AUTOR

Rui Castro

CATEGORIA
Podcast

N’A CABINE #026: Johan

10 Junho, 2020 - 18:47

Johan assina o 26º episódio do podcast N’A CABINE. E o resultado é bem gourmet.

Embora a eletrónica nacional seja ainda uma cultura de nicho quando comparada com outras, são muitos os agentes nela envolvidos, e nem todos estão pelo lado artístico e apaixonado que move muitas das metrópoles da música por esse mundo fora. Não é o caso de Johan. Basta conversar um pouco com João Pirata para perceber o quão genuinamente devoto à cena este é. E foi com a amabilidade e disponibilidade que o caracteriza que aceitou este desafio e nos desvendou os trilhos que o levaram aos dias – e reconhecimento – de hoje.

Estivemos a cuscar as tuas redes socais e já sabemos um bocado da génese do Johan. Mas explica-nos lá, como é que tudo começou?
Antes de mais quero agradecer a oportunidade que vocês n´A Cabine deram para fazer esta entrevista e partilhar umas ideias convosco. Quanto ao início, a coisa deu-se mais ou menos pelo ano de 2008, 2009. Eu sou de Setúbal e ainda vivi lá. Desde muito novo, por volta dos 14/15 anos, comecei a interessar-me pela música eletrónica, e nesta altura de 2008/2009 quis passar de espetador/consumidor a membro interveniente da cultura. Criei uma promotora de eventos, a System Busters, e começamos com eventos de drum’n’bass, curiosamente. Drum’n’bass, e também electro, maximal na altura, na onda de Justice e Boyz Noize. Acabei por ir viver para Lisboa, e de 2012 até cá fui trabalhando mais afincadamente, fazendo contactos. Em 2014 trabalhei com a Flow Records e essa relação durou quase dois anos, desde artista, promoção de eventos, organização de eventos. Foi basicamente essa a minha história até aos anos que correm.

Nesse nosso digging pelo teu passado, descobrimos também que algumas das tuas influências são Prodigy, Chemical Brothers, Underworld, Plaid, Leftfield e Orbital. Mas arrisco-me a dizer que serão muitas mais, certo?
Sim, são bastantes. Até ao dia de hoje vou acrescentando referências que, no fundo, não têm fim. O que tu gostavas há dois anos não será necessariamente aquilo que tu ouves hoje, mas nunca deixando de te influenciar, seja como artista, seja pessoalmente, seja a tua identidade cultural – musicalmente falando, por assim dizer. Sempre ouvi muita música com os meus pais. Acho que a maior influência que os meus pais me deixaram foram duas bandas: Pink Floyd e Queen. São duas bandas que me lembro de ouvir mesmo muito na minha infância e adolescência em casa. Guns N’ Roses, Bom Jovi, Nirvana… todo o cliché ali dos anos 80/90. E foi um bocado essa a minha “escola” em casa. Na altura em que comecei a ouvir música eletrónica, os Prodigy foram de certeza a banda que mudou a minha maneira de olhar para a música, e acrescentaram todo um espetro musical muito maior. Anos mais tarde comecei a consumir imenso trance psicadélico, de bandas como os GMS, Hux Flux, Sun Project. Era uma vertente muito forte no fim dos anos 90, de 2000 para a frente, que estava bastante entranhada em Portugal e portanto acabei por ir por ai e ouvir bastante. Anos mais tarde, drum´n´bass, dubstep, electro mais novo – voltando novamente aos Justice e aos Boyz Noize – que me permitiu descobrir cenas mais antigas como Cybotron, neste caso Juan Atkins… o verdadeiro electro vindo dos EUA. Portanto, influências são bastantes. Certamente que me estou a esquecer aqui de alguma coisa, mas foi essa a minha base. Ouvi bastante house e techno também quando era muito novo, mas ao fim ao cabo o preconceito veio abafar isso tudo, e só anos mais tarde é que voltei a consumir este tipo de música.

