AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Artigo

20 álbuns nacionais de que gostámos em 2023

12 Janeiro, 2024 - 14:45

Para rematar o apanhado de 2023, os nossos álbuns nacionais favoritos.

Nunca é tarefa fácil fazer uma seleção como esta, muito menos num ano altamente prolífico para os registos que de uma forma ou outra recorrem a eletrónica. De qualquer maneira, acreditamos que conseguimos trazer um bom balanço de 2023 em matéria de álbuns nacionais.

Como noutros exemplos destes apanhados, há muito para escolher e ouvir por aqui. A lista vai de Alagoa a Xexa, nomes inclinados para ambient, mas não faltam sonoridades distintas, como é caso de hyperpop, jazz ou até punk e metal. No fim, outros 10 discos que não poderíamos deixar de referir.

Resta-nos agora encontrar a força de que precisamos para dar aos leitores e à música portuguesa aquilo que merecem em 2023.

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Alagoa – The Jar [turva]

Cineasta e artista multimédia português que se divide entre Lisboa e Luxemburgo, Alexandre Alagoa é um dos nomes por trás da turva e foi por essa mesma editora que lançou este álbum. “The Jar” não é a estreia de Alagoa enquanto produtor e mostra um lado algo diferente se comparado com discos como “To Be A Mountain”, editado pela Variz em 2018. Também inspirado em música acusmática e concreta, este “jornal sonoro” tem como base gravações de campo, síntese granular e muito sampling de vozes, sendo precisamente no trabalho de voz que está um dos lados mais ricos daquele que é um dos lançamentos mais especiais na música ambiente e experimental portuguesa em 2023.

ben yosei – lagrimento

Põe as luzes baixas. Pega nos lenços. Senta-te ou deita-te confortavelmente. Aperta play e fecha os olhos. “lagrimento” é ambient devocional inspirado pelo catolicismo e pelas bases religiosas por que tantas e tantos de nós passaram neste país. Uma ode à vida e à fé. Uma ode indispensável que emociona qualquer um – seja pelas letras e voz de ben yosei, pela que tem pena de morrer, pela reza ao Anjo ou por todas as certeiras composições que tornam esta numa obra sem igual.

Conferência Inferno – Pós-Esmeralda [Lovers & Lollypops]

Alerta! O trio de Francisco Lima, José Miguel Silva e Raul Mendiratta continua na senda do pós-punk, new wave e badwave, como lhe chamam, e não esconde que “Pós-Esmeralda” é fruto de um período mais atribulado para os três a nível pessoal. Isso não significa que o disco seja apenas soturno, atenção: há esse lado, claro, mas também há a vertente mais festiva e dançável, como havia em “Ata Saturna”. Agora com um baixo evidente na equação, a banda mantém os synths, as letras e a atitude que faz dela um caso tão sério.

DJ Danifox – Ansiedade [Príncipe]

Mais um do mestre Daniel Veiga, AKA DJ Danifox, que sucedeu o igualmente brilhante “Dia Não Mata Dia” com este primeiro LP a solo. Membro do grupo Tia Maria Produções, Veiga traz neste “Ansiedade” a habitual propulsão rítmica, as linhas de baixo acentuadas, os acordes românticos ou o trabalho de vozes. Mas o sabor é outro nesta amálgama de batida, kuduro ou tarraxo. É sabor a obra-prima do sempre certeiro DJ Danifox.

Dust Devices – Spine Mirror [Mera]

No regresso à Mera, o portuense Dust Devices assinou um dos trabalhos mais interessantes que se podem encontrar no underground nacional. Primeiro, a capacidade de Cláudio Oliveira para o design de som é bem clara. Depois, estamos a falar de um trabalho de eletrónica que bebe de música industrial ou IDM, sim, mas bem, bem metal. Tudo aqui é bom, note-se: a coesão, os riffs, os ritmos alucinantes, as ambiências alienígenas. Abram muitas alas para “Spine Mirror”, por favor.

Filipe Sambado – Três Anos de Escorpião em Touro

Todos e todas sabemos que Filipe Sambado é uma das mais preciosas cantautoras do país. Agora, assina em “Três Anos de Escorpião em Touro” a sua primeira e bem-vinda viagem hyperpop em formato de álbum. Isso não significa que ela largue a sinceridade e beleza das suas letras, assim como não deixa de parte as cantigas – ouça-se a emocionante Choro da Rouca, inevitavelmente uma das grandes canções do ano, ou o fado de Um Lugar na Mouraria. Produzido ao lado de Bejaflor e Rodrigo Castaño, o disco conta com alguns convidados (Conan Osíris, AURORA, Marianne, entre outres) e dá-nos aqueles contrastes entre beleza e dureza que podemos ouvir em trabalhos de Arca ou SOPHIE.

Mas atenção: “Três Anos de Escorpião em Touro” nunca deixa de ser um disco de Sambado, daqueles bem próprios e inspiradores para ouvir vezes sem conta e, de preferência, com toda a atenção. É que, independentemente da nova abordagem na música, tal como noutros anos, a artista volta a oferecer uma excelente companhia para o dia-a-dia e para todas as nossas angústias.

