AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Reportagem

Festival Elétrico cumpriu, mas ainda pode ser mais

18 Julho, 2024 - 17:09

Recordações trazidas do Parque da Pasteleira após mais uma edição de festival Elétrico.

À sexta edição, o Elétrico voltou a mostrar a importância para a cidade do Porto. Novamente no habitual Parque da Pasteleira, entre 5 e 7 de julho, o festival trouxe muitas atuações e a vontade de se afirmar como um evento para ser desfrutado durante o dia. Mas já lá vamos. Primeiro, a música.

Quando chegamos à pista na sexta-feira, Joy Orbison a homenagear pares britânicos – primeiro com Floating Points em Del Oro e no remix a Years, depois com o acid de DJ Esp em Ab Fab! e ainda com faixas como o garage de Moonlight, de Sammy Virji. Mas não se ficou por aí. Ainda foi a lados afro – quase certo que tocou algo da Príncipe – à voz de Björk em Alarm Call (French Dub) ou à sua própria Better. Set completo, vibrante e pontapé de saída ideal para nós – embora tenhamos ficado com pena de perder Cruz b2b Tiago Carvalho e Solid Funk.

Com o jogo de Portugal contra França, a contar para o Euro, marcado para 20h, muitos dos presentes saíram da pista, até porque a organização colocara um ecrã no recinto. Compreensível, mas algo estranho, tendo em conta o que se espera deste tipo de eventos. Mesmo dizendo isto, a verdade é que também nos fomos distraindo pontualmente com o jogo.

À mesma hora, DJ Holographic, uma das mais notórias DJs de Detroit e uma das poucas mulheres no cartaz – e até a única pessoa negra e o único nome dos Estados Unidos da América. Muito mais contundente do que o set anterior – mas sem deixar de ir a coordenadas disco, por exemplo, como em Soul Thing, de Softmal – deliciou-nos com uma lógica mais estadunidense, digamos assim. Tocou pelo menos três temas de Floorplan – Oasis, Tell You No Lie e Never Grow Old – e trouxe uma força que não se sentiria de seguida.

Fotografias por Helena Tomé

Não agradou a todos, mas agradou a muitos: Dixon em b2b com Kristian Beyer, aliás Âme. Bem representativo da sonoridade Innervisions, pois claro, este foi um set de 3h em que os DJs tiveram tempo para ir progredindo, faixa a faixa, passo a passo. Não é o género preferido de quem vos escreve, mas não há como negar a técnica ou o impacto que teve em tantas pessoas ali presentes. Na verdade, foi magnético o suficiente para nem ter tempo de tirar notas – à exceção da faixa Midi Waters, de Extrawelt.

No sábado, novamente com bom tempo, a luz do dia voltou a confirmar o ambiente familiar e convidativo do festival e dos espaços verdes. Depois de Klin Klop b2b Diana Oliveira e Xinobi b2b Madd Rod, o experiente Tiga. Set eclético e irrepreensível do canadiense, perfeito para aquela hora do dia, que tanto foi ao acid e ao house como a pontos mais hipnóticos ou de breaks. Para dar uma ideia, Mutant DX, de Maceo Plex, Get Together, de Raxon, Ich und meine Ubahn, de 11Schnull, o remix de Sasha à Flutes, dos Hot Chip, ou Björk em Hyperballad foram alguns dos temas ouvidos.

A partir das 20h, hora de Michael Mayer. Algo enérgico, algo romântico. Excelente abordagem para o contexto, numa aventura que foi desde Flow My Tears, de Simone De Kunovich, até Far Away, de Fabrizio Lapiana, passando por faixas como flight fm, de Joy Orbison, música ouvida pelo menos três vezes ao longo do festival.

Depois de tomarem conta de parte da tarde no ano passado, o regresso de Moullinex & GPU Panic ao centro da pista, repletos de máquinas, desta feita pelas 22h. Admitimos que fomos descansar as pernas, aproveitando também os jardins do recinto, e perdemos grande parte deste live. Nos 15 minutos finais e com temas como Inner Child à mistura, a reação e o calor do público pareciam mostrar que este fora um dos momentos altos.

Sucedeu-se depois um dos destaques do festival – mesmo com um problema técnico de som pelo meio – Sven Väth. Nome incontornável, cheio de discos de todos os lados. Se uma hora depois do arranque estava a ir a Your Love, de L.B. Dub Corp, ou Animae, de Voodoos & Taboos, na parte final foi ao techno mental e denso de Psyk e Orbe, em OSI Model, antes de partir corações com três clássicos: a sua L’Esperanza, Jaguar, de DJ Rolando, e It’s My Life, de Talk Talk. Brilhante.