Conhecemos bem a tua versatilidade e a capacidade camaleónica com que abraças cada pista, cada podcast ou cada desafio (Ambient, off-beat, micro-house, eletro, Techno, dnb, you name it). Ainda assim, como definirias a tua sonoridade? O que andas a ouvir mais nos últimos tempos?
Esta será se calhar a pergunta que eu terei menos vontade de responder. Para alguns artistas será mais fácil, para outros será um bocadinho mais difícil estar a definir a sua linha musical. Há quem o faça facilmente, a mim custa-me mais um bocado. Como é que eu posso definir a minha música… não sei, ‘man’. Tudo dentro de um espetro que as pessoas estão à espera. House principalmente, seja mais minimal, mais a abrir, algum techno não muito pesado, mas tudo o que vá dentro desta pequena baliza do house e do techno que me agrade, não consigo definir um estilo. Às vezes mais minimal, outras vezes mais mental, não sei. Gosto de música pastosa, lenta, limpada. Claro que depois para cada podcast, ou neste caso cada DJ set, tens que ter um bocadinho know-how do público que vais apanhar à frente, e aí adaptas-te a cada situação. Coisas que tenha ouvido ultimamente… tendo em conta esta situação toda, o que não falta é tempo para ouvir música, felizmente. ‘Pá’, tenho ouvido muito drum´n´bass. Estive a redescobrir e a estudar a discografia de Calibre e do dBridge, que são artistas com que tu [Rui] te identificas. Lá vem a parte do drum´n´bass, da bass music. Ando a ouvir bastantes DJ sets, agora com esta treta toda dos streams, principalmente DJs portugueses que têm feito os streams para a collect, os da Fuse na qual participei também, que são iniciativas nas quais temos de apoiar, quanto mais não seja com os nossos views, e dar um bocadinho de tempo de antena quando há tanta coisa para consumir na internet. Tenho ouvido também bastante ambient, downtempo, música eletrónica sem ser para a pista… está propício para isso agora. Para já é uma coisa que me agrada muito e depois… não temos pistas, meu, não podemos ir dançar, por isso porque não explorar outras vertentes da música? Seja ouvindo, tocando, tentando fazer, tentando produzir. Temos um cérebro grande, estamos dotados para fazer uma data de coisas, e se nos identificamos com isso, porque não fazer? Portanto, ando a ouvir bastantes géneros de música diferentes. Bastante hip-hop também, a cena americana dos anos 80/90/2000, isso nunca sai das playlists cá de casa. E bastante música cabo-verdiana também, que curiosamente descobri há cerca de dois anos. Funaná e mais assim umas coisas. Tenho gostado de ouvir música africana também, por exemplo.

Estás, ou estiveste, envolvido noutros projetos associados à música eletrónica? Sabemos que sim, mas conta-nos mais.
Comecei a trabalhar com o meu amigo de longa data, o Bernardo Francisco, na Hubble Recordings. A Hubble foi criada por ele já há uns anos atrás e nós já nos conhecemos há algum tempo, e até já tínhamos trabalhado juntos mais numa de ele como promotor e eu como artista. Começámos a falar e a criar interesse por uma certa linha musical e ele achou que fazia sentido ter-me como braço direito por assim dizer. Estamos a coordenar toda a parte da Hubble Recordings, nomeadamente lançamentos e eventos. Mas agora não há eventos, e também não seria essa a nossa prioridade, e sim lançar música. Não há festa, não há palhaços, é mais por aí. ‘Pá’, durante quatro anos (este ia ser o quarto ano), fiz parte técnica do Neo Stage, no festival Neopop, foi lá que te conheci, aliás através do Mario XL e dessa turma toda, que é sempre uma altura muito especial do ano, muito cansativo mas de facto o melhor festival de música eletrónica a nível nacional. E é altamente poder trabalhar, estar naquele meio e trabalhar com pessoas que vivem isso os 365 dias do ano, que é para acontecer naqueles 3/4 dias. Uma energia brutal, uma cena incrível e tu estás lá, sabes como é. Mas pronto, basicamente o que me ocupa mais tempo será a Hubble e neste caso o djiing.

Tens algum ritual antes de entrar na cabine, ou enquanto tocas?
Rituais antes de entrar n´a cabine (risos)… não, não tenho nada de especial. ‘Pá’, gosto sempre de levar um charro enrolado – não sei se vais escrever isto ou não (risos). Para ter ali ao lado, e quando estou a meio do set, já confortável, acendo. Mas, ‘pá’, tradições não. Cada cabine é uma cabine. Mas tenho tradições de sítios. Imagina, chego ao 5A, estou a montar o set up – a pôr os discos, as pens, tudo ali em ordem para começar a tocar – e quando vem alguém bebo um shot para começar a noite com o trabalho. Mas depende muito do sítio, que eu não tenho assim nenhuma tradição tipo jogador da bola de dar um beijinho na mão e um beijinho no chão da cabine (risos).

