AUTOR

Daniel Duque

CATEGORIA
Entrevista

Dust Devices: “Não tenho dúvidas de que o cinema tem enorme impacto na minha música”

2 Julho, 2024 - 15:15

Tem música em nome próprio, mas é como Dust Devices que Cláudio Oliveira é conhecido pela maioria. À A Cabine, fala sobre os últimos trabalhos, as inspirações ou a maquinaria que tem no estúdio.

Há nomes cuja música evidencia com clareza o gosto e o entusiasmo pelas máquinas e as suas possibilidades. Dust Devices é um desses. Portuense que tem vindo a chamar a atenção ao longo dos últimos anos, Cláudio Oliveira tem em “Abrupt” o seu release mais recente, mas esta entrevista vai além desse ou de outros discos.

Por aqui, um dos primeiros momentos de afirmação foi em 2020, quando lançou “Interupt” pela Mera. Foi por esse mesmo selo do Porto, aliás, que editou o referido último disco e “Spine Mirror”, um dos nossos favoritos do ano passado. Pelo caminho, por exemplo, pôs também cá fora o split EP “The Earth Portal”, pela Zodiak Commune, numa outra amostra do que se pode esperar da música de Dust Devices.

Por um lado, como em parte podes ler nesta conversa, Dust Devices pode ser sinónimo de coordenadas introspetivas, densas ou experimentais, muitas vezes com um lado que relembra bandas sonoras. Há também influência de música mais extrema, como metal ou industrial, mas não se fica por aí. As aventuras mais de pista fazem o ouvinte esquecer parte da forte e habitual componente de sound design, virando antes os ouvidos e o corpo para o lado dançável das linhas acid ou da programação de ritmos electro.

Nos próximos tempos, Dust Devices tem a caminho um EP pela Diffuse Reality, a sair dia 18, e a passagem pelo festival Neopop, onde toca ao vivo a 9 de agosto. Por agora, a conversa que, embora feita no âmbito de “Abrupt”, vai desde os primeiros passos na música até sugestões de nomes portuenses para manter debaixo de olho.

Não há muito sobre ti na internet, embora seja claro que já andas aí há muito tempo. Para contextualizar os nossos leitores e até a mim mesmo, poderias falar um bocadinho sobre o teu percurso na música e o caminho até à eletrónica?
Penso que o meu percurso foi semelhante ao de outros miúdos da minha geração: Adolescentes dos finais dos anos 90/inícios de 2000 que encontraram uma espécie de refúgio no rock e metal. Naturalmente aprendi a tocar guitarra e participei em algumas bandas, sem grandes compromissos e por pura diversão.

Lembro-me que no início o conceito de música electrónica era algo muito alienígena para todos nós, mas a descoberta de artistas como NIN, Skinny Puppy, Ministry e Fear Factory levou-me a perceber que muito dos sons que gostava eram feitos por sintetizadores, samplers e drum machines. Ao mesmo tempo, a MTV, que era um dos poucos recursos que tínhamos para descobrir nova música, começava a passar aqueles videoclips de Prodigy e de Aphex Twin que todos conhecemos. Isso foi o suficiente para suscitar alguma curiosidade pela dance music.

Bandas sonoras de videojogos como o Wipeout e Ridge Racer também ajudaram. Pouco depois, alguém arranjou uma cópia do ReBirth RB-338 (um software pioneiro na emulação dos Roland 808, 909 e 303) e as horas a tocar instrumentos “tradicionais” com os amigos passaram a ser noites à descoberta desse novo mundo de sons electrónicos e sequenciadores.

Disseram-me que tens um estúdio incrível – com algumas máquinas, por exemplo, mas não só. Usas tudo nas tuas produções? Se alguém for lá, com o que é que se irá deparar?
Tive a sorte de conseguir comprar equipamento antes da febre do hardware dos últimos anos e a subida dramática dos preços. Especificamente, o revival do analógico levou a que muitos sintetizadores digitais dos anos 90/2000 fossem despachados no eBay a preços muito abaixo daquilo que pedem hoje em dia. Synths como o Roland JD-800, Elektron Monomachine ou o Ensoniq Fizmo foram comprados assim. São os meus favoritos e os que uso mais, mas ainda faço bastante sound design com o meu primeiro, o Korg MS2000.

No entanto, nem sempre uso hardware. Tenho bastante música feita só com software, especialmente projetos mais complexos. Por vezes é mais imediato e as potencialidades de programas como o Reaktor levam-nos por caminhos que dificilmente conseguiríamos percorrer com hardware.

Olhando agora para o teu mais recente álbum, “Abrupt”, como é que surgiu a vontade de o fazer, tendo em conta que parte da performance homónima que assinaste com o colectivo berru? Como é que foi todo o processo de o compor?
O “Abrupt” surgiu porque, na altura em que o projeto com os berru foi criado, fiz bastante música para essa performance e para o álbum “Interupt”.

O “Interupt” saiu em 2020 e inclui algumas dessas experiências de “ambient”, mas, no geral, é mais direcionado para o dancefloor, sendo que o resto foi para a gaveta. A meio de 2023, deparei-me com algumas dessas músicas enquanto ouvia o que tinha em arquivo e fiquei com a ideia de lançar isso cá para fora. Fiz pequenos ajustes no que tinha e acrescentei elementos novos, tentando capturar e fazer um pequeno update à atmosfera e espírito da peça.

