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Reportagem

LISB-ON: um Jardim Sonoro onde a música fala mais alto e se faz ver, ouvir e sentir

7 Julho, 2023 - 16:40

Três dias de dança variada, sim, mas também de concertos naquela que foi a segunda vez do LISB-ON Jardim Sonoro no Jardim Keil do Amaral.

Ainda não eram 17h quando fomos finalmente autorizados a entrar no recinto da oitava edição do LISB-ON. Ainda que o arranque estivesse quase uma hora atrasado, confesso que a envolvente do espaço rapidamente me atraiu, uma vez que esta seria a minha primeira edição no festival desde a mudança de localização. Cativa-me unir natureza e música desta forma bonita e o Jardim Keil do Amaral é sem dúvida um pulmão na cidade de Lisboa.

A antecipação do festival para o inicio de julho, que outrora e realizou sempre nos primeiros dias de setembro pareceu-me eficaz, a meteorologia queria colaborar apesar do intenso calor que se fazia sentir e previam-se três dias de muita música espelhada num cartaz bastante completo – com vários talentos nacionais, concertos e alguns b2bs interessantes.

Sem mais demoras, subimos até ao Lake Stage para ouvir a última hora de Polygonia. Tinha um grande interesse em ouvir a artista alemã – as suas produções têm vindo a ganhar ênfase ao serem utilizadas como temas introdutórios em sets de DJs de renome como Eric Cloutier ou Rene Wise. Batidas downtempo acompanhadas de um top-end mental, composto de texturas oscilantes que criavam um chamamento – o perfeito kick-start do festival. Enquanto assistíamos ao set, duas raparigas distribuíam cinzeiros portáteis e recolhiam beatas do chão – uma medida necessária não só de prevenção mas também de cuidado pelo espaço envolvente.

Num festival com três palcos, decisões difíceis precisam de ser tomadas. Prevendo que iria ser quase impossível no primeiro dia deixar o Lake Stage devido ao line-up animador que se seguia – Claudio PRC, DJ Nobu e DVS1, já depois do inicio da atuação de Amulador e André Cascais ter começado decidimos ir espreitar o b2b de Manuel Cotta e Luisa ao Secret Stage. Apesar dos problemas técnicos que se faziam sentir devido ao vento forte e a falta de protecção lateral daquele palco, a dupla não se deixou abalar. Um set ritmado com boas faixas a rodar, entre elas Freaky, de Panos Pissitelis e Junior Mi. Um final de tarde agradável com uma vista incrível sobre o rio Tejo. Foi assim que foi crescendo a vontade para a noite que se avizinhava.

A fome começou a apertar e foi a desculpa perfeita para descer até à entrada do festival e conhecer esta zona que tinha sido deixada para mais tarde. No local destinado às food trucks de comida a oferta variava entre hambúrgueres, sushi, comida italiana, asiática e até waffles ou crepes para sobremesa. No lado oposto, havia pontos de carregamento cashless (o método usado também nas edições anteriores e que efetivamente resulta), merchandising do festival e também venda de tabaco.

De volta ao Lake Stage, já Claudio PRC tomava conta das hostes. Tocava para uma pista agora cheia, animada e algo surpresa com a habilidade do italiano. Ouvia-se por entre sussurros “Quem é o DJ que está a tocar?”; “PCR ou PRC?” – Não, não estamos a falar de testes de covid, é mesmo o veterano do techno que conta com quase 20 anos de carreira. É também residente no club Ankari, em Praga, e desde o inicio deste ano também no lendário Tresor, em Berlim.

Ao anoitecer o cenário ganhou outra dimensão. Entendia agora o porquê de ter sido colocada uma rede na estrutura do palco à frente do DJ. As projecções que estiveram a cargo do português Fernando Oliveira, mais conhecido por Feroli e tendo a seu cargo o projecto de visuais DICROIK, deram a intensidade e profundidade certas, tal e qual o que música que tocava pedia.