Fred, Regina Guimarães – Mãos no Fogo

Poetisa portuense extraordinária, ligada aos Três Tristes Tigres e muito mais, Regina Guimarães recebeu um fã-músico em sua casa para uma sessão em que declamou uma série de poemas seus. Fred, com “um pequeno setup de gravação”, captou tudo. Daí, esteve um ano a tentar “entender o mundo de Regina e o seu”. O resultado? Ambiente daquele do mais etéreo. Instrumentos que fazem lembrar compositores contemporâneos de eletrónica clássica e moderna. Gravações de pássaros e do exterior sem deixar de ser bem interior. Jogos de vozes que até fazem lembrar XXYYXX (Explicação da Cabisbaixeza). Caminhos íntimos e convidativos. Tudo envolvido na poesia brilhante de Regina. Uma das melhores colaborações dos últimos anos na música portuguesa, diríamos.

Hidden Horse – Incorporeal [Holuzam]

Um dos grandes atos da hauntology feita em Portugal, a dupla de João Kyron e Tony Watts, também conhecida por integrar a banda Beautify Junkyards, voltou a lançar um álbum enriquecedor após a estreia em 2022, com “Opala”. Novamente com selo da Holuzam, Kyron e Watts bebem de kraut e industrial para chegar a um resultado que é descrito oficialmente pelo adjetivo do próprio título: incorpóreo. Ideal para os dias que correm, diga-se, não fosse esta uma distopia de ficção científica que chega mesmo a ser claustrofóbica – no bom sentido, claro.

Joana de Sá – Lightwaves [sirr-ecords]

Mais de um ano após o álbum de estreia “Shatter”, Joana de Sá voltou à sirr-ecords para lançar “Lightwaves”. Emotivo e cativante, o novo álbum foi feito entre Porto, Viseu e Lisboa, pelos quais a música andou a fazer gravações ao longo dos últimos meses para trazer um disco que “parte da sua experiência pessoal nestes lugares.” A guitarra e os sintetizadores são a base, mas há também violoncelo (Louis Wilkinson), vozes e, acima de tudo, o coração de Joana de Sá.

Marlene Ribeiro – Toquei no Sol [Lovers & Lollypops/Rocket Recordings]

Numa nova edição conjunta entre Lovers & Lollypops e Rocket Recordings, “Toquei no Sol” é o convite perfeito para o mundo de Marlene Ribeiro. Já a conhecíamos por ter tocado com os Gnod, pelo projeto Negra Branca ou por ter assinado um disco ao lado de Valentina Magaletti em 2020. Agora, o “dreampop hipnótico” é tão pessoal quanto possível. Em parte inspirado pela sua avó Emília, de quem se ouve a terna voz no primeiro tema, o primeiro álbum de Marlene Ribeiro em nome próprio é tão envolvente quanto se possa imaginar: gravações de campo, letras em português, instrumentos variados, sinceridade e alma. Avé.

Meta_ – XIV- A Integra​ç​ã​o

Se ainda não conheces Meta_, aproveita este álbum de estreia para o fazer. Mariana Bragada, que participou no Festival da Canção 2019 com Mar Doce, é um nome que chama a atenção pelo canto e pelo prazer que tem pelas raízes. Mas não se fica por aí. Em “XIV – A Integração”, o lado eletrónico é ainda mais evidente – há drum’n’bass pelo meio – sem deixar que temas como a morte deixem de fazer parte da fórmula. Influências de todos os cantos – nacionais e não só – estimuladas pela colaboração com nomes como Bom Beijo ou Larie e cantadas em português, espanhol e inglês. Uma “simbiose da folk com a eletrónica” para manter bem de perto.

Miguel Pedro – Sonofobia [Revolve]

Num ano em que apresentou também “Clementina” e “Tricot”, este último dos Mão Morta com Pedro Sousa, Miguel Pedro pôs cá fora o nosso favorito “Sonofobia”. Como explicou ao Rimas e Batidas, o disco parte do “trigger criativo” que teve depois de comprar uma chaos guitar “num centro rural mais profundo da França”. O resultado é o lado mais ambient, experimental e denso do músico, numa odisseia de cerca de 40 minutos que nos pode remeter ainda para metal, eletrónica espacial ou até música industrial. Simplesmente único e a não perder.

Minus & MRDolly – Giant Stops [Jazzego]

Longe vão os tempos em que olhávamos para Minus como um dos melhores rappers do Porto e da zona norte. Ainda olhamos para ele assim, claro, mas Hugo Oliveira tem-se dedicado à música instrumental. “Giant Stops”, uma clara referência ao seminal “Giant Steps”, de John Coltrane, é o epítome desta faceta chamada Minus & MRDolly. Jazz com um lado eletrónico do melhor que se faz por cá, com a companhia de banda e de vozes de Luca Argel e Meta_. Brilhante.

