AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Reportagem

De boas músicas está este inferno cheio

22 Novembro, 2023 - 18:46

Na primeira de duas datas de apresentação do novo disco no Porto, os Conferência Inferno mostraram por que razão estão em casa nesta cidade. As fotografias são de Sérgio Monteiro.

Que fenómeno é este chamado Conferência Inferno? Sim, o primeiro EP é de 2019 e o trio já tem dois álbuns sob a sua alçada, mas ver uma banda algo jovem a encher uma sala no Porto, neste caso o Ferro, durante duas noites seguidas não é para todos. Longe disso.

Depois da passagem por Lisboa no início do mês e antes do concerto em Aveiro, a cidade que Francisco Lima, José Miguel Silva e Raul Mendiratta tão bem conhecem. Nenhum deles é natural da Invicta, mas é aqui que jogam em casa, como nos mostraram na primeira de duas noites no Porto. Afinal, foi daqui que beberam parte da inspiração que criou os Conferência Inferno.

Ao lado de amigos, segundo os próprios, este momento de apresentação de “Pós-Esmeralda” contou ainda com abertura de Solar Corona Elektrische Maschine – Nuno Loureiro, Rodrigo Carvalho e Zé Roberto Gomes em formato trio, numa viagem de improviso psicadélico e ritualístico composta por elementos como drum machine, sintetizador modular ou baixo – e set de DJ Lynce. No sábado, tocariam também O Triunfo dos Acéfalos e Puto Mayo.

Claro que as atenções acabavam por estar viradas para Conferência Inferno. Que o diga o público lá presente, muito mais atento e chegado à frente na hora deste concerto. E mais do que pessoas interessadas pela música desta banda, falamos de fãs prontos a saltar, dançar e cantar as letras que levavam na ponta das línguas.

Este é um trio autoproclamado de badwave. A sonoridade anda entre o pós-punk e o new wave, mas tem muito do país e da cidade dentro de si, nem que não seja pelas letras que tanto podem mostrar um lado ébrio como um lado de romance e tanto mais.

O repertório foi desde o primeiro ao último tema de “Pós-Esmeralda” – e mais além, na verdade. Por isso, sim, a energia de Mayday sentiu-se logo no arranque. O público, esse, não escondeu o gosto por esta música nem o facto de conhecer as letras, que berrou desde o fundo dos pulmões para todos e todas ouvirem.

Seguiu-se Cowboy Bêbado antes de o vocalista Francisco Lima, em Auto-Pânico, agarrar também no baixo, instrumento agora especialmente presente na música do trio. Foi por aí que ouvimos também a voz de José Miguel Silva a acompanhar a festa ocasionalmente, ele que está frente-a-frente com Raul Mendiratta, centímetros atrás de “Kiko”.

É Silva e Mendiratta a dupla que comanda os synths e as teclas que dão tanta vida à música de Conferência Inferno. O concerto seguiu com Realidades, Fantasias e Pigmento, um momento mais lento e sentido mas igualmente convidativo. Foi aí que nos inteiramos da luz azul no palco, não fosse “Pós-Esmeralda” fruto de um período mais delicado a nível pessoal para cada um dos membros. Mas nada nesta música deixa de ser enriquecedor. De certa forma, é ainda mais reconfortante.

Alma e Distopia marcaram o fim da viagem do novo disco, mas não o fim do concerto. São também dois temas algo emocionantes. E ali, no meio daquela sala cheia e cada vez mais suada, num momento em que este mundo distópico está em constante ruína e alerta, foi especialmente consolador ouvir (e relembrar) que “somos todos corpos”.

Volvidos cerca de 40 minutos, ainda havia tempo para mais e José Miguel Silva fez questão de relembrar que “esta seria para os filhos da puta que estão a foder o mundo todo”. Falamos de Sina, pois claro, tema que abre o álbum de estreia, “Ata Saturna”, e que tantos ali conheciam. Mais do que a letra, trauteou-se e exclamou-se a melodia num dos momentos de maior comunhão do concerto. Não restavam quaisquer dúvidas do quão especial é esta banda para o público do Porto.

Enganados estavam os que achavam que tudo ficaria por aí. Com Zé Roberto Gomes a juntar-se à festa em Ausente e com tempo para passar por “Ata Saturna” e o EP “Bazar Esotérico”, Sol, Cetim e Apocalipse foram as músicas finais. Zé Miguel Silva relembrou pelo meio que “o sol não está igual para todos, caralho”, o público mostrou mais uma vez o quanto gosta desta banda e os Conferência Inferno fecharam com chave-de-ouro um concerto com mais de uma hora, um dos mais enérgicos que vimos em tempos recentes.

Olhando para “Pós-Esmeralda”, nem tudo é nem pode ser uma festa. Mas num momento em que Portugal vê muita música para dançar a brotar, seja eletrónica de dança ou aquela que bebe de baile, está mais do que garantido que os Conferência Inferno também sabem fazer a sua própria celebração. E que bem-vinda é.

Fotografias por Sérgio Monteiro

relacionados

Deixa um comentário







t

o

p