DJ Nobu teve uma entrada triunfal que agarrou o público desde o primeiro segundo. Groove e basslines pesadas era o que nos entregava e satisfazia os desejos da pista. De louvar uma vez mais as projeções do Lake Stage, desenhadas ao pormenor mas que, ainda assim, deixavam o cenário escuro e hipnótico o suficiente, tal como se quer numa boa rave. Alguma incoerência na última hora do set levou-nos a ver o que se passava pelo palco LISB-ON. Aqui, encontrei um público massivo de braços no ar ao som do DJ set de Jungle e, mais tarde, Purple Disco Machine trouxe o melhor de disco e house para cima da mesa de mistura.

Era altura do grão mestre DVS1 entrar em ação e como não gosto de perder uma boa intro pusemo-nos a caminho do Lake Stage. Faltavam ainda alguns minutos para este dar inicio ao set e no backstage havia risos e boa disposição. Entrou direto ao assunto, com uma faixa de Dold, Asocial, e um vocal que proferia as palavras “open your eyes”. Foi o inicio perfeito de duas horas e meia de um techno assertivo dos anos 90, progressivo e uma batida seca e sexy a acompanhar o dance floor que se fazia dançar com entusiasmo – uma pista repleta de amigos e conhecidos, abraços e sorrisos. Assim terminou o primeiro dia, intenso mas carregado de música interessante.

Chegámos ao festival no segundo dia por volta das 16h30, a tempo do b2b de Telma com o Worm Class. Mais um opening set com classe e qualidade. Estava um calor abrasador, mas salvaram-nos as bebidas frescas e dois rapazes que caminhavam pelo recinto com um repuxo de água para refrescar o público – outro ponto interessante desta edição. Sexta-feira foi uma noite entusiasmante e o cansaço teimava em persistir, mas não me quis dar por vencida.

No Lake Stage, Cruz já se fazia ouvir, seguido por Miguel Neto. No Secret, era Laura e Brusca a controlar o final de tarde. Descemos até à cantina para jantar, o sol ia-se desvanecendo e aparecia uma lua envergonhada por cima do palco principal. É sempre um momento especial quando as luzes se começam a evidenciar, principalmente quão são bem feitas e o palco LISB-ON não deixou a desejar nesse campo. Por esse mesmo motivo, sentei-me no jardim em forma de anfiteatro e fiquei a apreciar aquele momento. Cookin Soul aquecia o público para o americano Freddie Gibbs com clássicos dos 90’s de Nas, Heavy D e até Alicia Keys. Entre o mix pudemos também ouvir também faixas da sua autoria, tal como givemeaminute, lançada em 2019.

Aguardámos pelo início do rapper, uma vez que às 22h30 já tínhamos encontro marcado no b2b de Cravo e Fresko, dois DJs e produtores que admiro, diferentes na sua seleção e por esse mesmo motivo tinha curiosidade em ouvir a junção dos dois. Uma vez mais na impossibilidade de omnipresença, tivemos que deixar de parte o b2b de Salbany e Acid Cell que, pelo feedback da pista, foi incrível e trouxe algum arrependimento por não ter assistido.

Já Cravo e Fresko assumiam a cabine quando tentámos furar uma pista completamente cheia. Faziam as delicias de quem por lá estava – um público bastante enérgico e eles a corresponderem à sua expectativa. Foi um set fora do comum onde ambos se encontraram num ponto mútuo que fez todo o sentido – alegre e divertido, rodaram faixas house, electro, techno e até a um vislumbre de D&B tivemos direito. Foi neste momento que pude observar nas laterais da pista instalações de luzes construídas através de materiais reutilizáveis, neste caso garrafas de plástico. Mais um ponto forte para a sustentabilidade.

O começo do live set de Temudo, que se seguia estava atrasado, dava-nos todo o tempo para ir ouvir as incontornáveis Sister Sledge. Mesmo na hora certa, as irmãs de Filadélfia entoavam o tema de 1979 We Are Family, que as ajudou a chegar até às luzes da ribalta nos anos 70/80 e lhes valeu uma nomeação para um Grammy. O público entoava a música em plenos pulmões alinhado com as artistas, não restando assim dúvidas de que o festival estava destinado a várias gerações e que este é um tipo de aposta certeira no LISB-ON Jardim Sonoro.

