AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Reportagem

Joana de Sá no Passos Manuel – ou como esquecer o mundo lá fora

17 Outubro, 2023 - 14:38

Mais uma prova da sorte que temos em poder ouvir a música deste nome.

Há concertos que conseguem fazer mais por nós do que ombros amigos. E na passada quinta-feira, no Passos Manuel, Joana de Sá foi o abrigo por que eu tanto procurava nesta secularidade cada vez mais penosa e difícil de atravessar. O conforto foi tal que decidi escrever este texto.

Vivemos um mundo de caos e tristeza todos os dias. Local, nacional ou internacionalmente. Joana de Sá faz parte de uma série de artistas que me e nos tem ajudado a passar por isso tudo. Se A Garota Não ou Ana Lua Caiano são duas músicas que tocam na crise da habitação e do trabalho, por exemplo, a artista viseense, Xexa ou Rita Silva são três nomes que ajudam a encontrar fôlego nas paisagens sonoras que compõem.

Com “Lightwaves” na bagagem e dias após a passagem pelo OUT.FEST, no Barreiro, o concerto no Passos Manuel foi mais uma amostra da sorte que temos em poder ouvir a música deste nome. A beleza da obra de Joana já havia sido comprovada em “Shatter” antes do referido regresso à sirr-ecords. E esta atuação foi outra prova disso.

Joana de Sá faz-se acompanhar por guitarra e microfone, mas grande parte do concerto é fruto de trabalho em computador. A sua voz escutar-se-ia e seria mais trabalhada na parte final, enquanto as cordas do instrumento foram transformadas em loops pouco após o arranque.

Sem certezas, estou na ideia de que o concerto foi todo baseado em “Lightwaves”. Sendo ou não, foi tão enriquecedor quanto o disco pode ser para quem o escuta.

Os cerca de 45 minutos de atuação começaram com repetições de grilos e mais dois ou três insetos. Há muitas gravações de campo nesse álbum e essas ouviram-se também na sala escura do Passos Manuel, como se notou nesse caso ou naquilo que parece ser uma conversa de Joana com uma amiga.

Drones mais ou menos ásperos, muitas cordas (Louis Wilkinson toca violoncelo no disco) para embalar, oscilações que tanto nos elevam como nos restringem a uma agonia estranhamente confortável, paisagens celestiais para sonhar e a vontade de ficar ali para sempre. Acredito que possa haver muitas interpretações em momentos como este – para mim, foi um retrato do dia-a-dia, da procura por pequenos focos de luz por entre a escuridão.

O quebranto e as lágrimas chegaram perto do fim com a repetição de um poema que ainda hoje ecoa por estes lados. Quatro vozes em diferentes tempos – uma grave e masculina, a voz feminina do Google Tradutor e duas de Joana de Sá, uma dessas gravada no momento – repetiram-no vezes sem conta. “Tenho contemplado o meu desaparecimento, mas não acho que faça muito o meu estilo. Tantas vezes, na varanda, olhei para baixo e ponderei a queda”, ouvia-se, bem como palavras que não fugiriam muito disto: “Ir, um corpo, agitar-se ao vento, solto e plantado como uma azinheira que engana a morte.”

Cada um de nós pode ter uma perspetiva diferente da música de Joana de Sá. É parte do encanto. Mas não há dúvidas de que “Lightwaves” é boa companhia para os dias que correm. E um concerto como este… um breve mas bem-vindo refúgio.

Fotografia por David Madeira

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