Domingo foi uma afirmação daquilo que é o Elétrico: bom tempo, sim, e música ainda melhor. Este ano, à exceção de DJ Holographic, faltaram DJs negros dos Estados Unidos, por exemplo, algo típico deste evento. Relembremos que, em edições passadas, ouvimos por lá vários nomes desta escola pioneira da música de dança. 2019 é um desses casos, com atos como Inner City, Kerri Chandler, Moodymann e Theo Parrish no mesmo cartaz; ou até 2023, com Kyle Hall e Carl Craig com Jon Dixon no mesmo dia.

Ainda assim, reiteramos, domingo foi um dos dias mais ricos que tivemos em tempos recentes em festivais no que toca a música de dança. Alinhamento certeiro, com os nacionais Telma b2b David Moreira e os internacionais Danilo Plessow e Gerd Janson a abrirem tudo.

Dúvidas houvesse, Danilo não deixou que restassem. Sol tórrido, sim, mas ninguém a arredar pé da pista. Tons disco, funk, house, a passar por Casanova, de Coffee, Don’t Go Lose This, de Daniel Wang, Zombie, de Methusalem, ou o remix de Louie Vega a Interactive, de Billy Cobham. Mestre. E o mesmo se pode dizer sobre Gerd Janson, embora este tenha puxado mais um pouco – também o dia continuava a correr, claro – com temas como Feel My Needs, de Weiss, Zdarlight, de Digitalism, e Right Now, de LB aka LABAT. Pelo meio, Janson ainda pôs How Deep Is Your Love?, dos The Rapture. Simplesmente arrepiante.

Se os atos de domingo já nos tinham deixado deslumbrados, não sabemos se dá para explicar o quão bom foi Kruder & Dorfmeister. Associados a música lounge, downtempo ou trip hop, os DJ sets (ou lições) da dupla são muito mais do que isso. Se por um lado houve o lado chill da original High Noon, por outro houve drum’n’bass na forma de leavemealone, de Fred again.. & Baby Keem, ou It’s Time, de Sub Focus & Gene Farris – e isto para não falar de flight fm, de Joy Orbison, temas de Caribou (Honey e Cloudy) ou até de uma faixa garage bem rápida e enérgica. Tão eclético e rigoroso quanto possível. Memorável até mais não.

Daí, cabine para Rui Vargas, mestre de encerramentos do festival Elétrico. Por entre o remix de Danny Tenaglia ao clássico The Horn Ride, N-Joi em Anthem ou Funkytown, de Lipps, Inc., Vargas só teve 1h30m nas mãos e acreditamos que poderia ter tido um pouco mais tempo, mas não deixa de ser a figura que nunca há de desiludir – ali ou noutro lado qualquer.

Sem afters oficiais para que se possa desfrutar o dia

O propósito do Elétrico é claro: um festival para todas as pessoas, desde jovens a famílias, com atividades que começam logo de manhã. No fundo, é por isso que “não há after parties oficiais”.

“O objetivo é trazer o público mais cedo para cá”, referiu o cofundador Vitor Magalhães, ainda antes desta edição, em declarações que podem ser ouvidas no Instagram do Elétrico. “Vão dormir e estejam cá de manhã” para “gozar o dia, com aquilo que é o princípio base do festival: equilíbrio.”

Também por isso, à imagem de edições anteriores, há uma área para crianças, com várias atividades, além de que todo o espaço verde envolvente é atrativo para as famílias – e não só. Este ano, houve ainda momentos como taças tibetanas com meditação ou ecstatic dance.

Nas mesmas declarações atrás citadas, Vitor Magalhães notou que “a energia que se consegue ter numa festa de música eletrónica durante o dia é completamente diferente” do que acontece à noite. “O grande desafio foi trazer para o Porto um festival que usasse públicos diferentes, para que acontecesse num espaço verde, como este aqui, durante o dia, e que fosse, acima de tudo, um festival urbano e de equilíbrios, que é o que o Elétrico tenta ser”, disse.

Tenta ser e é. O Elétrico pode dar ainda mais ao público – voltar a dar atenção a escolas de Chicago ou Detroit, por exemplo, ou fazer alguns aprimoramentos, como sombras na pista durante o dia e luzes nas árvores mais escondidas à noite – mas não deixa de ser uma opção certeira e, à data, praticamente única na cidade.

A oferta não se fica pela música, que este ano foi acompanhada por visuais melhorados, pelo espaço ou pelas atividades. Há um mercado, uma exposição de mupis, boas casas de banho, acessos e segurança garantida por polícia – esta última sem ser excessiva nem opressiva. No fundo, um bom plano para um fim-de-semana no Porto.

Entretanto, a próxima edição de Elétrico já está confirmada para os dias 4, 5 e 6 de julho de 2025. Lá estaremos, certamente.

Fotografias por Helena Tomé, cedidas pela organização

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