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Joana de Sá: “Lightwaves” e o universo musical de uma eterna curiosa

19 Dezembro, 2023 - 15:06

Da exploração e curiosidade, Joana de Sá constrói paisagens que contam histórias. Miguel Rocha conversou com a jovem para saber mais sobre esta aventura.

Para Joana de Sá, tudo mudou em março de 2022, quando esta eterna “curiosa” colocou “Shatter” cá fora. A artista multifacetada nascida em Mortágua, vila localizada no distrito de Viseu, não adivinharia o percurso que se avizinhava para os próximos 18 meses.

As conquistas têm sido várias. Tocou em festivais como o Jardins Efémeros (no seu distrito natal) em 2022 ou no OUT.FEST 2023 (na Biblioteca Municipal do Barreiro onde, no ano anterior, viu claire rousay, uma das suas principais referências musicais) e em espaços como Passos Manuel. Colaborou com artistas como Clothilde, Tiago Sousa ou João Ricardo (aka ocp) e, além disso, lançou um segundo disco, “Lightwaves”, que em nada soa ao primeiro e se revela um excelente exercício de música exploratória. E como se não bastasse, concluiu a licenciatura em design na Faculdade de Belas Artes do Porto. 18 meses bem preenchidos, portanto.

“As coisas aconteceram bastante rápido”, confessa a jovem. Admite que sente que conseguiu lidar bem com os eventos deste ano e meio, mas acrescenta que muitas vezes tinha de ser “metódica” para conciliar tudo: a faculdade, a vida pessoal, a música e o trabalho no Coliseu do Porto. Contudo, algum autoquestionamento foi surgindo – o que raio estava a acontecer na sua vida? No espaço de pouco mais de um ano, Joana passou de sonhar com fazer da música e arte vida para se revelar (e confirmar) uma das mais excitantes novas artistas do universo da música exploratória do nosso país – o Bandcamp Daily que o diga.

A história de Joana é semelhante a outras da pandemia. Meses antes de o mundo parar, Joana tocava numa banda de rock constituída apenas por mulheres. Porém, devido ao confinamento, teve de alterar a forma como fazia música. Sem poder estar com as companheiras de banda, começou a operar de outra forma: isolada. A sua curiosidade levou-a a explorar o que “podia fazer com a guitarra” e começou a publicar loops crus no seu Soundcloud como forma de “arquivo”. Nunca lhe passou pela cabeça que essas gravações chegassem às mãos de Paulo Raposo, principal cara da notória sirr-ecords.

“O Virgílio Oliveira, que é um senhor cá de Viseu, mandou-me mensagem a dizer que tinha mostrado a minha música ao Paulo Raposo e que ele gostava de editar a minha música”, conta. Foi assim que “Shatter”, após uma conversa com Paulo, foi editado pela sirr.

Joana fala de “Shatter” como um disco feito muito graças a “explorar o que podia fazer com a guitarra”. Descreve-o como um álbum que é um momento de “transição” entre o que “fazia” – música eletroacústica – e “ouvia” – principalmente, música feita à base de guitarras estridentes. Criado durante a pandemia, é um trabalho muito bem conseguido, uma carta de introdução ao universo sonoro de Joana. Para quem escutar “Lightwaves”, deve depois ouvir “Shatter”. São dois discos que se nota terem sido feitos pela mesma artista. Em ambos, a curiosidade pela exploração dos sons é o motif para idealizar as paisagens das canções de cada disco.

Em “Lightwaves”, as paisagens são a chave para entender a história de cada canção (escutem bem como “Quando cai só” se desenvolve como grande exemplo disso). Face a “Shatter”, as malhas são mais longas e introspetivas, fruto da maior sensibilidade de Joana para com os sons do seu “dia-a-dia”. Se “Shatter” foi principalmente construído através de sons de guitarra e sintetizador, “Lightwaves” é todo um outro monstro. A guitarra, quando se escuta, é mínima – e sintetizadores ainda mais minguados são. O que nos guia em “Lightwaves” são os field recordings que Joana captou e utilizou como samples para construir o seu universo de conforto.

“Ando sempre com um pocket recorder”, revela. “Utilizo-o para captar sons, como se fosse uma câmara fotográfica”. Ao captar esses sons, Joana está a imortalizá-los. Ao inseri-los nas músicas, está a dar-lhes novos significados. Do único e estático, da rotina viciada, constrói movimento perpétuo, narrativas multi-episódicas. A lindíssima “Sobre o rio e as pontes” é um excelente exemplo disto. Lembra uns Sensible Soccers se estes fizessem uma malha de eletroacústica. Tudo certo, portanto.

A música de Joana, contrariamente às obrigações rápidas e imediatas do mundo atual, recompensa pelas escutas repetidas. Com cada nova audição, algo de novo nos estimula e entendemos melhor o que está a acontecer à nossa volta. Joana também. “À medida que vou fazendo mais música, também vou percebendo coisas que não percebi quando estava a fazer o disco”, indica.

Conversar com outras pessoas ajuda-a a entender melhor as suas próprias criações. Estas surgem tanto de um misto da sua própria curiosidade como da sua necessidade de exteriorizar o que sente. “Às vezes, há pontos de vista que eu, enquanto compositora ou produtora, não estou ciente. As palavras que as pessoas usam para falar da minha música ajudam-me a perceber como a minha música é entendida”, reflete.

O concerto no Passos Manuel foi, de certa forma, o encerramento da fase de “Lightwaves” para Joana. Tal como com “Shatter”, há faixas de “Lightwaves” que não voltarão a ser tocadas. Transformar-se-ão, tal e qual um som captado pelo gravador de Joana, como um momento único para quem as escutou. Mas a próxima fase artística de Joana já não está longe de ser revelada.

A dividir o seu tempo entre Viseu (principalmente) e Lisboa, Joana de Sá encontra-se a preparar o seu próximo projeto, tudo enquanto o seu interesse por design é revigorado. “Curiosamente, depois de sair da licenciatura, depois de tanto tempo a deixar o design de lado, parece que afinal gosto de trabalhar em design”, manifesta. É a sua curiosidade a vir ao de cima, a ganhar interesse – ou a revigorar – conforme aquilo que lhe chama “a atenção”. É por isso que não diz ser apenas “artista sonora ou visual”. Encaixá-la num só universo é injusto para a sua obra.

É a polivalência de Joana que torna o seu futuro fascinante. A sua próxima etapa artística está próxima – e é interessante. Com financiamento da Câmara Municipal de Viseu, Joana encontra-se a preparar composições com base na exploração de acústico de sítios megalíticos da Beira Alta. A fase de recolha de campo já está praticamente terminada – a composição das faixas está agora a decorrer. Se tudo correr bem, o disco resultante dessas explorações sairá no primeiro trimestre de 2024. Da nossa parte, estaremos cá para o ouvir. Se a curiosidade de Joana é imensa, a nossa para a ouvir ainda é mais. É música do futuro a ser feita agora.

Direitos de imagem reservados. Segunda fotografia por David Madeira.

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