Voltámos para o Secret Stage assim que soubemos que Temudo se estava a preparar para dar inicio ao live set, passavam agora uns minutos da 0h30. A atuação do torreense foi aquilo que considerei o momento alto do festival. Temudo provou uma vez mais que é um mestre no que toca à produção, que o seu engenho com a maquinaria vai muito além do básico. Sente-se completamente à vontade nesse campo e isso ficou claro dada a qualidade do live set que entregou. Os devotos do techno estavam atentos, a pista tornou-se mais séria e aqui viveram-se momentos de rave pura e crua naquela (curta) hora e vinte.

Mais tarde tive oportunidade de conversar um pouco com João Rodrigues sobre o seu set e este que partilhou ter usado uma combinação do Ableton Live, dois controladores e um Pèrkons da Erica Synths. Desta forma, conseguiu utilizar o melhor de dois mundos – o poder da sonoridade analógica em combinação com a versatilidade que o Ableton oferece (LFO’s, sequenciadores, reverbs, etc…). Resta-nos rezar para que futuramente repita este momento magistral. O pico de energia foi tal, no entanto, que o corpo se ressentiu e demos assim por terminado o segundo dia de festival.

Não há duas sem três, claro, e lá fomos nós para as últimas horas de música no Jardim Sonoro. Francisca Urbano e Mariana Callapez deram início ao último dia no Lake Stage, enquanto Mary B iniciava a tarde no Secret Stage. Teria ficado um pouco mais neste palco, não fosse o calor que se fazia sentir e a falta de sombra. Subindo até ao Lake Stage, já Francisca e Maria rodavam faixas construindo um set com tendências ambiente muito bem cuidado, com uma seleção irrepreensível envolvendo o público que se ia juntando cada vez mais. Ofereceram assim um começo notável ao terceiro dia de festival.

Valentino Mora entrou de seguida e foi a combustão que a pista precisava para as seguintes horas. Uma performance tecnicamente incensurável, o DJ soube exatamente o que fazer nos momentos chave e satisfez os desejos do crowd que correspondia a cada batida. Emocionante de se ver a união que criou, de tal modo que até os até então desistentes se levantaram para acompanhar o ritmo.

O palco LISB-ON tinha uma programação bastante interessante no domingo à noite – Moullinex & GPU Panic ao vivo (que tinham o próprio palco montado no meio do público, como no festival Elétrico), Sainte Vie live e ainda Ben Böhmer também em formato live. Contudo, a curiosidade de ouvir até onde Eric Cloutier e Donato Dozzy nos iam levar ganhou a melhor e foi aqui que terminámos o terceiro e último dia.

Cloutier trouxe até Lisboa uma selecção musical inigualável – tocou faixas de Polygonia, Jeroen Search e também Alfredo Mazzilli. A forma subtil como subia e descia no set comprovou uma vez mais o quão bom é na arte de misturar. Finalmente Dozzy, com uma entrada triunfal e poderosa (toca a faixa Lipsius, de Porter Brook) ofereceu-nos uma viagem sci-fi e introspetiva, bem ao seu estilo, mas sem nunca perder a energia de uma pista que desejava encerrar o festival com o coração arrebatado. Segundo as reações, foi isso mesmo que aconteceu.

E foi assim que terminou mais uma edição de LISB-ON Jardim Sonoro. Foram três dias em cheio de coração quente, caras conhecidas, amigos de longa data e também novos que surgiram num ambiente festivo e de boa disposição. O festival primou pela localização de excelência, com atenção ao pequeno detalhe e brindou-nos com um cartaz bem cuidado, oferecendo uma grande diversidade de artistas para todos os que priorizam a música de dança. Há sempre espaço para a evolução e, ainda que este cardápio tenha sido excelente, analisando e comparando com as edições anteriores, gostaria de numa próxima ver, talvez, mais variedade de artistas portugueses e mais um ou outro concerto. Mas uma coisa é certa: vemo-nos para o ano!

Fotografias por Rúben José

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