Moss Kissing – Pass Through [Vilamar Records]

Álbum de estreia estrondoso de Moss Kissing. “Pass Through” chegou com selo da igualmente incrível Vilamar Records, que volta a fazer correr uma brisa necessária nos catálogos de eletrónica que se escutam por cá. O disco é uma jornada única pelos meandros da música britânica (dubstep ou jungle) com pés bem assentes noutros mundos (ambient, por exemplo) e em vozes tão bem trabalhadas que a pele até arrepia. Para ouvir do início ao fim – com o volume bem lá alto, claro, para deixar que cada ínfimo detalhe e textura nos penetre o cerne.

Nídia – 95 MINDJERES [Príncipe]

Depois de um 2020 altamente prolífico, que incluiu o lançamento do reconhecido “Não Fales Nela Que A Mentes”, Nídia regressou aos álbuns (e à Príncipe) com “95 MINDJERES”. Dedicado às mulheres que lutaram pela liberdade ao lado do PAIGC, como Teodora Gomes e Titina Silá, é um manifesto e disco indispensável. Nídia é “bem má e fudida”. Que o digam os ritmos e melodias desta visão tão especial.

Nuno Loureiro – Lua Onus [SUPERPANG]

“Lua Onus” é o primeiro álbum de Nuno Loureiro em nome próprio. Esteve em discos de Fugly ou Solar Corona recentemente, mas o último lançamento a solo tinha sido como Lorr No. Nesse “Alergia” (2020), pela Favela Discos, que ele tão bem conhece, entrávamos numa viagem mais new age de modulação. Agora, pela italiana SUPERPANG, Loureiro ainda trabalha essa sintetização, mas aqui há mais elementos. Vozes, teclas, ritmos ocasionais, minuciosidade, muito ambient e experimentação ou até breves rasgos de techno em Luz. Tão ofegante quanto calmante, este é o possível magnum opus do portuense a solo.

Pedro Ricardo – Soprem Bons Ventos [Soundway Records]

Pedro Ricardo é um verdadeiro tesouro. Talvez já o tenham ouvido como Hai e Bababa ou a chamar a atenção DJ sets lá fora. Se calhar até em nome próprio a desbravar house cheio de instrumentos ou nos trabalhos da sua Hear, Sense and Feel. Em 2023, assinou com o apelido este “Soprem Bons Ventos”, disco com selo Soundway Records no qual se escuta desde logo a técnica de dedilhado deste músico. Há cordas e teclas, há percussão e canto, há jazz e pitadas de eletrónica, há tradição portuguesa e além-fronteiras e há futuro. Há unicidade e há, acima de tudo, um dos grandes trabalhos do portuense e do ano.

pr​é​tu 1 – xei di Kor

Xullaji numa lista inclinada para eletrónica? Para as pessoas mais atentas, não é novidade. Com a assinatura de Prétu, “Xei di Kor” é um disco afrofuturista, viciante, repleto de sintetizadores e samples. Melhor ainda, é mais um manifesto político que, acompanhado por nomes como Dino d’Santiago, Cachupa Psicadélica, Scúru Fitchádu ou Tristany, toca nas feridas em que precisamos de tocar constantemente. Levantemos o punho e não esqueçamos que A Revolução Não Vai Ser Um Tweet.

Scúru Fitchadú – Nez Txada skúru dentu skina na braku fundu

Se calhar já se tornou redundante dizer que a música de Scúru Fitchádu é punk funaná original, enérgico e muito bem-vindo. É, claro, mas é muito mais. É música de dança também, é poético, é hardcore até mais não. Em “Nez Txada sk​ú​ru dentu skina na braku fundu”, Marcus Veiga assina um disco indispensável para todos nós. Resta o sonho de ouvir temas como Ez utopiaz (que recorre a O Cigano, de Allen Halloween) no pico de uma daquelas noites bem suadas num clube.

Xexa – Vibrações de Prata [Príncipe]

O brilhante e emotivo novo álbum de Xexa traz a visão afrofuturista desta música e mostra por que razão este é um dos nomes mais excitantes da eletrónica feita por cá. Com as origens de São Tomé e Príncipe ou a vida em Londres a terem papel naquilo que compõe, a segunda mulher a assinar a solo pela Príncipe traz um tom ambient à editora, que prova assim, mais uma vez, que nunca deixa de nos surpreender. Sintetizadores e voz, sopros, teclas e apontamentos rítmicos, detalhe e sentimento, conforto e coração. Difícil não ficar rendido.

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António Sá – CACHE 01
Diana XL – BASS QUEEN
Diogo Carriço – Silhouette Nekropolis
HIFA – Season One: Throbs
Nuno Rebelo – Improvisações Cristalizadas
Raimundo – Volume I
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Sal Grosso – Istmo
Serpente – Cornos
Sistro – Sistro

Parte dos textos é recuperada dos apanhados mensais. Imagem por Catarina Ribeiro.

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