AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Reportagem

À boleia da energia do Elétrico durante três dias

24 Julho, 2018 - 13:08

Sol, música e dança não chegam para descrever o que se viveu na primeira edição de Elétrico.

Diz-se que este julho é o mais frio dos últimos 30 anos, mas não foi isso que se sentiu na estreia do festival Elétrico. No sublime Parque da Pasteleira, a música começou na sexta-feira, dia 20, através das mãos do residente do Plano B João Semedo às 14h mas, antes disso e à semelhança dos dias seguintes, haviam mais atividades para os presentes.

Além de Lu Jong, uma prática de Budismo Tibetano que aconteceu todos os dias das 14h às 21h, sábado e domingo também receberam, num dos inúmeros espaços verdes do recinto, sessões de meditação e de rituais de dança. A organização apelidou-as de sessões de “energia”, algo que os presentes certamente tinham para dar e vender.

Isso começou a evidenciar-se depois de Gusta-vo, que, mais uma vez, comprovou saber precisamente qual é o seu trabalho na cabine. O uruguaio Nicolas Lutz trouxe a bagagem cheia de relíquias para o Porto, e conduziu os presentes, muitos destes à sombra dado o forte calor que se sentira, durante duas horas – e ainda durante mais tempo no after, no Industria.

Call Super é daqueles, à semelhança dos que o antecederam, que conhece perfeitamente o seu lugar, hora e função. Eram 19h, mas pleno dia, quando o alemão começou a girar discos com firmeza e precisão. Por essa altura, muitos dos presentes prosseguiam não só em comentar a qualidade de tudo o que se ouvia, mas também o vasto espaço disponível para dançar – não eram assim tantos os presentes.

Depois disso, dois artistas de Chicago mostraram de que é que são feitas as suas raízes. Delano Smith e Honey Dijon, dois atos estonteantes, trouxeram muito house e ritmo até ao Parque da Pasteleira. Smith, sério e focado, fez dançar com K-Warp de Kenny Dope ou a mais recente Pick Up de DJ Koze, por exemplo, entre tantas outras embebidas em pura animação.

Já Dijon, ciente do seu poder atrás de uma mesa, foi a responsável por fechar o primeiro dia de festival. Num momento marcado pelo seu jogo de volumes, a americana respondeu às expetativas da melhor maneira, ainda que muitas das músicas selecionadas já tivessem sido escolhas em outros sets – entre essas, o discurso I Have A Dream de Martin Luther King. Ainda assim, não deixou de inovar, como exemplificou ao juntar This is America de Childish Gambino à forte energia com que nos presenteou.

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No sábado, o calor manteve-se. Tudo começou com a dupla “da casa” Diana Oliveira e Vasco Valente, que foi sucedida pelo duo lisboeta André Cascais e João Maria. Ambos os atos, que foram mote para a festa entre as 13h e as 17h, tentaram amenizar o público, que ora tirava a camisola ou o calçado com o calor, mas a maioria estava decidida a deixar-se levar pela excelente música à sombra – tanto numa zona de árvores como na zona “chill”, esta última servida por vários assentos que garantiam o conforto dos mais cansados.

O incontornável Fumiya Tanaka sucedeu assim os dois back-to-back portugueses. Carregado de vinis e conhecimento, Tanaka fez com que o público se juntasse cada vez mais próximo do palco – uma estrutura idêntica a um elétrico – e que ignorasse o sol abrasador. Durante pouco mais do que uma hora, minimalismo e amor foram os ingredientes base da receita que o japonês cozinhou naquela tarde de sábado.

Cristi Cons e Vlad Caia, os romenos responsáveis pelo projeto SIT, munidos de maquinaria como um mixer Midas Venice, uma Korg Electribe ou uma MFB Tanzbar, mudaram um pouco a sonoridade que se sentira. Muito do minimalismo continuou presente, mas a energia que o público demonstrara através dos passos de dança ou dos gritos tinha claramente sido influenciada pela música do live de SIT.

Zip e Rhadoo, cada um à sua maneira, também não fizeram por menos. O primeiro, como não poderia deixar de ser, trouxe clássicos da sua Perlon, mas muito mais além disso. Trouxe uma evidente aptidão para controlar as turntables, além de uma capacidade de interpretação dos presentes inigualável, que fez todos dançar incessantemente. Já o romeno manteve a celebração em altas, mas adicionou-lhe um lado mais hipnótico.

A helvética Sonja Moonear, um deslumbrante fecho para o segundo dia, trouxe sonoridades mais techno até ao Porto, algo que muitos esperavam ansiosamente. Por entre a acelerada Welt in Scherben 2 de Thomas P. Heckmann e tantas outras, perto do fim foi a brutal Answering Machine de Green Velvet que marcou a revolta de todos os pés que batalhavam contra tudo e contra todos a dizer: “eu não preciso desta merda”.

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Para os mais exigentes, a noite anterior acabou com DeWalta, Magazino e Tiago Carvalho no Industria, mas o Elétrico tinha as condições necessárias para todos descansarem durante o dia de domingo. Nitidamente mais quente do que sexta e sábado, domingo contou com João Tenreiro como o responsável pela abertura da cabine no parque.

Seguiu-se Mafalda, portuense baseada em Londres, que, tal como era esperado, focou muito do seu set em música altamente dançável, apesar de não ser necessariamente música eletrónica – perto do fim, as sonoridades tornaram-se mais housey. Através de discos de mais ou menos polegadas, a mulher da Melodies International tinha a solução, ou as letras, na ponta da língua, fazendo com que todos vibrassem – sentados ou não – ao longo da sua atuação.

Nightmares On Wax, que foi também um membro do público ao longo do último dia de festival, marcou-se pelo ecletismo. De música brasileira a toques de dubstep, a passar por house ou tantos outros, uma coisa é certa: a chama que provocou fez com que as pessoas se aproximassem da cabine.

Larry Heard, ou Mr. Fingers se preferirem, dispensa apresentações – ou sequer explicações. Com Mr. White a ajudar na música e na voz, os dois deram um concerto altamente eletrizante e cativante. Além de nos perguntar se “isto é déjà vu” ou de abanarmos a cabeça com Nodyahead, os americanos não se fartaram de agradecer aos portuenses através de palavras e gestos. Mas os presentes estavam completamente apaixonados, e estes é que queriam agradecer.

É certo que domingo ficou marcado pelo cancelamento de Peggy Gou, coreana que muitos aguardavam com muita expetativa. No entanto, Rui Vargas foi o responsável pelo fecho durante cerca de 1h30m, e não poderíamos pedir melhor encerramento. Se o facto de Larry Heard anteceder o lisboeta já o motivara, o facto do americano terminar com Can You Feel It certamente mexeu com os sentimentos de Vargas – afinal, esse trabalho é um dos discos de eleição do veterano. Fosse com You Spin Me Round de Dead Or Alive ou Love Will Save The Day de Whitney Houston, a máxima era fazer dançar, e o radialista é mestre nisso.

No final, ficou a vontade de regressar ao Parque da Pasteleira na tarde de segunda-feira. Visto não ter sido possível, marcamos encontro para a próxima edição?


Fotografia por André Teixeira

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