Como foi (e continua a ser) um projeto bastante querido para todos nós, convidei o coletivo para a criação do artwork e até acabamos por fazer gravações de sons dos blocos de cimento usados na performance.

Fala-se da relação homem-máquina na descrição oficial. Como é que olhas para esse conceito?
Esse conceito provém da performance original com os berru. Concordamos que essa dinâmica entre ser humano e máquina seria algo interessante de explorar ao longo da peça, pois nós próprios estamos a introduzir um elemento orgânico a objectos fabricados por máquinas, frios e brutalistas.

Essa intervenção é suportada por um fio narrativo, também presente no álbum, que evolui desde o humano/irregular ao sintético/sequenciado. A um nível musical, isso tudo traduz-se como um diálogo entre os sons orgânicos e digitais, harmonia e atonalidade e até mesmo a colisão entre sequências desconstruídas e formatadas por um computador.

Fotografia por Fausto

Porque é que decidiste assinar este álbum em nome próprio depois de vários trabalhos como Dust Devices?
Pretendo explorar sonoridades diferentes daquilo que faço em Dust Devices, menos direcionadas para dancefloor e mais no espectro da “sound art”, música experimental e banda sonora.

Acho que assinar esses projetos com o nome próprio é uma boa forma de diferenciar os conceitos e objetivos, como fiz recentemente com o projeto colaborativo entre a revista Umbigo e a Fonoteca Municipal do Porto.

Este disco surge depois do “Spine Mirror”, um trabalho mais denso e de tons que nos levam ao metal e industrial. Como é que descreves esse disco e todo o método que te levou até ele?
O “Spine Mirror” foi o resultado de uma espécie de frustração com a dance music tradicional e uma tentativa de regresso às origens. Isso levou a uma redescoberta com ouvidos mais maduros de artistas como Skinny Puppy, Godflesh, Fear Factory, Meshuggah, NIN e até mesmo Autechre.

Penso que já aconteceu a todos nós. Ouvimos música durante o nosso período formativo que adoramos, mas muitas vezes não sabemos bem porquê. Anos mais tarde voltamos a ouvi-la e conseguimos perceber melhor o que faz aquilo funcionar e porque nos dizem algo.

Apesar de essas influências estarem sempre presentes, no “Spine Mirror” tentei que ficassem em primeiro plano. Com uma maior experiência, conhecimento e confiança ao nível da produção, senti-me seguro para arriscar, desconstruir e explorar as técnicas de composição e sound design características dessas influências.

O resultado é, aos meus ouvidos, um disco mais difícil de ouvir que o “Interupt”, mas mais criativo e genuíno, mais próximo daquilo que me levou a começar a produzir.

Tens também trabalhos como o “The Earth Portal”, lançado pela Zodiak Commune Records, um EP mais dançável, digamos. O que é que te inspira a fazer trabalhos distintos? Consegues definir algumas das referências para a tua música?
Acho que isso é um efeito secundário das várias experiências que surgem durante o processo de criação de uma música. Perdi conta às vezes em que começo com uma ideia de fazer algo mais lento e espaçado e acaba por sair algo mais dançável. O contrário também acontece bastante.

Por vezes, basta um som ou melodia que deixe a pensar “e se isto ficasse mais rápido” para que um novo contexto apareça e o percurso do projeto é totalmente alterado.

Outras vezes, existe um conceito inicial ou estética sonora que é explorada até ao fim, como é o caso das músicas que a Zodiak lançou. Essas foram criadas a pensar na linguagem da label, que navega entre o acid, electro e techno.

Quanto a referências, para além das principais que já mencionei: A lista está cheia de artistas com música muito distinta entre eles e provavelmente é demasiado grande para este espaço, mas encontro sempre inspiração no trabalho de Future Sound of London, Amon Tobin, Rhys Fulber, Oneohtrix Point Never e do inigualável Vangelis.

Corrige-me se estiver enganado, mas também estás envolvido em fotografia e cinema. Isso tem influência na tua música?
Sim! No rés-do-chão do edifício onde vivi até aos meus 12 anos existia um videoclube. Os meus pais deixaram-me ir lá alugar filmes demasiadas vezes e anos mais tarde acabei por estudar cinema e trabalhar nessa área como diretor de fotografia, sonoplasta e compositor.

Não tenho dúvidas de que isso teve um enorme impacto na minha música pois tento sempre que ela possua uma narrativa dinâmica, com momentos de tensão e resolução, com princípio, meio e fim, mesmo que por vezes seja feito de forma inconsciente.

Também acho inspirador associar elementos visuais a algo tão abstrato como o som. É um excelente mecanismo para expandir ou complementar um conceito, seja através das “covers” dos álbuns ou de videoclips, como o que fiz recentemente para a faixa “Gestalt”.

Sendo tu do Porto, tenho curiosidade em saber que outros nomes da cidade te interessam e que nos aconselharias a prestar atenção.
Esta cidade está cheia de talento a todos os níveis, mas dou especial destaque ao trabalho que está a ser desenvolvido pelo Alfaer e a sua Rapture (que recentemente se tornou editora) e pelo colectivo ARM5A, que tem criado eventos de noise e experimental, oferecendo um espaço para esse tipo de expressão artística que é bastante necessário nesta cidade. Também tenho mantido especial atenção ao trabalho de produtores e artistas sonoros como o M3STR, zxzx, System Sophie e Ian Duclos.

Fotografia de capa por Sofia Ribeiro

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