhores sets do festival, no qual se ouviu, entre tantos outros, Untitled A1, de Arta Fact, Proxyma, de Strategic Love, Break Away, de Head High, Spray, de VT Trad, ou a bem reconhecível You Should Go Out Of My Head, de Not a Headliner.

Antes disso, Dax J, cada vez mais veterano, potenciou aos que o escutavam no Neo Stage um verdadeiro despertar para os sentidos, com techno potente e sem medos. O seu ritmo rápido e energético (150bpm) não deu tréguas aos ravers. A noite avançava e o sol despontava no horizonte, com o artista britânico a mostrar a sua capacidade de criar uma onda mais progressiva com uma seleção musical inteligente e intricada, que oscilava entre momentos de pura intensidade e outros de libertação. Dois temas que destacamos e que demonstram isso mesmo são Ride Attack (Version 1), de Umberto Carmignani, ou a mítica Good Life, dos Inner City.

Para fechar o Neo Stage, o escolhido desta edição foi o alemão Rødhåd. O artista elevou a experiência diurna a um patamar mágico, com techno que teve tanto de cativante como emocional. Tal como é habitual nas suas performances, o alemão optou por uma abordagem minimalista e cinemática em muitos momentos do seu set, o que transformou as horas avançadas da manhã em momentos que não vamos querer esquecer tão cedo.

Os ritmos pulsantes e a batida constante faziam com que os corpos se movessem em sintonia, enquanto os elementos minimalistas e orgânicos adicionavam uma camada de profundidade e mistério à música. As horas avançadas da manhã certamente se tornaram uma memória especial para os que viveram intensamente estes dias de festival. Inevitável destaque para Vermillion 03, do último lançamento do alemão com o caso sério chamado Ignez.

Antes de voltarmos à normalidade, ainda perguntamos sobre o significado da obra de arte do mural apresentado no festival, e explicaram-nos que a parede representava a necessidade profunda de conexão entre seres humanos, capturando a essência cativante da pista de dança, onde cada passo nos unia como uma só entidade. O Neopop é e foi isso. E se assim continuar, como já dizia Amália, “havemos de ir a Viana” por muitos anos.

Fotografias por Diogo Framekillah, Neia, Pedro Francisco e Rafael Filipe Farias (cedidas pela organização)

relacionados

Deixa um comentário







t

o

p