Como preparas os teus sets? Se é que preparas, obviamente…
Preparar os sets acho que é uma coisa completamente… Cada um terá os seus truques e manhas, mas acho que acaba por se cingir a digging excessivo. Muito digging, levar o dobro da música que realmente precisas, que não conheço nenhum DJ que não o faça (risos). Portanto, se os sets forem mais longos, melhor ainda porque podes ir para vários sítios. Sei lá. Acho que tens de ter ali se calhar uma ou duas horas de linha condutora, e o resto vem através do improviso. Claro que tens aquelas músicas que funcionam sempre, e eu faço isso. Tenho se calhar 10/15 músicas que, por mês, ou por cada dois meses, eu sei que quando tocas aquilo vai. Portanto, é até me cansar da música, até achar que deixa de fazer sentido. Mas muitas horas a ouvir música em casa, essencialmente. Nem tanto tocadas, mais numa de sentado, em silêncio e a fazer o digging. Gosto de beber umas cervejinhas para me animar, isto especialmente mais nos dias chegados ao gig, quando já tenho aquele concentrado de músicas que eu já sei mais ou menos que quero ouvir. Gosto de beber umas cervejinhas no dia do gig também, entrar ali um bocadinho mais no ritmo, e geralmente funciona muito bem. Claro que há sempre uma certa dúvida, e acho que isso é que nos mantem sempre sharp, sempre atentos. “Será que esta vai dar? Será que vão gostar?” E pronto, é sempre desafiante nesse aspeto.

Fala-nos um bocadinho deste set. Exploraste algo em especial, ou foi um à la Lagardère daquilo que estás a sentir neste momento?
Este set tem a ver um bocadinho com aquilo que tenho estado a ouvir, com a vontade que eu não tenho de estar a tocar música de dança em casa. Porque se fez sentido nos primeiros tempos, na cena toda dos streams que foi muito importante para manter tanto o público ativo e interativo, como os DJs, como os artistas neste caso, que é para as coisas no fundo não caírem no esquecimento. Acho que também houve aqui um abuso da coisa toda. Mas isto resume-se a uma coisa que é: a música de dança é para as pessoas dançarem, ponto assente. Portanto, já não está a dar. Já passaram três meses, já estamos a precisar todos de uns abraços e de uns encontrões, uma cerveja na camisola que seja, porque já não dá para estar a tocar para câmaras e a dançar em frente a ecrãs. Por isso, aproveitando um bocado esta toada, decidi fazer um set chill, downtempo, para ouvirem num sábado de manhã quando vierem de uma festa qualquer, ou quando acordarem para fazer as vossas tretas em casa… é uma coisa a apontar mais para o sofá do que propriamente para a pista de dança, que é por isso que a maior parte das pessoas me conhece. Espero que gostem, vai ser feito com muito amor e carinho. Estou a trabalhar nele já há 3 dias.

Pergunta da praxe (e talvez até ambígua dado os dias que correm): O que podemos esperar de ti no futuro?
‘Pá’, essa pergunta (risos) nos dias de hoje é o que esperar do quê… quando. Está tudo parado, está tudo uma grande merda, literalmente. Parece que está tudo a abrir menos os clubes e os festivais. Vai tudo voltar a ser uma normalidade estranha. Portanto, enquanto não houver flexibilidade/abertura para nós artistas e público estarmos outra vez juntos em comunhão, não há que esperar nada porque está tudo parado. Aliás, ainda vou falando com o Bernardo por causa da cena da Hubble mas vais lançar discos para quê? Ou até podes lançar discos, mas não vão comprar. Ou vão comprar e não vão toca-los. As pessoas não têm dinheiro para consumir música, não têm dinheiro para ir para os sítios. ‘Pá’, e desculpa aqui o desabafo, mas não está risonha a situação. Há sítios que vão fechar. Sítios que, a bem ou mal, dão trabalho à malta. Está aqui uma bola de neve complicada. Vamos ver sim, como é que vai ser esta situação toda dos DJs estrangeiros a virem para cá, porque vai ser muito complicado. Assim que as coisas começarem a abrir, seria simpático por parte dos promotores – e eu acredito piamente que vá acontecer – começar a dar muito mais força aos artistas portugueses em vez de estarem a pagar caches milionários e essa treta para encher casas. Já se sabe que o que temos cá em Portugal é bom e chega lá fora, por isso não sei porque é que não enche pistas cá. Em relação ao futuro mais próximo, se a malta quiser curtir e dançar, é arranjar uns sítios pequenos e dar umas festinhas ilegais (ou mais ou menos legais), porque senão este ano não temos verão. Está tudo em águas de bacalhau, como se diz. Apesar de tentar manter o optimismo, não está fácil. Ainda para mais para pessoas que só vivem disto, os apoios são nulos. A maior parte das pessoas que conheço, que trabalham na cena da eletrónica, têm de ter um “day job”. Eu gostava de estar aqui com outro paleio, mas não estou. Vai valendo a internet, voltando mais uma vez aos vídeos, aos streams, aos VJs, a vocês. ‘Pá’, mas o pessoal está fora, querem é vir todos para a rua e andar de pé descalço a dançar. Vamos ver o que é que o fim deste ano traz, e o início do outro. Espero que coisas boas, porque estamos todos a precisar.

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