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Entrevista

BSA: “Gosto de fazer músicas sem pensar em limites”

28 Julho, 2020 - 11:17

À conversa com BSA, falámos sobre a sua história e, ainda, sobre a Yellow Stripe e a recém-criada Lost Together Recordings.

Os fãs das tendências pesadas conhecem-no bem, nacional e internacionalmente, e até escrevemos, em junho, sobre um dos seus novos EPs – o primeiro lançamento da Lost Together Recordings, a nova editora de T-Rex e BSA. Mas quisemos saber mais sobre os novos trabalhos, sobre si e, claro, sobre a nova label.

O bracarense conta com lançamentos em diversas editoras nacionais e internacionais, como Yellow-Stripe, PRSPCT, Mindocracy, Future Sickness, Culture Assault e Harder & Louder. Miguel Bessa Bernardo já colaborou também com diversos nomes, como C-Netik, Blasted, YMB e o icónico Cooh. O DJ e produtor já passou por Suíça, Holanda, Hungria, Espanha, República Checa, Bulgária e Eslováquia, país que o recebeu várias vezes.

Durante o dia é advogado, mas, à noite, quem o segue nas raves fica à espera de peso e brutalidade, numa fusão entre hardcore, drum’n’bass, crossbread e hard techno. Nesta conversa, falámos sobre tópicos como o início da sua aventura ou a recente aposta na Lost Together Recordings.

Antes de saltarmos para os teus dois últimos lançamentos em território nacional, como apareceu o drum’n’bass e, por consequência, a mistura e a produção musical na tua vida?
O drum’n’bass começou já há muitos anos. Já no início do milénio, ouvia techno e alguma música música eletrónica, tinha amigos que iam a festas. Por essa altura foi o Porto Capital da Cultura, e começaram a aparecer festas de drum’n’bass na cidade, e eu também, ao mesmo tempo, na internet, comecei a ouvir sets de Andy C, Hype… Como era uma pessoa que teve fortes influências na adolescência de rock, e o techno não me preencheu completamente, quando ouvi drum’n’bass foi paixão ao primeiro ouvido. É uma música que tem um bocado de rock à mistura, eletrónica, tem de tudo um pouco, e sempre apreciei dessa diversidade. A minha primeira festa foi no Maré Alta, quando foi Hype, 1º aniversário da Garagem, com o pessoal de Braga, Dj Trap, Downbeat… Foi este o meu primeiro contacto com o drum’b’bass, e mais tarde começou a apareceu produção.

Como surgiu a Yellow Stripe no teu percurso musical?
Eu comecei a tocar antes de a YS existir, ou pelo menos, se existia ainda não tinha feito a primeira Therapy Sessions no Porto Rio, que foi assim que realmente ficou conhecida como aquilo que é hoje. Comecei a tocar com os meus amigos de Braga, que era a Garagem, uma crew, e começámos a tocar até em vinil. Já na altura tinha sido convidado para tocar ao vivo numa festa, pelo Virash, também produtor e DJ, a mando do Trap, éramos amigos, conhecíamo-nos das festas, eu já fazia música e mandava-lhes às vezes, e como sabiam que eu já produzia perguntaram se estava interessado em tocar numa das festas. O nome BSA era o que assinava nos projetos que mandava e pensei mesmo que só ia tocar uma festa ou duas. Nesse momento estava a estudar na Faculdade de Direito, e por acaso nessa altura o movimento começou a crescer… Nessa altura a YS descobriu que havia em Braga alguém que, para além de ser DJ, produzia cenas mais pesadas, e na altura o Jonny, o T-Rex, fez primeiro um convite ao Trap, porque era meu amigo e agente. Na altura fizeram um entendimento, e entrei para a YS assim. Até hoje.

Sobre o novo “Let It Be”, o que nos podes dizer? Houve alguma experiência nova a nível de composição, conceito artístico ou até influências diferentes?
É um bocado diferente porque a maior parte das músicas foram acabadas em altura de confinamento e, com isso, tive mais espaço para perceber algumas ideias e para resolver certos problemas que tinha em alguns dos projetos. Neste processo, com mais calma, e algum tempo sem ir lá fora, tive um período para me dedicar e analisar algumas faixas e experimentar aquela parte mais criativa da produção, que uma pessoa às vezes até se esquece no meio de tanta técnica. Mas tive ali duas músicas que estavam um bocado paradas, já estava a pensar em não editar, e mesmo a Fly With Me já estava com ideias de não a lançar… Eu sei que o pessoal gosta mais deste estilo de música e eu também gosto. Outras vezes não é 100% aquilo, mas entendo que associem este som a mim, e para a pista é muito fixe. Para além disso tem uma ideia marada porque tem um lado pop e um lado mais dark e pesado. Aliás, foi o T-Rex que basicamente me obrigou a acabar esta música para o EP porque estava mesmo para não lançar, mas ele disse que “essa música tem de estar no EP”, e eu lá me sentei e acabei [risos]. Foi fixe, ele tem uma parte nisso que, comigo, artisticamente, resulta bem porque puxa por um lado meu que, às vezes, sozinho não tenho. Quando estamos em estúdio temos um estado espírito diferente e, nestas faixas mais festivas, não me puxa tanto fazer em casa, mas nisso ele incentiva-me para acabar e lançar estes temas mais dedicados ao dancefloor. E neste caso ia ser uma faixa que ia ficar no “canto” e que acabou por sair com um resultado excelente. Às vezes é complicado para uma pessoa sozinha, não é que seja muito trabalho para uma pessoa só, mas há momentos em que uma pessoa precisa de inspiração… por exemplo num coletivo, quando trabalham juntos, há dias em que não estás tão aliviado, e então outro pega no projeto e consegue fazer com que tudo soe melhor.

Neste EP deu para estar a divertir-me com o que estava a fazer acima de tudo, e quando estou a fazer para a YS é sempre algo especial porque não sei bem em que enquadrar o que estou a fazer, se é drum’n’bass, hardcore, crossbread, eu gosto de fazer músicas sem pensar em limites. Não tem de se fazer algo a pensar que “tem de soar a isto ou aquilo”, e neste sentido acho que o EP está engraçado – tem influências mais pop, que gosto de sentir ao vivo, mas consegui tornar tudo isto refletivo no EP.

E quanto ao lançamento na Lost Together Recordings? Claramente vimos uma faceta tua diferente. Quiseste fazer algo especial?
Eu vejo produzir como pintar uma tela, demora o seu tempo, baseia-se em sobrepor camadas e camadas, neste caso de som, e desde o início que comecei a tocar, nas festas que abri da Yellow Stripe, fazia questão de passar aquele neuro e liquid mais calmo, só para aquecer, e sempre adorei a onda da Subtitles, que acabava por ir de encontro a essa sonoridade. Só que lá está, quando fui para a Yellow Stripe, dediquei-me àquela tendência porque era o meu trabalho, estávamos a representar Portugal com uma sonoridade única, e porque era a arte que estávamos a criar como coletivo e dediquei-me mais a isso. Ultimamente tenho sacado músicas interessantes com regularidade, mais calminhas, e nesta altura de confinamento, tive mais tempo para estar sozinho, debruçar-me e penso que foi aí que consegui criar a minha tela de música à Lost Together, de saber como fazer aquele tipo de música, e foi aí que vi que era a altura perfeita para lançar um selo diferente. Eu gosto muito de peso, hardcore e dark e tudo mais, foi isso que me fez, mas tenho noção como a sociedade está hoje em dia. E mesmo na minha idade, procuro música mais easy listening, é um mercado muito maior e penso que pode chegar a muitos mais ouvidos do que música que costumo fazer para a Yellow Stripe. A partir de certo momento começo a tentar ir mesmo às raízes e penso “já consegui aquilo que queria no início, estar na cena, tocar em boas discotecas, pertencer a uma crew, editar em editoras…”. Isso já consegui tudo, e não é isso que me entusiasma agora ao produzir. E ao mesmo tempo, para fazer o tipo de música da Lost Together, acho que é preciso um produtor ser mais maduro e, certo, na altura não era tanto. Não tinha aquela sensibilidade para certos grooves e certas técnicas de bass… estava mais numa de me divertir e, como tal, acabava com faixas mais malucas no género da YS.

O que vos levou a criar a Lost Together Recordings?
Esta parte da Lost Together é um espaço onde podemos definir um novo rumo, um novo mercado, um novo público, um novo som. Acho possível um selo desse género conseguir chegar a mais lados, sem qualquer tipo de desconsideração pelas tendências mais pesadas, continuando a ser algo underground. Será algo mais easy listening… conseguimos ouvir no carro e adapta-se ao ambiente no momento, e as cenas mais hardcore soam melhor em rave, é quase como um desporto extreme, sentes a brutalidade das frequências, as vibrações, a pressão, a euforia… Mas lá está, em casa, no computador, na rádio, nos fones, acho que é um estilo de música que pode chegar a um público mais eclético. E esta label é um bocado isso, o reconhecer que a música pode chegar a muitos mais ouvidos. Não é pelo dinheiro, toda a gente sabe as pessoas não ficam ricas a fazer isto [risos]. E foi tudo isso que nos levou a criar esta nova editora. O Jonny, T-rex, é alguém que, apesar de muita gente não o conhecer, durante muitos anos deixou de tocar porque tinha sempre trabalho em festas e na editora, mas sempre foi o mentor da Yellow-Stripe e estava sempre a tratar da parte produtora, quer da editora. Ou seja, ele é uma pessoa que tem há muitos anos contrato com uma distribuidora muito conhecida, a Triple Vision, que respeitam bastante o nosso trabalho. Eu tinha o EP pronto, falei com o Jonny e ele percebeu que estava na hora de fazermos uma coisa consistente. Ele fez uma proposta por e-mail, mandou o EP, com a distribuidora, explicou o conceito, já tínhamos as redes sociais alinhadas, e no dia a seguir responderam e ficámos com a distribuição. Agora é simples, é tudo por internet e há possibilidade de fazer algumas edições em vinil… portanto o futuro, em princípio, vai trazer boas novidades.

O que podemos esperar de ti em relação a novos lançamentos e datas?
Estou sempre a produzir, no verão costumo parar um bocado, por causa do clima convidativo, para andar lá fora e férias… [risos]. Mas faço as coisas com uma relativa rapidez, quando fico assim num período, mesmo a produzir muitas horas, e às vezes em duas/três semanas consigo acabar umas faixas, portanto vai sempre haver novidades em relação a isso. Quanto aos gigs, Portugal, tudo que é festival, clubes, música eletrónica, não podem abrir. Lá fora, países como a Eslováquia têm tido algumas festas e festivais, com algumas condicionantes, mas mesmo o pessoal está a virar-se mais para o panorama mais nacional… De momento tenho produzido para rádio, sem pensar muito em passa-la ao vivo, porque também não vivo só disso, sou advogado, mas tenho um bocado de pena pela sociedade em geral, porque é uma atividade cultural que elevaria o nome de Portugal, temos um país com bons produtores, bons DJs conhecidos no estrangeiro, e penso que estamos a ficar um bocado na cauda. Mas um dia há de voltar tudo ao normal e, assim que for possível, estou aí numa festa a matar saudades [risos].

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